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Universidade Federal de Goiás
Jóquei capa

Disputa põe em xeque futuro do Jóquei Clube

Em 07/03/18 10:19.

Participaram o professor de Arquitetura e Urbanismo da UFG, Lucas Jordano, a representante do CAU-GO, Maria Ester Souza, e o professor de museologia da UFG, Rildo Bento

Ascom, TV UFG e Rádio Universitária

A preservação do mais antigo clube de Goiânia vem sendo reivindicada em resposta ao anúncio de sua venda, realizado pela atual diretoria do Jóquei Clube de Goiás no fim do ano passado. A venda do prédio, localizado no Centro, entre a Avenida Anhanguera e a Rua 3, foi a solução encontrada para o pagamento das dívidas que, segundo o presidente
do clube, Manoel de Oliveira Mota, somam R$ 40 milhões. De lá para cá, acadêmicos, associados e representantes da sociedade civil começaram a se mobilizar em defesa da sede social.

O impasse se arrasta. A venda foi suspensa pela Justiça em razão dos débitos do clube com a prefeitura de Goiânia, e o Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (CAU-GO) protocolou pedido de tombamento do Jóquei em nível federal. Por sua vez, um alvará de demolição do edifício foi solicitado pela direção do clube e avança no Paço; enquanto isso, um grupo de joqueanos busca o apoio de sócios remidos para destituir a atual diretoria e impedir a venda e a demolição.

Para falar sobre esse assunto, a mesa-redonda convidou o professor de Arquitetura e Urbanismo da UFG, Lucas Jordano, a representante do CAU-GO, Maria Ester Souza, e o professor de museologia da UFG, Rildo Bento.

Jóquei

O que está envolvido nessa disputa?

Lucas Jordano - A área do Jóquei Clube é muito nobre. Dentro do perímetro histórico do Centro de Goiânia é a maior quadra. É a que está mais bem localizada em termos de sistema viário. De um lado, passa o eixo Anhanguera, do outro lado, o eixo da Rua 3. É uma área que está em interface com o Centro e o setor Oeste, que é mais valorizado economicamente. O tamanho da área e sua localização dão um valor monetário muito grande. E o mercado imobiliário sempre fica de olho nisso. Com relação a outros tipos de empreendimentos, também se beneficiam da localização privilegiada. Do ponto de vista do patrimônio, tem a questão da construção da identidade goianiense, que não é muito clara, porque a nossa cidade é muito jovem. Temos certo apego com as construções iniciais, que se classificam popularmente pelo termo art déco, mas que não são produções elevadas em termos de qualidade. Temos uma produção, especialmente, de arquitetos forasteiros, das décadas de 1950, 1960 e 1970, que, talvez, tenham uma relevância maior no cenário nacional. A questão é colocar isso em debate. E não deixar apenas a questão monetária prevalecer.

Maria Ester - Todo esse patrimônio - e vamos chamar de patrimônio não só o histórico, mas a propriedade - sempre será alvo de disputa na cidade. Quando você tem um equipamento do tipo BRT, um grande hospital e um centro de comércio, servidos por meio de um sistema viário, essa propriedade tem muito valor. Como uma primeira questão, o que estaria em jogo nessa disputa é isso, a instalação de um ou outro segmento da iniciativa privada, que teria a capacidade de produzir e de gerar mais e mais renda. Essa é a grande disputa. E temos a sorte de ter arquitetos na cidade, que estudam o assunto e têm documento produzido sobre o edifício do Jóquei, e a gente precisa se mobilizar para defender.

Rildo Bento - O que está em jogo, principalmente, é a disputa de poder, que perpassa a esfera econômica, política e se constitui na esfera social, sobre qual cidade nós queremos, o que nós elegemos para lembrar e para esquecer. O que vamos eleger que se mantenha para gerações posteriores e o que vamos demolir. O Jóquei é o ponto máximo de um processo de desmantelamento do Centro de Goiânia que já vem ocorrendo há muito tempo. A demolição das casas da Rua 20, a construção do complexo do Centro Cultural Cora Coralina, ou seja, a região central está passando por uma série de processos que visam descaracterizá-la. O próprio fato de já ter tido projetos para preservar as fachadas em estilo art déco, e que não foi para frente. De um lado, têm grupos que querem a preservação e, do outro lado, grupos que se aliam ao poder político e ao poder econômico e, agora, ao poder religioso, que visam exatamente frear a construção desse patrimônio cultural que a gente quer para Goiânia.

Rildo Bento

Rido Bento

Essa disputa é responsável pelo abandono desses prédios históricos?

Rildo Bento - Sim. O abandono é um processo consciente: como você faz para poder tornar aquela área imprópria, improdutiva ou até mesmo economicamente inviável. Você pega e você abandona. Ela passa a ser ocupada por grupos marginalizados e isso perpassa para a sociedade que tem que demolir, tem que fazer qualquer coisa para reestruturar. Acho que nada é feito de maneira inconsciente.

Lucas Jordano - Quando a gente fala de proteção de um bem, de construção do patrimônio, a gente fala da construção de identidade. No geral, o sistema capitalista trabalha para destruir isso. Porque se você tem uma identidade específica, você tem que vender um produto muito específico. Quando você destrói todas as identidades e constrói o genérico em substituição a isso, você faz um produto só e vende para todo lugar. Então é muito mais fácil, mais lucrativo, mais rentável. O trabalho com o patrimônio é de construção de identidade. E isso vai contra qualquer tipo de artimanha mercadológica ou de instalação de um poder específico.

Maria Ester - Porque tem que fazer de novo, fazer diferente, construir, trazer tecnologia, inovar. Nós estamos dentro da discussão de elaboração do Plano Diretor de Goiânia e há um projeto para o Centro da cidade, que permeia esse assunto: vamos reconstruir, vamos fazer de novo. E como fazer isso em cima de um lugar que já está estabelecido ou consolidado? É preciso haver um tipo de entendimento, de quem está na gestão, de que isso é importante, ou vamos ver ser arrasado o que chamamos de identidade arquitetônica da nossa cidade.

Lucas Jordano

Lucas Jordano

Por que o Jóquei deve ser preservado?

Rildo Bento - Quando se fala em patrimônio e preservação, além da disputa de poder, está em jogo o sentido que aquilo faz para a cidade, para a população. Embora os patrimônios pareçam eleitos, eles têm que passar pela esfera pública, pela esfera do poder, que no caso do Brasil é o Iphan, que tem a chancela de tombar ou não, e isso passa pelo poder político. Nós temos que entender que o patrimônio tem que fazer sentido para aquela comunidade. E o Jóquei Clube foi o primeiro clube de Goiânia, construído no final da década de 1930 e início da década de 1940. Não é o mesmo prédio da década de 1940, não é a mesma proposta, mas está ali numa área que é pública. Em último caso, aquilo é do poder público e tinha que ser mais valorizado por essa esfera de poder. O Jóquei foi muito importante para a vida social de Goiânia. Tanto o Jóquei como o Lago das Rosas foram espaços de socialização muito interessantes na cidade. Têm várias pessoas que falam "ah, mas era só da elite". Mas a gente fala de Goiânia com 30, 40 mil habitantes, ou seja, era uma cidade muito pequena. E clube atendia diversas camadas da população. Fica o registro da memória, das pessoas, dos bailes, das festas de final de ano, é um lugar com muitas histórias. E esses lugares de memória devem ser preservados.

Maria Ester - Há duas respostas para essa pergunta. Uma vem do proprietário, que é o associado que não deseja que o seu clube seja demolido, porque é uma propriedade dele, ele tem o título, ele tem uma vivência, tem uma infância vinculada à memória do Jóquei. Essa pessoa tem a resposta do porquê o clube não deveria ser demolido. Ele gostaria de ir ao clube, por exemplo, e permanecer com os direitos que entende que tem, e tem mesmo, de ser sócio-proprietário daquele edifício. Outra questão é a arquitetura. Vou fazer uma comparação. Ali onde é o Mutirama, existiam umas casas, cerca de 10, 20 casas que, para a execução do projeto de um grande parque, idealizado na segunda gestão do Paulo Garcia (PT) ⎼ com a inclusão de uma passarela ⎼ foram desapropriadas. As pessoas foram retiradas dali e suas casas foram demolidas para a construção de um parque, que não se concretizou. Algumas daquelas pessoas morreram. E eu acho que elas morreram porque suas casas foram demolidas. Isso é um tipo de relação que temos com nosso lugar, que pode ser chamado de identidade, que é visceral. Não deve ser demolido por isso também. Porque a gente nasceu em Goiânia, pelo menos algumas dessas pessoas, a gente conviveu nesse lugar e a paisagem está montada ali como lugar de passagem. Quando ela é demolida, uma parte de um sentimento nosso é demolido também.

Lucas Jordano - A arquitetura do Jóquei, para nós hoje, é um pouco banal. O movimento moderno construiu a cidade industrial brasileira, porque o Brasil se industrializou tardiamente. A nossa arquitetura moderna coincide com a gestação dessa indústria. A grande massa, que saiu do campo e foi para a cidade, foi morar nesse tipo de arquitetura. Então é o que massivamente a gente vê. Quando estamos diante da nossa realidade, ela não é excepcional. É diferente de ir para o centro de Paris, onde um edifício moderno é excepcional, porque o tecido está preservado, porque a industrialização foi muito mais antiga, e aconteceu antes da arquitetura moderna aparecer por lá. Então, há uma dificuldade do cidadão de se identificar com aquilo que é banal. Ele procura o excepcional, porque quer fugir da banalidade da sua vida. Há dificuldade de associar o Jóquei a uma coisa positiva. Mas há grande qualidade na sua arquitetura, porque tem uma identidade da década de 1950 do movimento de arquitetura moderna, que é a tentativa dos arquitetos brasileiros de conseguir um espaço para um povo que vivia à margem das discussões e à margem da construção de um repertório cultural. As músicas, a conversa de boteco, essa coisa toda, acontecem na periferia e nunca no grande edifício, num espaço central, que é o palco visível da cidade. Então, os arquitetos brasileiros passaram a construir edifícios um pouco mais generosos, com certos espaços flexíveis, que não têm uma função definida. Eles conseguem amparar, e é um discurso de um dos arquitetos do Jóquei Clube, a imprevisibilidade da vida. Você não tem, como arquiteto, a visão de algo específico a ser desenvolvido ali. É uma cobertura, com espaço enorme, que dentro dele pode ser feita qualquer coisa. Essa é a ideia do arquiteto. A ideia é de amparar a diversidade embaixo de um abrigo. Agora, é importante a gente voltar para a questão do capital identitário, porque normalmente as pessoas precisam de um pouco de beleza na vida. Todo mundo hoje diz que a beleza é secundária. E fala da beleza interior. Mas quando você vai à casa de uma pessoa que não tem nenhuma sobra financeira depois de dar comida para os seus filhos, ela tem o cuidado de limpar o fogão, a pia, colocar um paninho em cima, um vaso de flor. Porque o mundo é muito cruel. E quando a gente vê beleza, a gente acredita que não é possível que uma pessoa que seja capaz de produzir a beleza seja de todo ruim. Procuramos a beleza como se fosse a esperança da felicidade. Quando um edifício como o Jóquei é preterido pelo mercado, pelo poder, a primeira ação é destruir sua beleza. É começar a alterar as fachadas, o espaço, a pintar, a colocar outdoor, destruir árvores, para ele ter uma aparência de sucata, porque aí deixa de ser aquela esperança de felicidade, e todo mundo concorda que ele deva ser demolido.

Maria Ester

Maria Ester

Há as perspectivas de tombamento como patrimônio, da venda do imóvel, e da dívida de cerca de R$ 40 milhões de reais. O que fazer?

Maria Ester - Nós do Conselho de Arquitetura (CAU) fizemos várias reuniões, convidamos o Lucas Jordano, na época, para elaborar o parecer que protocolou o pedido de tombamento no Iphan, estivemos com a secretária de Educação Cultura e Esporte (Seduce) Raquel Teixeira e, mais recentemente, o grupo interessado na preservação do edifício esteve com o prefeito Iris Rezende. Quando vamos a esse tipo de conversa, entendemos que demos um passo na direção de consolidar uma proteção para o edifício. O tombamento foi protocolado em dezembro de 2017 e já está em Brasília, porque a solicitação foi para que fosse tombado em nível federal, em nível nacional. É um processo que demora. Entendemos que, por lei, ele garante o acautelamento do edifício, ou seja, um advogado poderia solicitar uma liminar para que o edifício não fosse demolido. E isso é até onde podemos chegar. No final deste mês ainda esperamos levar para o Ministério Público e pedir a parceria, para que ele também se envolva e nos ajude do ponto de vista legal a proteger o edifício. Porque com relação à dívida, isso já entra no âmbito da propriedade, e o pessoal do grupo que encampa essa defesa do clube, da presença do joqueano como proprietário, tem alternativas, tem projetos, de como utilizar os espaços. De nossa parte, o conselho tenta buscar esse aparato legal, esse suporte da instituição, para ajudar o lado do joqueano, que pretende manter o seu clube e impedir que o edifício seja demolido.

Lucas Jordano - A questão do valor monetário, eu acho um pouco discutível os R$ 40 milhões de dívida. Seria necessário avaliar qual seria o valor do terreno, que talvez ultrapasse isso. E o valor do edifício, tanto na sua possibilidade de uso como na questão autoral, embora o brasileiro não tenha muito vínculo mais com a arquitetura. Ninguém sabe mais quais foram os arquitetos que projetaram o edifício. E um deles bastante galardoado e premiado no mundo. Se a gente tivesse o mesmo fetiche pela arquitetura como tem por um quadro... se a gente pegar um rabisco qualquer de Picasso, já vale uma fortuna. Se isso valesse para a arquitetura, esses R$ 40 milhões já teriam sido vencidos há muito. Então é muito complicado a gente falar desses valores monetários nessa pressa de querer vender, porque pega-se a dívida e diz que ela equivale exatamente ao patrimônio, e não é verdade. O prédio valeria muito mais. E o terreno também. As duas questões são muito importantes. E aí a gente tem umas propagandas que perpassam toda nossa vida social, que são parte de toda essa cultura de venda, que destrói o valor das coisas. Por exemplo, tem a frase da juventude hoje, "quem se define se limita", que é uma bobagem imensa, porque, primeiro, "definição" e "limitação" são a mesma coisa, é como se você tivesse falando "quem se define, se define". E o valor das coisas se dá pelo limite, pelo fim. Eu tenho uma cadeira e eu posso dizer se ela é ou não confortável, se o braço é alto demais, baixo demais, se o estofado é bom, porque tem um limite. Se a cadeira é uma superfície sem fim, não é mais cadeira. E se não é nada, não posso avaliar, não posso fazer juízo de valor. O valor só vem pela distinção. É a única forma de dar valor às coisas. Então há uma tentativa de destruir as distinções. Não está se falando daquele terreno, daquele edifício, daquelas características. Estão falando de um clube como se fosse um equipamento genérico, então a gente não consegue dar valor.

Rildo Bento - Essa questão que envolve valores é muito complicada. Mas num sentido mais geral, uma vez patrimonializado, aquele edifício, aquele prédio, o que fazer com ele? Ele volta a ser clube, ou não é interesse? Já tem a parte que foi toda concretada. O que resta é o prédio, aquele prédio belíssimo lá do Jóquei. E o que fazer com ele? Nós temos prédios patrimonializados que foram restaurados e que não têm função social alguma naquela sociedade. O patrimônio também é uma fonte de geração de renda, ele tem que ser entendido assim. Nesse sentido, eu acho que tem que buscar a possibilidade, junto ao poder público e à sociedade civil, de alternativas para que ele se mantenha. Porque como a gente fala, patrimônio, não é que aquilo lá vai perder o seu uso, pelo contrário. Tem que se buscar alternativas para que ele se mantenha, para que ele possa gerar uma renda. Só para ilustrar, temos aqui no estado de Goiás vários terminais ferroviários, estações ferroviárias, que foram patrimonializadas, que foram tombadas, restauradas e que hoje, as cidades, que tanto lutaram para que aquilo fosse restaurado, estão deixando às moscas. Então, ocorre esse problema também.

Fonte: Ascom/UFG

Categorias: Mesa-redonda edição 93