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Universidade Federal de Goiás
Geraldo capa

A trajetória de uma vida dedicada ao ensino

Em 07/03/18 10:39.

Métodos inovadores e paixão pelo ensino fizeram do professor Geraldo Campos uma referência na história da educação goiana; ex-alunos, amigos e colegas relembram a convivência com o educador dentro e fora da sala de aula

Geraldo

Versanna Carvalho

O ano de 2018 começou com a perda de um dos expoentes do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da Universidade Federal de Goiás (Cepae/UFG), o professor Geraldo Faria Campos, aos 81 anos, no dia 12 de janeiro. Formado em Letras Neolatinas pela então Universidade Católica de Goiás, hoje Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), e especialista em Educação pela UFG, o educador ganhou notoriedade junto aos alunos, ao corpo docente e também à academia pela dedicação e métodos diferenciados que utilizava em sala de aula para despertar no aluno o prazer de escrever bem e buscar progredir sempre.

O empenho de Geraldo Campos, também conhecido como Alemão, rendeu a ele inúmeras homenagens durante a sua longa trajetória profissional, encerrada em 2002 aos 65 anos. Uma dessas homenagens foi o título inédito de Professor Emérito, concedido pela UFG a um docente do Cepae, no ano de 2013. "Quando assumi a diretoria do Cepae, as pessoas, sobretudo antigos ex-alunos, cobravam de mim uma homenagem ao professor Geraldo. Foi no meu mandato que eu fiz a indicação de Professor Emérito da UFG", recorda-se a ex-diretora e professora de Química aposentada do Cepae, Maria José Oliveira Almeida.

Agora, depois de sua morte, a mobilização continuou ocorrendo nas redes sociais e jornais. Quando a equipe de reportagem do Jornal UFG começou a apurar informações para uma reportagem sobre o educador, junto a antigos colegas de trabalho e ex-alunos, as pessoas contatadas se dispunham prontamente a falar sobre a trajetória do professor e também indicavam uma série de outras possíveis fontes para entrevistas.

Rede afetiva
Uma das integrantes dessa rede afetiva informal é a coordenadora de Jornalismo da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC), Rosana Borges, ex-aluna do professor Geraldo. "Ele foi meu professor na quinta ou sexta série e mantivemos contato vida afora. A minha dissertação de mestrado nos anos 2000 é dedicada a ele", destaca.

Rosana comenta que a lembrança do professor na dissertação é pautada pelo fato de ele ter influenciado toda uma geração na prática da leitura e da escrita. "Em sala de aula ele ultrapassava a barreira de aluno e professor e mantinha relação muito afetiva e dialógica, muito próxima com todos em um processo que hoje eu entendo ser o de humanização da própria sala de aula", acredita.

Quem também foi influenciado pelo professor Geraldo, formando-se em Letras e exercendo o ofício de professor por algum tempo na rede pública estadual, é o hoje secretário da Coordenação de Pós-Graduação do Instituto de Física da Universidade, Gustavo Henrique Pessoa Chaves. "Eu devo a ele a atividade mais prazerosa que tenho [a leitura]. Posso dizer que vim a gostar muito de literatura e de escrever porque lá na sexta série do primeiro grau ele me estimulou com essas atividades", ressalta.

No período no qual deu aulas, o servidor percebeu que havia uma discrepância "muito grande" no nível educacional dos alunos do ensino médio e tentou levar um pouco dos ensinamentos do mestre, que acreditava que valia mais uma grande evolução em um aluno com baixo desempenho, do que naquele que parecia saber mais, mas estava estacionado em uma zona de conforto. "A gramática normativa era um subsídio utilizado [pelo professor Geraldo] conforme o nível de conhecimento e necessidade do estudante", recorda-se Gustavo, que até hoje guarda um dos cadernos da oitava série, com anotações e comentários do educador ao final de cada texto produzido pelo aluno.

 

Teoria de grandes pensadores vivenciada em sala de aula

A influência do professor Geraldo se estendia também aos colegas de trabalho e aos estudantes da Faculdade de Letras da UFG. A primeira vez em que a professora aposentada do Cepae, Telma Maria dos Santos de Faria Mota, ouviu falar do professor Geraldo foi há mais de 30 anos quando cursava Letras. Interessada pelo método inovador e pouco comum adotado em sala de aula, a então estudante quis fazer estágio com ele. Não conseguiu, pois o educador já era muito procurado pelos docentes de Letras. Depois de alguma insistência, conseguiu participar como ouvinte e pode conhecer
como eram as suas aulas.

Telma disse que compreendeu como ele trabalha a língua portuguesa, mas também ética e cidadania. A charge era uma das ferramentas adotadas pelo professor. Além da interpretação de texto e da gramática, os alunos começavam a interpretar também o contexto social, econômico e político da época. "Ele não tinha mestrado, mas o Geraldo tinha toda a teoria interacionista de Bakhtin [o filósofo e pensador russo Mikhail Mikhailovich Bakhtin] e Vygotsky [o psicólogo russo Lev Semyonovich Vygotsky]. Ele não tinha a teoria, ele vivia a teoria na sala", ressalta. Anos depois, passou em um concurso para ser professora do Cepae, tornando-se posteriormente sua colega de trabalho e amiga.

A professora Telma Mota também vivenciou a experiência de mãe de um dos alunos do professor Geraldo. Ela conta que ele deu aulas para o seu filho, em uma época em que a criança gostava mais de revistas e jornais do que de literatura propriamente dita. "É aí que a metodologia do Geraldo entrava. Ele perguntava o que o aluno havia lido naquela semana e pedia para que escrevesse um pouco sobre o tema no caderno. E eu sabia que ele não fazia isso apenas com o meu e sim com todos os alunos, principalmente os que não queriam escrever", recorda-se.

A partir desse texto inicial, originado da leitura de uma notícia de jornal, revista, poesia ou de um livro, o professor Geraldo iniciava um diálogo com o aluno, sempre por escrito, no caderno. Ele questionava o porquê da escolha do artigo lido. Depois de receber uma resposta, ele voltava a perguntar o que o artigo havia despertado no estudante, procurava confirmar o sentido dado a uma determinada expressão utilizada. Ao final do diálogo havia duas ou três páginas escritas. "Então o Geraldo orientava o aluno a unir todas as informações de forma estruturada com introdução, desenvolvimento e conclusão e ainda dizia: 'você escreveu um texto'", conta. O aluno ficava surpreso, pois, até então, pensava estar apenas respondendo às perguntas do professor. "Ele era totalmente dialógico. É o que o Bakhtin fala, que a aprendizagem passa pelo dialogismo e pela imitação. O Geraldo fazia isso. Ele escrevia para o aluno imitar mais ou menos o que ele estava falando e depois o aluno se desvencilhava e escrevia sozinho", pontua a educadora para mostrar que o fundamento do Geraldo era leitura, escrita e interpretação de texto. "Ele ia de carteira em carteira e fazia correções gramaticais e ao final o aluno entregava um texto maravilhoso".

A professora de Geografia no Cepae e no Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa) da UFG, Rusvênia Luiza Batista Rodrigues da Silva, é de uma geração mais nova de docentes do Cepae e não trabalhou diretamente com o professor Geraldo. No entanto ela percebeu a influência do educador na área de Língua Portuguesa e em outros campos do conhecimento. De acordo com a geógrafa, no Cepae, os gêneros do discurso são norteadores do processo de leitura e escrita. "É como se o Geraldo tivesse criado um sistema de leitura e escrita em que o pronome, o verbo e o substantivo aparecem numa rede viva de significação. Aglutinar a gramática aos componentes da composição dos textos e das leituras parece ser um indicativo para se pensar a dimensão humana da linguagem e vetor linguístico do humano, posto na trama social, afetiva e política. Embora eu não seja desse campo, esse aspecto me tocou profundamente. É uma ideia muito forte", constata.

Depois disso, Rusvênia afirma que começou a pensar na importância dessa referência e fez algumas experiências na escola com base nessa inspiração. "Foi trabalhando com a professora Telma, uma amiga e também colega do Geraldo, que articulamos um trabalho interdisciplinar entre as áreas, sempre pensando no texto como expressão do pensamento. Tínhamos como desafio envolver as áreas do conhecimento, sempre de maneira heterodoxa, a Geografia, a História, a Matemática, a Educação Física, a Música e a Ciências, não importando a parceria que fosse possível. Fizemos coisas bonitas sob essa inspiração”, acredita.

Quando decidiu fazer uma pesquisa sobre a história do Cepae com base em documentos e nos diários de classe, a professora foi aconselha- da a dar prioridade às entrevistas com os educadores dos primeiros anos da escola, como o professor Geraldo.

 

Um professor com significado

O professor Geraldo Faria Campos concedeu sua última entrevista em 27 de outubro do ano passado, pouco mais de dois meses antes de sua morte em 12 de janeiro de 2018. A conversa foi longa e fluiu como um encontro entre amigos. Participaram do encontro, cujos trechos estão transcritos a seguir, as professoras Rusvênia Silva, Telma Mota e Lívia Mendes Reis e a estudante de Geografia do Iesa e bolsista Gabriella Lins.

Sobre o Aplicação/Cepae
Gostei muito de trabalhar lá. Criei um sistema de ensino de Língua Portuguesa que trabalhava a leitura e a escrita. Eles davam aula de Português, ensinando conceitos e regras do que é pronome, adjetivo, substantivo. O pronome, o substantivo, o adjetivo, o verbo são importantes desde que tenham significado [para o aluno]. Eu fui descobrindo que a minha maneira de dar aulas era diferente das aulas que eles davam. Porque eles pegavam os livros e iam da primeira à última página. Eu não usava livro. Os meninos tinham livro, mas a gente não usava. Eu ia trabalhando coisa na sala de aula, aí um menino me dava uma tarefa e descobria algo nela, o outro me dava uma tarefa e descobria coisas dela. Então eu trabalhava muito, mais muito mesmo. Mas comecei a criar umas aulas diferentes e aquilo chamou a atenção do pessoal. Fiz uma carreira de 30 anos no Colégio de Aplicação, e eu achei bom demais porque o colégio me ajudava e eu ajudava o colégio.

Saudade
É justamente da convivência. Com a convivência eu aprendia a descobrir o aluno, a descobrir o professor, a descobrir o colégio, a descobrir o que a gente estava fazendo. Então essa convivência pra mim é muito boa.

Relação com os alunos
Olha, eu não sei. Pelo que tenho hoje, eu acho que fui um professor que marcou alguma coisa no colégio, porque o encontro que eu tenho com ex-alunos é formidável. "Ah, seu Geraldo, eu não ligava muito para as aulas do senhor, mas o senhor trabalhava muito com a gente, o senhor se preocupava", eles lembram as figuras, "o senhor trazia aquele mundo de livro pra sala de aula". E era isso mesmo, às vezes eu tinha tanto livro que eu ia arrastando os livros pelo chão.

Sobre Bakhtin, Vygotsky e Paulo Freire
Não [no início a metodologia não era intencionalmente baseada nesses teóricos], mas era porque eu não sabia. Eu pensava a aula e a escola e muita coisa coincidia com eles. Acho que eles me copiaram (risos).

Fonte: Ascom/UFG

Categorias: Educação edição 93