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Universidade Federal de Goiás
Dor Pélvica Crônica

Quando a dor não passa

Em 31/01/19 11:23. Atualizada em 04/10/19 18:40.

Pesquisa da UFG avaliou impactos da Dor Pélvica Crônica em 200 mulheres goianas

Caroline Pires

E se você tivesse uma dor, que não passasse com remédio. E se essa dor fosse tão forte e persistente, que atrapalhasse sua qualidade de vida, o sexo e o relacionamento com as pessoas. E se após anos de procura, de consultório em consultório, os médicos não fechassem um diagnóstico. É exatamente essa a realidade de 15% das mulheres em idade reprodutiva no mundo e das pacientes que chegam frequentemente ao Ambulatório de Dor Pélvica Crônica (DPC) do Hospital das Clínicas da UFG (HC-UFG/EBSERH). A convivência de 13 anos com essas mulheres incentivou a enfermeira do HC/UFG, Rosa Luz, a pesquisar a qualidade de vida e a função sexual de 200 mulheres atendidas no ambulatório, metade delas com DPC.

Realizada pelo Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde, sob orientação dos professores Délio Conde e José Miguel de Deus, o estudo utilizou questionários e métodos de pesquisa adotados internacionalmente. Os resultados inéditos servirão de subsídio para avaliar como as mulheres goianas convivem com a dor.  Os dados mostram que, em média, elas possuem 38 anos e apresentam sete anos de dor contínua ou intermitente. Quando questionadas sobre a intensidade da dor, sendo 0 correspondendo a nenhuma dor e 10 como a pior dor já sentida na vida, as mulheres apontavam o score de 8.

Entre as acometidas da doença, 66% sofrem de ansiedade, 63% de depressão e 81% apresentam disfunção sexual. No que se refere à qualidade de vida, a pesquisa apontou ainda que possuir menor renda e ter doenças associadas à DPC também causa impacto negativo no cotidiano dessas mulheres. “A pesquisa aponta que a qualidade de vida das pacientes está comprometida”, afirmou a pesquisadora Rosa Luz.

Délio Conde explica que grande parte das pacientes já chegam ao ambulatório do HC/UFG tendo, além da dor, quadro de ansiedade e depressão. “O problema é complexo e nem sempre se chega a um diagnóstico de endometriose, aderências ou alterações urinárias e intestinais que justifiquem uma dor com tamanha intensidade”, explica o médico. Além do tratamento clínico, a equipe ainda desenvolve um trabalho com as pacientes, oferecendo para as mulheres outras vias de tratamento, como a constelação familiar e rodas de conversa.

Dor Pélvica Crônica

O professor lembra que até anos atrás era comum submeter as mulheres que chegavam aos hospitais, com esse tipo de dor, às cirurgias laparoscópicas, mas os riscos e os resultados nem sempre justificavam o procedimento. Segundo ele, muitas delas ainda hoje carregam essa mentalidade e acreditam que a cirurgia poderá resolver a DPC. “Eu percebo que, com o tempo, as pacientes passam a ter maior consciência de que a cirurgia, em praticamente todos os casos, não resolve a doença. Em nossa última roda de conversa tivemos um relato de uma mulher contando a sua frustração após sete cirurgias, que não resolveram a sua dor”, exemplificou Rosa Luz. Atualmente em Goiás, apenas o HC/UFG/EBSERH e o Hospital Geral de Goiânia (HGG) realizam atendimento a mulheres com DPC pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Além do intervencionismo

Dados os múltiplos fatores que interferem na doença, que passa pelo domínio não só físico mas também mental e psicossocial, José Miguel de Deus destaca a importância de se esclarecer os fatores que estão implicados no tratamento da doença. “Muitas vezes pode haver um componente que está interferindo na qualidade de vida da pessoa e que não é facilmente identificado. Por isso a importância de desvendar esses fatores para auxiliar, de forma interdisciplinar, que essas mulheres vivam melhor”, destacou. Délio Conde complementa que pode ser incluído no tratamento abordagens não medicamentosas. “Trabalhar ansiedade, depressão e disfunção sexual podem contribuir efetivamente para a qualidade de vida dessas mulheres”.

A pesquisa aponta ainda a depressão como um fator importante para a piora da qualidade de vida social e sexual das mulheres com DPC. Os pesquisadores destacam que a depressão pode ser tratada com medicamento, mas não só isso, a psicoterapia tem papel fundamental. “Temos aplicado nas pacientes a Escala de Ansiedade e Depressão Hospitalar. Aquelas enquadradas na categoria de depressão e ansiedade moderada a alta já são orientadas a iniciar a medicação e psicoterapia”, explicou José Miguel de Deus.

De acordo com os pesquisadores, um outro fator que parece interferir no impacto dos diagnósticos e do tratamento para a doença é a forma como a paciente olha e entende a sua dor. “A adoção de uma postura passiva diante da dor e crenças do tipo ‘eu mereço sofrer’ ou ‘bem aventurado os sofredores’ ou ‘a cura está nas mãos do médicos’ parecem interferir nos resultados do tratamento. Nas rodas de conversa nós iremos chamar para essa discussão também”, afirmou José Miguel de Deus.

Maria Rosineide Nascimento tem 36 anos, mora em Águas Lindas de Goiás e é acompanhada pela equipe do ambulatório há mais de um ano. Após o diagnóstico de endometriose, ela foi submetida a uma cirurgia, mas a dor ainda não cessou. Já Maria das Graças Avelar, de 68 anos, possui uma longa trajetória com idas e vindas ao ambulatório por conta da Dor Pélvica Crônica. Ela conta que realizou 8 cirurgias exploratórias para descobrir o que causa a dor, todas sem nenhuma identificação de causa específica, o que é comum nas pacientes com DPC. “Eu tenho essa dor desde mocinha, sempre sem nenhuma causa. Seja essa dor fruto da minha mente ou não, estou me convencendo aos pouquinhos de que vou ter que aprender a conviver com ela”, afirmou a paciente. “Uma coisa boa disso tudo é o doutor José Miguel, que é um anjo nos dando a mão e ajudando a passar por tudo isso da melhor forma que é possível passar”, completou Maria Rosineide.

Impacto acadêmico

Ambulatório Dor Pélvica CrônicaPesquisadores comemoram o alcance internacional da pesquisa (Foto: Pedro Gabriel)

A equipe de pesquisadores que trabalham com a DPC na UFG ficou  muito satisfeita com o impacto conquistado pelos dois artigos, que compuseram a tese de Rosa Luz, na Journal of Pain Research, revista reconhecida internacionalmente nos assuntos relacionados a dor. Desde a publicação, o artigo já alcançou mais de 5 mil visualizações por pesquisadores de todo o mundo.  “Ficamos muito felizes de poder mostrar a realidade das mulheres brasileiras e especialmente das goianas, apresentando as características e particularidades de quem passa pelo nosso ambulatório de Dor Pélvica Crônica”, comemorou Délio Conde, que adiantou que um outro artigo sobre o tema, com avaliação específica de ansiedade e depressão dessas pacientes, também está em fase de análise para publicação.

Além da UFG, a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo também é referência nos estudos relacionados à DPC. Os professores destacam que a intenção é estreitar os laços com outras instituições de pesquisa brasileiras que trabalham com o tema para que se possa construir um banco de dados robusto sobre a doença no Brasil.

Atendimento acolhedor

O Ambulatório de Dor Pélvica do HC/UFG funciona todas às sextas-feiras das 7h30 às 12h e recebe mulheres encaminhadas pelas unidades básicas do Sistema Único de Saúde (SUS). Além desse atendimento semanal, as pacientes atendidas pela equipe do HC, ainda são convidadas a participarem de constelação familiar e  rodas de conversa, onde podem discutir temas específicos do dia-a-dia da doença. A linha de trabalho do ambulatório oferece o acesso das mulheres a um tratamento que ofereça resistência, resiliência e empoderamento para que elas se tornem protagonistas no enfrentamento da Dor Pélvica Crônica (DPC).

Dor Pélvica Crônica

Categorias: Saúde Saúde da Mulher