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Universidade Federal de Goiás
Geisa Cunha Franco

PANORAMA

Em 31/01/19 14:49. Atualizada em 03/02/19 17:47.

Davos, interdependência e corrupção internacional

Geisa Cunha Franco*

Nas mesas do Fórum Econômico Mundial, reunido em janeiro deste ano em Davos, discutiu-se bastante a situação da economia mundial, perspectivas de crise e políticas para o desenvolvimento, como era de se esperar. No entanto, outros temas, não habituais nesse evento, tiveram relevância inédita e se conectam especialmente ao Brasil: é o caso da corrupção.

Ausente por longo tempo da agenda internacional, as práticas corruptas nas empresas e governos, que chegaram a ser encaradas como assunto estritamente doméstico, como um “mal menor” ou como um “pedágio” necessário ao crescimento econômico, deixaram de ser tabu nas relações entre os Estados e Organizações Internacionais e assumiram maior importância, na medida em que se perceberam seus efeitos destrutivos sobre as sociedades (enfraquecimento da democracia e da legitimidade dos governos, descrença no Estado de direito, distorção dos mercados), bem como sua conexão com outros temas já consagrados em tais instituições (desenvolvimento humano, segurança, tráfico de drogas e de armas e terrorismo).

Práticas corruptas podem ser encontradas em todos os países, capitalistas ou socialistas, desenvolvidos ou em desenvolvimento, mas é nos últimos que os efeitos são mais danosos e que o campo é mais fértil para a proliferação. A difusão de tais percepções resultou no engajamento de atores relevantes do sistema internacional na luta contra esse fenômeno, tais como Estados, OIGs, ONGs e Empresas Transnacionais, além de uma difusa opinião pública mundial.

Inicialmente, os Estados Unidos da América, por razões internas ligadas ao escândalo Watergate e a consequente necessidade de melhorar a imagem perante a opinião pública nacional e internacional, se empenharam na tarefa, com a criação da Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), em 1977. Esta lei, que posteriormente se tornou uma organização, limitou a possibilidade de empresas multinacionais norte-americanas se beneficiarem da corrupção em países onde atuavam. Mas as empresas europeias, por exemplo, não sofriam tais restrições e, inclusive, podiam registrar em suas contabilidades os subornos praticados em território estrangeiro. Sentindo-se prejudicadas na competição por mercados, empresas norte-americanas pressionaram o governo e organizações internacionais para que tais regras se estendessem a empresas transnacionais de outros países. Mas isso levou algum tempo.

Cerca de duas décadas depois da FCPA, instituições não governamentais, como a Transparência Internacional (criada em 1993), e governamentais, como a OCDE, a ONU e a OEA, foram se juntando aos esforços. Além disso, um segundo engajamento dos EUA se deu após os atentados de 2001, pois a pressão para secar as fontes financeiras dos terroristas ("follow the money") resultou no combate vigoroso à lavagem de dinheiro, atividade intrinsecamente ligada à corrupção.

A interdependência entre Estados, sociedades e mercados e a revolução nas comunicações criaram um cenário propício para que a percepção dos problemas mundiais, tais como a corrupção, se expandisse e facilitasse a mobilização da sociedade civil, em âmbito nacional e global. Tais mobilizações, que tanto fortaleceram como foram fortalecidas pelas ONGs, pressionaram os governos a uma prestação de contas mais efetiva, de forma a fornecer os bens públicos esperados.

Assim, várias conferências foram realizadas para discutir o tema e buscar soluções, das quais resultou uma teia de convenções que comprometeram paulatinamente os Estados e instituições na luta contra a corrupção, configurando um regime internacional. O Brasil é signatário da maioria dos tratados (da OCDE, da OEA e da ONU, por exemplo) e participa ativamente desse esforço desde a segunda metade da década de 1990, embora esta afirmação soe contraditória com a percepção da sociedade, visto que nos últimos rankings da Transparência Internacional o País venha declinando substancialmente: caiu da posição 79ª, em 2016, para 96ª, em 2017, e atingiu a humilhante 105ª colocação em 2018, como se divulgou há poucos dias. A aparente contradição resulta da maior visibilidade que este assunto adquiriu em razão da democratização e da exposição dos crimes e punições nos meios de comunicação.

A cooperação internacional (jurídica e policial, dentre outras) avançou enormemente. Evoluiu-se bastante na compreensão do problema e nas políticas públicas de enfrentamento, mas ainda resta um longo e interminável caminho. Ficou claro que o conjunto de tratados e leis, por mais minuciosos e bem elaborados, foi imprescindível, mas não suficiente. É necessário o envolvimento ativo da sociedade, das ONGs, das organizações internacionais, dos governos (em todos os seus poderes e instâncias) e dos meios de comunicação em uma relação constante de mobilização, cobranças recíprocas, trocas e cooperação, de forma a reforçar um processo de accountability permanente.

* Geisa Cunha Franco é professora do curso de Relações Internacionais da UFG.

Fonte: Secom/UFG

Categorias: colunistas