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Universidade Federal de Goiás
Angélica Panorama

PANORAMA

Em 18/02/19 09:58. Atualizada em 18/02/19 12:25.

Brexit: e agora?

Angélica Szucko*

Em 29 de março de 2017, o Reino Unido entregou a carta oficial solicitando sua saída da União Europeia. A partir de então, iniciou-se o prazo de dois anos, estabelecido pelo artigo 50 do Tratado de Lisboa, para a negociação dos termos da retirada antes que os efeitos da legislação comunitária sejam suspensos. No entanto, há menos de 50 dias para o término do prazo, o impasse em relação ao acordo final de retirada e ao futuro do relacionamento entre ambos persiste.

As negociações começaram formalmente apenas em junho de 2017, e coube principalmente à primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, a difícil tarefa de tentar conciliar os mais diversos interesses britânicos com os anseios europeus. Finalmente, em 25 de novembro de 2018, após meses e meses de conturbadas discussões, a União Europeia e os representantes do governo britânico chegaram a um entendimento sobre o texto final do acordo de retirada e da declaração política sobre o futuro do relacionamento. Desde então, Theresa May vem enfrentando enormes dificuldades dentro de seu país e, especialmente, de seu próprio partido para aprovar o acordo negociado. O texto final garante os direitos dos cidadãos europeus no Reino Unido e britânicos na União Europeia, define o valor da multa a ser paga pelo governo britânico pelo divórcio e estipula o período de transição até 31 de dezembro de 2020, quando o Reino Unido estará sujeito à legislação comunitária, mas não terá mais direito de voto.

Após prorrogar a votação anteriormente prevista para dezembro com o intuito de convencer os parlamentares britânicos a apoiarem o acordo negociado, May sofreu uma derrota histórica em 15 de janeiro deste ano. Por 432 votos contrários e 202 favoráveis, o Parlamento Britânico rejeitou o acordo. No mesmo dia, o líder da oposição, o trabalhista Jeremy Corbyn, protocolou uma moção de desconfiança, ou seja, uma solicitação de votação contra o mandato de Theresa May. Apesar do resultado desfavorável em relação ao acordo, a primeira-ministra manteve-se como chefe de governo, por 325 a 306 votos.

Desta forma, May teria a chance de renegociar o texto e apresentá-lo novamente ao Parlamento Britânico. O maior entrave para aprovação consiste na questão fronteiriça na ilha irlandesa. Com a saída do Reino Unido da União Europeia, haveria a necessidade de aplicação de controles aduaneiros na região, o que poderia renovar as tensões entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte. O acordo negociado prevê a criação de um backstop, isto é, uma medida de salvaguarda para evitar a criação de uma barreira física na fronteira norte-irlandesa caso nenhum acordo seja alcançado até o final do período de transição acordado para 31 de dezembro de 2020. Enquanto o Reino Unido entende que o backstop dividiria o país ao deslocar os controles aduaneiros somente para entrada na ilha da Grã-Bretanha, os europeus argumentam acreditar que não haverá necessidade de realmente aplicar essa medida.

A primeira-ministra britânica dispôs-se a rever alguns termos do acordo de retirada, mas a União Europeia permanece inflexível quanto a qualquer modificação no texto. Diante dessa recusa, May tem buscado obter compromissos dos europeus por meio de trocas de correspondências e de declarações políticas sobre o teor do acordo negociado enfatizando a necessidade de maiores garantias em relação à questão norte-irlandesa para que o texto seja aprovado pelos parlamentares. Sendo assim, com o objetivo de angariar um apoio consistente do Parlamento Britânico, May propôs uma nova votação sobre sua estratégia de renegociação. Novamente, em 14 de fevereiro, May foi derrotada por 303 a 258 votos, ampliando ainda mais o impasse que permanece sem solução.

Por um lado, ao mesmo tempo em que os parlamentares mantêm a primeira-ministra no cargo, não endossam a sua estratégia e temem a possibilidade de uma saída sem acordo. Por outro lado, apesar das demais opções disponíveis para o governo britânico, como a convocação de um segundo referendo, a realização de eleições gerais ou ainda a revogação do pedido de saída, Theresa May parece irredutível quanto à tentativa de buscar a aprovação do acordo negociado com a União Europeia. Na prática, o plano B da primeira-ministra tem sido insistir no plano A. Segundo May, é preciso respeitar a vontade popular democrática expressa pelo referendo de 23 de junho de 2016, dando sequência ao processo de retirada do país do bloco comunitário. No entanto, quanto mais o tempo passa, mais próxima é a possibilidade de se chegar ao dia 29 de março de 2019 sem qualquer acordo, o que simbolizaria um rompimento brusco no relacionamento entre o Reino Unido e a União Europeia, algo que nenhum dos lados almeja.

Em função do tempo exíguo, as opções de realizar um segundo referendo ou eleições gerais demandam a solicitação de uma extensão de prazo para além de 29 de março, o que precisaria ser aprovado por todos os demais Estados-membros da União Europeia. No que tange à opção de revogação do artigo 50, a própria Corte Europeia de Justiça já deliberou sobre o caso, afirmando que o Reino Unido pode realizá-la unilateralmente. Todavia, Theresa May parece manter sua estratégia “brinkmanship”, ou seja, tentar obter um resultado vantajoso ao forçar uma situação inerentemente perigosa até a iminência de um desastre. Ao prorrogar sua decisão até o limite do prazo, May pretende pressionar os parlamentares britânicos para a escolha entre o acordo negociado com a União Europeia ou uma trágica saída sem acordo.

* Professora substituta na UFG (2017-2018), pesquisadora associada do Núcleo de Estudos Globais (NEG/UFG), doutoranda em Relações Internacionais na Universidade de Brasília (UnB).

Categorias: colunistas