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Universidade Federal de Goiás
Brumadinho

Prejuízos sociais e ambientais das tragédias serão sentidos por vários anos

Em 19/03/19 12:50. Atualizada em 21/03/19 14:02.

Tema foi abordado por especialistas na aula inaugural do Instituto de Ciências Biológicas da UFG

Texto: Luiz Felipe Fernandes

Fotos: Pedro Gabriel

Capa: Felipe Werneck/Ibama

Grandes tragédias deveriam servir de lição para evitar que erros e omissões voltassem a se repetir. Não foi o que aconteceu após o rompimento da barragem de Fundão, na cidade mineira de Mariana, em novembro de 2015. Pouco mais de três anos depois, no último mês de janeiro, outra barragem de rejeitos de mineração, localizada em Brumadinho, também em Minas Gerais, se rompeu, deixando 203 mortos e 105 desaparecidos.

Os dois casos são tratados como crime por especialistas. De acordo com a advogada Luciane Martins de Araújo, professora da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), os rompimentos foram consequência da ausência de controle e monitoramento, da pressão por laudos e licenciamentos e da negligência em relação aos alertas sobre os riscos. Isso sem contar detalhes sórdidos e ainda mais revoltantes, como um documento da mineradora Vale com o cálculo do custo das mortes em caso de rompimento.

Luciane Martins

Luciane estuda o impacto social das tragédias, que resultaram em milhares de pessoas deslocadas e desamparadas. Durante sua participação na aula inaugural do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Goiás (ICB/UFG), nesta segunda-feira (18/3), a professora abordou os aspectos legais dos dois casos. Em relação a Mariana, não houve avanços em nenhuma esfera jurídica - penal, civil e administrativa.

“As ações penais já foram suspensas três vezes e ninguém foi preso”, informou. Além disso, os advogados da mineradora Samarco utilizam manobras jurídicas que levam as ações a prescrever. No aspecto civil, foi criada a Fundação Renova, que também busca subterfúgios para não pagar indenizações. Por fim, na esfera administrativa, pouco se avançou. Atualmente existem 36 fiscais para 790 barragens. Além disso, a lucrativa atividade de mineração representa um poderoso lobby sobre o poder público e o meio político.

“Brumadinho veio como consequência nefasta do completo descaso, tanto do governo quanto da empresa, e por que não de nós, que também estamos submersos nessa lama”, afirmou Luciane. Para a professora, a sociedade tem um importante papel no sentido de pressionar as autoridades, para que casos como o de Mariana e de Brumadinho não caiam no esquecimento.

Prejuízos ambientais

As 80 milhões de toneladas de rejeitos da barragem de Fundão atingiram em cheio o Rio Doce, levando degradação a uma área de 80 quilômetros quadrados e provocando a morte de 9 milhões de toneladas de peixes. Além dos 19 mortos, estima-se que 3,2 milhões de habitantes da região tenham sido afetados. A lama tóxica também chegou a Abrolhos, uma importante unidade de conservação da vida marinha.

As centenas de mortes ocasionadas pelo rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão transformou a tragédia de Brumadinho no maior acidente de trabalho do Brasil. Os rejeitos atingiram o Rio Paraopebas. “Se a lama chegar ao Rio São Francisco, será uma tragédia ainda maior, já que é um rio de integração nacional, de extrema importância para toda uma região”, alertou Luciane.

Geraldo Wilson

O professor Geraldo Wilson Fernandes, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que também participou da aula inaugural, explicou que a mineração e o garimpo, praticado há mais de 300 anos, têm deixado cicatrizes ambientais e sociais no Cerrado brasileiro. “A mineração irresponsável e as políticas, agências fiscalizadoras e profissionais corruptos formam a base da desgraça no setor de mineração no país”.

Um dos problemas é a recuperação inadequada das montanhas de materiais estéreis resultantes da atividade mineradora. Segundo o professor, as empresas, para demonstrar que estão recuperando as áreas degradadas, cobrem essas montanhas com espécies vegetais exóticas, sem valor ecológico e que acabam com a biodiversidade típica do Cerrado. “Só estão pintando de verde”, considerou.

Um projeto da UFMG busca monitorar e restaurar a biodiversidade desses locais deteriorados. O Projeto Biochronos envolve desde o conhecimento do solo das áreas afetadas até o sensoriamento remoto e o desenvolvimento de novas tecnologias. “É preciso conhecer as espécies, qual delas é capaz de responder positivamente a esse ambiente alterado, que espécies trazem de volta processos importantes para a integração do ambiente”.

Para Geraldo, embora a sustentabilidade no setor de mineração esteja distante, é possível falar em eficiência. “Precisamos restaurar, tentar melhorar a situação, com ciência, com conhecimento, sem achismo”, concluiu.

Espécies ameaçadas

Os rompimentos das barragens em Minas Gerais destruíram grande parte da vegetação e morte de diversas espécies de animais, além de alterar a composição e a fertilidade do solo. No Rio Doce foram encontrados altos níveis de metais pesados tóxicos, como arsênio, chumbo, cromo, zinco, bário, manganês e alumínio. Esses dois últimos elementos, além do ferro, também estão presentes nas águas do Rio Paraopebas.

Daniela de Melo

Segundo a professora Daniela de Melo e Silva, da Universidade Federal de Goiás (UFG), as consequências para a saúde envolvem processos alérgicos, doenças mentais (depressão e ansiedade), crises hipertensivas, doenças cardiovasculares e respiratórias, agravamento de doenças renais, diarreias, acidentes domésticos e surtos de doenças infecciosas. Também aumenta a transmissão de esquistossomose e pode haver surtos de febre amarela, zika, dengue e chikungunya.

Mas muito ainda está por vir com a lama tóxica espalhada pela região. Uma pesquisa da UFG pretende verificar se as águas do Rio São Francisco, após o rompimento da barragem em Brumadinho, podem levar a danos genotóxicos e mutagênicos em filhotes de anfíbios. De acordo com a professora, mutações e lesões no DNA desses animais pode significar um impacto a longo prazo na sobrevivência das espécies.

Categorias: Ciências Naturais