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Universidade Federal de Goiás

Anexo III - Entrevista com professor Itami Campos

Em 29/03/19 09:44. Atualizada em 24/07/20 14:14.

Entrevista concedida a jornalista Carolina Melo em fevereiro de 2019

Quando o senhor entrou na UFG?

 

Tenho duas entradas. Eu entrei como aluno em primeiro de março de 1964, na primeira turma de Ciência Sociais. Eu fui aluno de 1964 a 1967, aliás, no ano de 2017 fizemos 50 anos de formados e houve inclusive uma solenidade organizada pela Faculdade de Ciências Sociais, que teve o professor Orlando, que era reitor, o professor Edward, que já iria assumir, os alunos, uma turma pequena, conseguimos juntar quase a turma inteira. Éramos 13 conseguimos juntar 11. Dois já tinha ido. Então tem esse período que tem uma série de características. Inclusive eu tenho um texto: Os alunos constroem o curso, que depois eu lhe passo, para você ter uma ideia…

 

Então a primeira turma de Ciências Sociais se formou muito pouco antes do golpe, 31 de março.

 

Quando curso foi criado em 1963 e o primeiro vestibular foi em 1964. Fevereiro de 1964. Primeiro de março a turma se formou. E aí no dia 31 de março, era uma turma grande, quase quarenta pessoas, aí com o golpe, a turma se esvaziou pelas militâncias políticas, pelos envolvimentos políticos. Era uma turma grande, uma sala cheia, em março de 1964. Aí primeiro de abril já esvaziou, já ficamos um grupo pequeno. E depois como Instituto Histórico Geográfico, que aí quando eles interviram e fecharam o Instituto Histórico, aí alguns alunos vieram para Ciências Sociais. Então tem que pegar…

 

O senhor sabe me dizer como ocorreu esse esvaziamento, se foi uma autodecisão ou se foi uma decisão institucional?

 

Não, nesse primeiro momento, foi assim, vieram muitos alunos ligados à Polop ligados à PCs, ligados, vamos dizer assim, a grupos políticos, militantes no sentido, depois que vai vir os militantes armados. Mas havia muita gente que tinha vínculos políticos e com o golpe preferiram abandonar o curso, alguns fugiram, saíram, ou mudaram de curso. Tem uns que foram fazer Direito. Tem o desembargador, o Jamil, que era um colega nosso…

 

Jamil Macêdo?

É… Ele foi colega de primeiro ano de Ciências Sociais, depois ele foi fazer Direito… Por que o Jamil mudou? Eu não sei… Mas foi uma avaliação que muitos fizeram porque o curso passou a ser considerado subversivo.

 

Já de cara? Em sua criação ele passou a ser considerado subversivo?

 

Com a repressão que veio em 1964, toda essa questão da literatura, vamos dizer assim, bom… Na verdade, você não era, vamos dizer assim, não podia ser caracterizado como subversivo. O curso inclusive era bem incipiente, nós estávamos com muitos problemas internos do curso, nós tivemos muitos problemas.

 

Quais?

De professor… O curso foi criado, pensando, trouxeram uma estrutura do Ceará, sem a menor trajetória aqui do curso. É por isso que eu tenho esse texto, Os alunos constroem o curso, porque quando nós percebemos isso, a gente começou, por exemplo, eu fui representante de turma praticamente os quatro anos. Eu fui representante dos alunos, então aí, por causa da estrutura do curso, a gente começou a notar, por exemplo, era um professor de Direito que dava aula pra gente, eram boas pessoas, mas quando você pensa profissionalmente, tecnicamente, era alguém que não era da área, estava dando aula de Ciência Política, mas não tinha feito um curso de Ciência Política. Estava dando aula de Sociologia, nunca tinha estudado Sociologia, faltava aquela vivência do curso, não tinha ninguém, quer dizer, já, já, quando a gente estava no quarto ano é que começam a chegar alguns professores ou que tivessem Serviço Social, que é o caso da Josete, ou a Maria Luiza Santeno, que tinha feito Ciências Sociais.

 

Como era ser representante de turma em 1964?

 

Na relação com o departamento, quer dizer, na relação com os professores, era uma relação respeitosa, vamos dizer assim, participávamos de reuniões. Agora no contexto de Universidade, havia uma repressão política, havia um controle político e boa parte do grupo, eu inclusive, fomos processados, fomos chamados para depor, por causa de assembleias de estudantes, por causa da movimentação de alunos. Então você tem passeatas, muita movimentação, porque você vem, veja bem, a Universidade foi criada no contexto do populismo, de um movimento político, tanto que a Universidade, isso aí tem em alguns textos eu coloco, então, quer dizer, a Universidade tinha um jornal praticamente de esquerda, o 4º Poder, tinha.. Vamos dizer assim, uma liderança na comunicação que era, que tinha uma movimentação política, nós tivemos alguns que foram cassados, aposentados na área. Depois na década de 1980 eles vão ser…. Como é que é o nome dele? Acho que ele faleceu já, era jornalista. Então você tem uma série de repressões em cima da Universidade.

 

Você tem, que o governo Mauro Borges que era um governo dito de esquerda, né, 1961,62, 63, 64, e você tinha todo um movimento político brasileiro que de certo modo estava todo mundo engajado. Você tinha então a Ação Popular , a Igreja Católica com uma série de Juc, Jec, que eram um … muita gente ligada a JUC, juventude universitária católica, e jec , juventude estudantil católica. Depois vai ter, esse grupo vai caminhar para AP (Ação Popular) e depois de 68 esse grupo vai pra… vai se tornar marxista, vai ser APML Ação popular marxista e leninista. Então você tem muito movimento aí.

 

Então antes do golpe, existia essa efervescência política.

 

O primeiro mês de aula, por exemplo, foi de muita agitação política.  O padre Pereira dava aula de Ciência Política, e ele era um dos líderes, assim, do… de uma mudança, ele era padre, né, de mudança. Por exemplo, ele foi vigário da vila operária e ali era um núcleo de… de comunistas, progressistas, liberais.

 

Dizem que nesse antecedente ao golpe, a Igreja Católica apoiou os militares.

 

SIm. A Igreja, você vê, você tem a Igreja e a Igreja. Grupos da Igreja que fizeram a Marcha dos 100 mil… Havia um perigo, quer dizer, havia uma questão da comunização do País. O arcebispo Dom Fernando apoiou, mas depois Dom Fernando foi um dos líderes na conversa, porque, como ele tinha muita autoridade moral, ele foi um dos líderes da… vamos dizer assim, contrários, não é contrário, mas de intervenção, e aí ele terminou sendo marcado como alguém contra o regime. Mas exatamente pelas injustiças que houve, pelas punições que houve… Por exemplo, ele pegou o Padre Pereira e mandou ele fazer mestrado na França.

 

Logo depois do golpe?

É. Padre Pereira ficou dois anos, ou três anos na França fazendo mestrado.

 

Depois de março de 64?

Eu não sei bem a data que ele foi.

 

Mas ele foi porque ele tinha essa vinculação mais de esquerda?

 

Por exemplo, a gente trabalhou junto. Eu trabalhei junto com Pereira em 68, nós trabalhamos junto na regional Centro-Oeste, e, por exemplo, ele já tinha vindo, por exemplo em 67. Em 68 ele foi coordenador do Regional Centro-Oeste, Pedro Wilson e eu trabalhamos com ele.

 

Mas eu acabei lhe interrompendo quando o senhor estava falando desse primeiro mês de Ciências Sociais.

Poisé,  era de muita agitação, porque você vinha de um quadro de muita movimentação e agitação política, você tinha essa questão das reformas de base. Então eu tenho um texto aqui, depois você vê, onde mais ou menos essa coisa é colocada. A universidade federal ela foi criada nesse ambiente de populismo, de mudança, de reforma universitária. Tanto por exemplo que o Centro de Estudos Brasileiros era um núcleo, não sei se o pessoal já disse isso pra você, de mudança, de uma visão diferente de Goiás, fazia uma leitura diferente de Brasil e de Goiás. E aí todo mundo foi considerado subversivo, comunista, o Bernardo Élis, Amália Hermano, todo esse pessoal foi considerado subversivo e foram aposentados. .

 

O senhor teve vinculação ao CEB como estudante?

 

Não, a gente conhecia. Então você tem um clima de agitação que fazia parte da militância, da estrutura estudantil. Veja bem, hoje mesmo eu estava pensando isso, porque hoje faz 60 anos que eu cheguei em Goiânia, hoje 22 de fevereiro. Daí você tem no dia 5 de março de 1959, uma greve muito grande, pra imprensa, pra você ver, o Cinco de Março, vai ser criado a partir desta data. Eu era do primeiro ano científico do Ateneu. Veja bem, 59, 60, 61… são anos de muita movimentação política no Brasil e em Goiás. Goiás o governo Mauro Borges que assume em 1961, assume numa visão de mudança, aí entra a questão camponesa e uma série de questões que se vinculam, que aí vem 64 e….



E como foi esse corte? Como o senhor enquanto estudante da UFG percebeu essa mudança drástica, especialmente no espaço universitário, na UFG.

 

Veja bem, você tem duas coisas. O processo de resistência que se manifesta após o Golpe, e uma intensificação de movimentação, de agitações, de passeatas, de greves, greve menos, mas de movimentação, de assembleias discutindo as coisas, porque também, veja bem, a universidade era nova, de 62, então a universidade tinha dois anos, três anos, nós, nós não tínhamos espaço definido. O curso foi criado e funcionou na rua 15 com a rua 20, num predinho que tem lá, depois funcionou no prédio, numa sala da Faculdade de Direito, que era logo lá, depois funcionou. Não. No primeiro ano funcionou lá na Faculdade de Engenharia, lá no setor universitário, e não tinha comunicação, a Praça Universitária não existia. Para ir você tinha que passar pela rua 21, por aquela passagem… não existia ponte até ao Universitário. Você tinha que ir pela rua 21. O acesso à Vila Nova de carro, era lá mesmo pela Paranaíba. Descia a Paranaíba toda vida e voltava por lá. Então ali não tinha aquelas pontes do setor Universitário não existia, então você tinha que ir a pé. Os ônibus paravam na 3, naquela praça do Botafogo ali embaixo e aí você ia a pé pelo setor Universitário. Então, assim, era muita dificuldade. Você convivia com o pessoal de Engenharia que hostilizava as colegas que estavam lá da Pedagogia, Ciências Sociais, alguns cursos, praticamente das primeiras turmas, e eles hostilizavam, brincadeiras de mau gosto, mas hostilizavam: as meninas da filó, assim, um pouco de machismo, hostilização, um negócio meio piadinha de mau gosto, mas de qualquer forma … E aí, havia uma pressão… nós tivemos no primeiro ano, quer dizer, que faz parte assim do quadro de dificuldades, nós tivemos quatro professores. A gente ia pra ter aula de Antropologia depois não tinha mais nenhuma outra aula porque outro professor de Economia Política, ele teve problema com a reitoria, brigou com o reitor e não aceitou… que ele era professor de Direito, dava aula na Ciências Sociais também, e aí resolveu, ficou uns meses sem dar aula. O padre Pereira caiu de moto, quebrou o braço, ficou sem dar aula. O professor de Sociologia, que era o professor de Direito, morreu.

 

Isso tudo no primeiro ano?

No primeiro semestre. E aí a gente ficava boa parte do tempo, que a gente chegava sete horas da manhã, tinha aula com Neiva, professor, e não tinha mais aula. Aí o que que a gene fez, aí você com essas dificuldades, você começava a articular. Começamos a fazer grupos de estudo e trabalhr juntos para ter continuidade. Depois nós criamos uma Associação, o Centro de Estudos Sociais e Políticos, acho que em 1966 e 1965. E… por aí…

 

O que era o Centro?

Era um grupo, o curso de Ciências Sociais criou… por exemplo, você tinha o DA, Diretório Acadêmico, que era da Faculdade de Filosofia toda, você tinha o DA e DCE que eram muito ativos. E nós criamos esse Centro de Estudo, quer dizer, já era, já tinha a segunda turma do curso, foi no mínimo no segundo semestre de 1965, e aí a gente criou pra reforçar essa características de Ciências Sociais e Sociologia nas disciplinas, aí o que a gente começou a fazer..

 

Para situar o espaço da área de conhecimento?

Exatamente. Por exemplo, eu fiz muito contato com o pessoal de Belho Horizonte, de Brasília e de São Paulo também. Tinha a Executiva Nacional de Estudantes de Ciências Sociais e aí a gente se aproximou desse pessoal e começamos a fazer… trazer professores de Belo Horizonte para fazer Seminário, a gente começou a fazer Seminários aqui com professores de Belo Horizonte, Brasília, São Paulo. Mas a aproximação maior foi com o pessoal de BH.

 

Isso foi uma iniciativa dos próprios estudantes?

Isso.

 

E é claro que isso movimentava politicamente as discussões.

Sim. Você tem por exemplo… Não é á toa que eu, em 1969, eu formei em 1967, menos de dois anos depois eu já estava fazendo mestrado em BH. Eu fiz minha opção pela profissionalização, ao invés de sair pra luta armada, eu não, eu vou me profissionalizar e fui para BH fazer mestrado em Ciência Política.

 

Nessa movimentação dos estudantes de Ciências Sociais o senhor falou que fizeram assembleias, tinha esse cenário de efervescência política e que o senhor foi chamado a depor. Quem chamou o senhor para depor?

Olha, isso é um negócio assim, tem o 10ºBC, diversas vezes você era intimado a ir ao 10º DC e chegavam e falavam assim: “nessa assembleia você falou isso”.

 

Já sabiam o que tinha sido falado?

Poi é. Tinha um colega nosso do Direito, que era do tempo que era Fulano Dedo Duro, não vou falar o  nome dele não, que era o informante e fazia o relatório para o 10º DC. E o pessoal chegava e falava assim: está aqui que você falou isso na assembleia. Entendeu?

 

Quem era esse informante?

Ele era assim um… Você acredita que depois ele superou um pouco isso, mas foi muito, muita dificuldade… E aí, por conta disso, o processo sendo aberto, como não tinha uma criminalização, era uma coisa assim de estudante, mas você era intimidado… Algumas vezes passava um Jipão na casa da minha mãe, me pegava, você não ia preso, você era intimado, chegava no 10º BC, minha mãe ficava rezando terço, coitada, e ficava no 10º sentado no banco o dia inteiro, ou quase, às vezes uma tarde inteira, até 5h, chegava 5h chegava pra você e falava assim: hoje nós não vamos ouvir, pode embora. Aquela coisa você ficava à tarde inteira num banco sem nada, sem água, sem lanche, às vezes você podia pedir licença para ir ao banheiro, quer dizer, era uma forma de coação, você era coagido, e isso ocorreu algumas vezes comigo. Com outros, se sabiam de prisões, sabiam de…

 

Era rotineiro isso?

Rotineiro. Você… Como algumas pessoas eram marcadas e isso... , quer dizer, quem tinha um envolvimento político maior, ligações com partidos comunistas, era preso. Era muito comum a questão do dedo duro, do informante, isso era comum, eles articulavam determinadas pessoas, sejam porque a pessoa era de direita e achava queria evitar o comunismo, ou porque, vamos dizer assim, tinha vínculo com os militares. Isso era comum. A universidade estava toda cheia de informantes. Quando você pega Medicina, Engenharia, você tem muitos professores que foram presos, demitidos, processados. Um quadro grande de pessoas que foram processadas, tiveram… A gente, por exemplo, eu tenho algumas passagens, por exemplo, nós fomos processados por causa de uma manifesto que assinamos em 1968.

 

Dos professores?

Que era um manifesto da Faculdade de Educação de democratização do País, anterior ao Ai-5. Esse manifesto, inclusive assim, é… por exemplo, eu recebi, quem recebeu a documentação do Dops na Universidade fui eu como presidente da Comissão, na época do Ary, eu era diretor do ICHL e fiquei com o documentos que foi para uma sala especial da Biblioteca e aí fizemos questão de ver… esse, a assinatura desse manifesto, causou problema pra muita gente, teve gente que não pôde viajar para o exterior porque assinou o manifesto. Eu me lembro de uma professora da Faculdade de Educação que teve uma série de proibições por ter assinado o manifesto. Quer dizer, o que que resultou do manifesto, como o Manifesto foi publicado pelo Cinco de Março, e não tinha… cópia física do manifesto. Porque o manifesto, assim, eles fizeram o manifesto e uma série de listas e o pessoal foi assinando as listas e alguém ficou com os originais, então o Cinco de Março publicou a relação dos assinantes. Então a única cópia que tinha era essa do Cinco de Março. Quando foi de fato para processar as pessoas, e lá já era, sei lá, bem depois, quando o negócio foi para a Justiça, essa era a interpretação, como não tinha o documento físico, concreto fez com que não tivesse peso jurídico, e aí foi arquivado. Mas isso assim, um cinco anos depois, uns quatro anos depois, já em 1972, por aí. Eu lembro de eu ser chamado na…, eu tenho impressão que, no setor da Justiça, ali na Praça Cívica ficava o tribunal, parece que ficava, de um lado a Marieta Teles, do outro lado ficava… por ali, uma sala lá, a comissão de… a comissão de… foram ouvir… mas aí com isso encerraram e o negócio teve outro desdobramento. Eu mesmo quando assumi na Universidade, assumi em 1971.

 

Antes de me falar dessa história, gostaria de voltar aos informantes. O senhor citou um que era estudante. Mas entre 1964 e 1967, vocês sentiam a figura dos informantes também entre os docentes e funcionários da UFG?

Sim. Tanto que, vamos dizer assim, as articulações dos grupos, vou dizer o seguinte, as, por questão de segurança, os grupos políticos de modo geral, faz parte das estratégias, você vai construindo uma ramificação, e aí por questão de segurança, o líderes principais não agem na base. Vamos dizer assim, o Polop, e a ação popular, tem o dirigente estadual, o conselho da direção, e aí tem, por exemplo,  a faculdade de filosofia, direito, medicina, engenharia farmácia, odontologia, aí você tem pessoas que vão, por exemplo, os grupos daquela unidade lá só tem ligação com uma liderança. Como tem uma liderança lá, já articula, picha, prega cartaz, etc, então esse cara tem o contato lá com a coordenação regional, mas ele não sabe quem é o líder do Estado. Por exemplo, se alguém for preso os outros não sabem as redes. Mas quando você pega uma agenda com as informações, aí cai muita gente. (...)

 

Sobre a rede de informantes, próximo ao gabinete do reitor foi montado um sistema de segurança.

 

A ASI.

Então de lá do gabinete do reitor tinha um sistema de segurança, e informações da universidade inteira. Então você tem, vamos dizer assim comigo… por exemplo, eu fui fazer uma palestra em Anápolis…

 

Isso o senhor já professor?

Sim. Aí vinha… aí você recebia um bilhete anônimo dizendo “você fez uma palestra em Anápolis. Coloque o texto ou esquema da palestra que você fez”.

 

O senhor recebia onde esse bilhete?

Na secretaria da unidade. Aí a secretária lhe informava que chegou da reitoria: um bilhete anônimo, não tinha carimbo, não tinha nada, data. Um tipo de intimação assim… então isso era muito comum.

 

Como o senhor respondia esse bilhete?

Você respondia e encaminhava um texto ou o esquema e deixava na unidade e eles encaminhavam.

 

Outra coisa, você fazia o programa do semestre, aí depois vinha um bilhete dizendo assim: você está usando, por exemplo, Fernando Henrique Cardoso, texto de comunistas e agitadores. Substitua. Por que você está usando?

 

E o senhor nesse caso estava usando de Fernando Henrique Cardoso?

Fernando Henrique Cardoso, Florestan Fernandes, Otávio Ianni. Quer dizer, se você usava alguns considerados, porque o FHC foi aposentado da Usp, considerado de esquerda, Florestan também. Então, dependendo da literatura que você utilizava para dar aula, vinha uma observação do seu programa, pedindo para você substituir, perguntando por que você estava usando, substitua. Quer dizer então que você tinha toda uma, um controle, então vamos dizer assim, havia uma resistência, mas uma resistência, quer dizer, tinha um grupo de resistência, mas não agressiva, você, como professor, dependendo da sua articulação, você era demitido.

 

Eu fui diretor do ICHL DE 94 E 98. Foi comigo que se criou três unidades: Letras, Comunicação e Ciências Humanas e Filosofia, que depois vai ser dividida em três. Eu fui o último diretor do ICHL e primeiro do ICHF.

 

Sobre essa resistência comedida, era também comedida em sala de aula, o senhor se sentia preocupado com o que o senhor dizia em sala de aula?

Sim. Por exemplo, era comum, de vez em quando se oferecia um curso, assim, Ciências Políticas, questão de politização, então trabalhava-se conteúdo político. De conteúdo sem ser político, o que é poder, etc, discutir isso. Então oferecia-se assim aberto.  Eu lembro que eu ofereci, e tinha um aluno do Ginásio, que depois ele se apresentou, então eu ofereci um curso noturno, geral, para todos os cursos. Então o professor não conhecia os alunos, não era do seu cotidiano de sala de aula, era de todas as unidades. Aí o cara chegava agitando.

 

Agitando como?

Agitando, exigindo que você… provocando, provocando a turma. Aí você ficava com a pulga atrás da orelha. E aí, às vezes, dependendo do presidente do colegiado, você chegava e perguntava pra ele, quem é essa pessoa. Às vezes era alguém transferido de Brasília para UFG, eles não falavam isso, eles falavam alguém que foi transferido de brasília pra ca, então era alguém do serviço de segurança que havia sido transferido, e aí, se você entrasse na dele, você estava no inferno. Se abrisse a boca, é essa cambada, aí…

 

Ele ficava provocando como um agitador político de esquerda?

Sim. E querendo incitar. Se você entrasse no esquema dele... Então você tinha que se articular para não deixar inclusive os estudantes entrar na dele. Porque corria o risco de ter algum estudante que entrava na dele. Então isso era comum… E aí... Você perguntou em relação a professores e funcionários. Professor, sempre teve a questão das invejas, dos… se você pegar as punições que houve na universidade, na Engenharia que foram muitas, eram pessoas assim… Às vezes você tem, por exemplo, Horieste. Horieste era filiado a partido, né, que era um negócio diferente. Mas tinham muito que não eram, muitos que eram assim mais abertos, e brigão, que vai ser punido, afastado, então, na Engenharia tem… Aí tem um grupo de interesse, quer dizer, e outros grupos, que tinham interesse.

 

Cheguei no nome do Irapuan, Koen e Saleh…

Isso. Você tem pessoas que… Então tem assim… Muitos professores que… que delatavam os outros na reitoria ou mesmo no sistema de segurança, e às vezes com interesses...vamos dizer assim, interesses… às vezes interesses pessoais em termos de carreira, em termo de... de ocupar o espaço da pessoa, a pessoa era muito influente na área, uma coisa assim… Tinha muito disso. Muito, muito, muito disso. Então você tinha que ter muito cuidado. inclusive assim, cuidado com quem você conversava, o que você conversou. De vez em quando chegava alguém insatisfeito e abria o verbo: “ah, tô cansado…”, aí se você entrasse, vamos dizer assim, às vezes era mesmo insatisfação, mas aí o cara chegava ia conversar em outros lugares: “fulano de tal falou isso”.. então… por exemplo, tanto que tinha, nesse texto aqui sobre abertura na universidade, eu não sei se eu discuto…

 

Quando o senhor entrou em 1971 o senhor teve que passar por algum sistema de segurança? Pois já tinha a ASI…

Poisé… Olha, eu tive sorte. Aliás eu digo que eu sou um cara de sorte…

 

Assembléia Constituinte interna… Eu menciono aqui… o Joel fez uma Constituinte interna, criou uma… isso com a mudança… Constituinte, e aí tinha um grupo de funcionários da… ligado ao PCdoB, que queria a Universidade Popular do Centro-Oeste. E aí… três professores basicamente, Anazira, o Sérgio Paulo e eu. O Sérgio Paulo chegou até mim e “Itami, você faz parte…temos que segurar” nós seguramos mais de 90 dias uma mudança de um regimento da universidade que era proposto, foi constituído pelo Conselho Universitário, e o grupo de de… o grupo de funcionários e alunos que eram ligados ao PCdoB não tinham dois terços necessários para provocar a mudança. Como não tinham, nós seguramos até esvaziar o movimento. Então não deu em nada. Não deu em nada por isso. Quer dizer, o pessoal nunca pergunta porque as coisas não acontecem. Mas não aconteceu, porque se acontecesse ia ser uma tragédia para a universidade. Era uma proposta de Universidade Popular do Centro-Oeste, assim, um absurdo, esquizofrênico. Mas de qualquer forma, Anazira era pró-reitora, o Sérgio Paulo, nós éramos muito amigos, ele chegou pra mim: Itami, temos que segurar esse negócio, não dá pra obter, isso é uma loucura, entendeu. Não deu em nada. A Anazira quando ela foi apresentar o relatório para o Conselho Universitário ela falou assim “não deu”, fechou, acabou. Sabe aquelas coisas que não tem consequência nenhuma, não tem consequência porque as consequências seriam funestas. Bom, então veja bem, você tem assim toda uma série de problema e tem muita gente que resistiu sem… muita ênfase, assim. Manteve, era contra, mas não se manifestava.

 

Foi o caso do senhor?

Sim, de certo modo sim. Agora o caso que você perguntou, quando eu fiz concurso, eu fiz concurso em fevereiro de 1970. Em janeiro de 1971 eu fiz concurso para UFG e fui contratado em fevereiro de 1971. Aí… o negócio é o seguinte, o reitor, o Maciel, ele… Como havia uma mudança em termos de gestão, ele contratou um grupo de professores por seis meses, inclusive eu por seis meses, para só depois de seis meses submeter os nomes ao sistema de segurança. Aí quando veio a negativa do meu nome…

 

Houve a negativa do seu nome para contratação?

Houve a negativa do meu nome pela ASI. Tinha processo contra no… não era no Dops, era no IPM, no sistema de segurança federal, tinha um negócio, algo lá… Aí, três professores, quer dizer, o Padre Pereira, o Getúlio Tadino e... eu não me lembro muito bem quem era o outro professor foram ao… lá… fizeram um depoimento… e eu fui, vamos dizer assim, eu… Eu fiquei sabendo depois… Mas assim, eu não ia ser recontratado…

 

Mas o senhor foi…

Aí eles foram lá, porque o negócio é o seguinte, é… quando eu fui para Belo Horizonte em sessenta e… quer dizer, eu fui no auge no negócio, quando eu fui para Belo Horizonte é.... fazer o mestrado, início de 1969, maio de 1969. O AI-5 é de 13 de dezembro de 1968. Quer dizer, então, toda aquela agitação… posterior, quer dizer, como eu me formei em 1967, em 1968 eu assumi, como eu já era professor em Hidrolândia, eu assumi o Ginásio Municipal de Hidrolândia, fiquei como diretor lá, eu era vice-diretor, assumi a diretoria, e fiquei um ano como diretor lá, entendeu… Quer dizer, fiquei mais em Hidrolândia, aquela coisa… Nós fizemos uma mudança, demos uma mexida. Fizemos sete de setembro… A gente agitou a cidade num certo sentido. Era interior, a gente criou grupo de jogos, bailes, o que que os meninos fazem no interior? Toma cachaça ou… tanto que essa geração de lá, todos eles tinham muita ligação com a gente… Vilmondes, Pedro.. são muitos que até hoje a gente tem contato… exatamente por isso pois a gente fez um movimento que envolveu até as famílias… a gente ia tomar café… fizemos associação de pais e mestres... E… discutia a questão do colégio com as famílias, passava filmes… A gente fez… não era só eu, era um grupo. Aí, de certo modo eu me afastei, e depois eu fui para Belo Horizonte e lá nunca tive nada, quer dizer, você está estudando e… muito dedicado… Aí de Belo Horizonte eu trouxe a minha ficha do Dops, que eles pediram, uma ficha de Nada Consta. Quer dizer, aqui podia ter problema, mas…

 

Aqui o senhor tinha problema será que era devido ao período da militância estudantil?

Também.

 

O que constava contra o senhor?

Você ver por exemplo, o Pedro Wilson não foi aceito na UFG, ele vai entrar só na década de 1980, com as mudanças… Porque, porque ele tinha movimento de agitação política…

 

Mas no seu caso, professor, o que tinha aqui no Dops?

Tinha tinha tinha, tinha esse manifesto que a gente assinou. E tinha questão de.. aquelas coisas de denúncias, tinha…

 

Denúncias de outras pessoas em relação ao senhor?

É. Tanto que veio…

 

Denúncias sobre o que?

De agitação política. De movimentação política, participação… Porque você participava de… por exemplo, de passeata, e era fotografado. Por exemplo, o sistema de segurança fotografava todo mundo.

 

E o senhor chegou a participar de passeata?

Sim… passeata era… como qualquer tipo de manifestação, aí agitava… saía da Catedral e descia até a praça Cívica, com falas e… gritos e… então isso era comum.

 

Qual intermediação ocorreu que fez com que o senhor conseguisse entrar na UFG, mesmo com esse sistema de vigilância na contratação?

Aí veja bem, é o que eu estou lhe dizendo, quando há a informação de que você tinha ficha suja, aí… é… são três professores vão ao Dops, ao Sistema de Segurança, que ficava no prédio da Caixa Econômica, que ficava na rua 2 com a… é…. na Goiás com a 2, tem um prédio que inclusive hoje está abandonado, não sei porque está abandonado, mas ali ficava o Sistema de Segurança, e aí eles, não, conversaram e acertaram as coisas dizendo que eu não era disso, e aí limpou meu nome.

 

Conseguiram limpar o seu nome?

É. Aí eu não tive problema de ser recontratado.

 

Quem foram os professores?

Getúlio Tagino Lima, Padre José Pereira de Maria…

 

Que foi seu professor?

É.

 

Então o senhor conseguiu entrar na UFG nesse clima de vigilância…

Agora a vigilância, viu Carol, era geral… O Sistema de Segurança ficava na reitoria e tinha toda uma ramificação. Havia interesses… assim, funcionário, claro que sempre me dei muito bem com funcionário, mas você não podia ficar dando muita… vamos dizer assim, bom dia a cavalo.

 

Senhor chegou a conhecer Sanches?

Conheci. Mais ou menos assim…

 

Ele era funcionário da UFG?

Não sei.

 

Eu cheguei nesse nome, alguém me disse que tinha esse tal de Sanches, funcionário, que ficava pelos corredores da UFG conversando, e se sabia que ele era um informante. Não encontrei nada dele. Mas disse que ele veio de Brasília e assim que houve a abertura ele voltou para Brasília. Parecida com essa história que o senhor me contou sobre o estudante que agitou a sua aula em Anápolis.

 

É… Isso era comum, de certo modo. Mas tinha também os funcionários que se prestavam a dar as informações. Denunciavam, deduravam. Isso era o clima. É o clima que existe hoje.

 

Esse clima ainda existe hoje?

Acho que existe. Assim, de de de informação, de chegar e ir na reitoria pro reitor e dizer… isso é… acho que existe… não convivo mais, mas acho que existe.

 

E qual a diferença daquele momento para esse?

Bom, aquele momento, o seguinte. O decreto 477 de 1969, previa a punição de professores e estudantes considerados subversivos, em processos sumários, realizados por reitores e diretores de Faculdade… Por exemplo, eu vi, ficou numa gaveta do ICHL, eu não sei que fim teve, eu também não mexi muito, deixei lá, de diretores anteriores do ICHL que aplicaram o 477 com alunos

 

Diretores antigos?

Você tem o Valdir Camaço, médico, deputado e tal, ligado ao PT, o Valdir Camaço foi aplicado o 477 nele. Ele foi excluído da Universidade, depois ele consegue voltar na Medicina e se forma. Quer dizer, então…

 

Os próprios diretores, por si só, poderiam usar o decreto?

Eu acho…, quer dizer, o que eu vi no ICHL, a própria diretora usou o 477. Quer dizer assim, o aluno agitador, e tal e tal, com base na…

 

O senhor tem esse documento?

Não. Deixei lá.

 

E ela aplicou o 477 num estudante?

Aplicou. Pelo menos uma vez o 477.

 

Foi o Valdir que foi atingido pelo decreto dela?

Não, eu não sei quem foi. Eu não sei a circunstância. Tem muito aluno que agita mesmo. A circunstância… É um negócio pra ver…

 

Decreto que deu poderes tanto para diretores de unidade…

Deu poderes, é… sem muito… quer dizer, você não precisava levar para outras instâncias. Por exemplo, acho que não tem nem a assinatura do reitor. Era uma questão de… por exemplo, os diretores e reitores tinha condição de aplicar o 477. Quer dizer eu não sei se para professor, os diretores tinham condições de aplicar o 477, o reitor sim… Que houve a aplicação do 477, os reitores aplicaram… Quer dizer, eu também nem sei se submetia ao Conselho Universitário… acho que não passava pelo Conselho Universitário.

 

Em relação à Lei Suplicy, de que forma atingiu a UFG?

Ela vai restringir a ação estudantil primeiro no fechamento de todos os CAs. Ela faz uma uma mudança em toda questão do sistema de representação política. Eles mudam a representação política. E a Lei Suplicy, ela é… ela é de 1964, sobre órgãos de representação estudantis. Essa lei intervém na organização estudantil e tenta esvaziar … eles falavam que os agitadores controlavam, quer dizer, há uma mudança na administração em todo o sistema de representação estudantil, os CA, DCEs, todos passam a ter certo controle e a eleição passa a ser feita e obrigatoriamente todos os alunos tinham que votar. Muda todo o sistema de representação e intervém em todo o movimento estudantil.

 

Estratégias para intimidar.

Sim. Inclusive assim, isso, existe interesse. O DCE da UFG teve um grupo de direita que entrou no DCE armado.

 

Quando isso?

Isso em 1964, 1965.

 

Na UFG?

Na UFG. Um grupo de direita apareceu no DCE armado e passou a controlar o DCE.

 

Ocorreu isso?

O Zé Martins, é… ocorreu. É um grupo aí… o Mário, Zé Martins, tem um grupo que aí eles tomam o DCE, intervém no DCE, depois de 1964, é o pessoal ligado ao Direito, da área de Direito e intervém. O DCE ficava na rua 9 com a Anhanguera, é um prédio que tinha… parece hoje é uma loja de tecido, mas era uma loja de produtos odontológicos. É um predinho que tem, não sei se você conhece, você vai na Anhanguera, no sentido do Teatro Goiânia, na parte de baixo… quando você passou a rua 8, a rua 9 era o prédio da esquina…

 

Quem sabe dessa história com detalhes?

Talvez… Será que Alda Borges sabe? Ela foi colega minha de curso.

 

DCE ficou sendo tomado conta por esse pessoal?

Por esse grupo.

 

E retomaram?

Depois da redemocratização.



De 1964 a 1967, qual a memória marcante desse período?

Quando eu falei do Centro de Estudos Sociais e Políticos, em 1968 houve uma intervenção e Dops levou toda a documentação do Centro. Fechou. Eu vou lhe passar depois que isso está passado no texto Estudantes Constroem o curso. Então tem isso, o nível de repressão aumenta. De qualquer forma, nesse período você é vigiado o tempo todo. Matos têm olhos, paredes têm ouvidos, a gente se reunia dentro de carros para conversar coisas de articulação. Quando me desvinculei em 67, o pessoal falou, “ah portanto você não vai ter mais informação”.

 

1971 pra frente, qual a grande memória?

Exatamente essa questão do controle. Você ser acionado porque fez uma palestra, uma reunião. Você… questão das disciplinas, então isso era um controle que existia, que dependendo do nível de avanço que você ia, você podia ser punido. As reitorias elas integravam esse sistema, então muita gente passou a dar apoio… Então isso vai ser uma constante. Existiam alguns que resistiram, mas sem ser uma resistência expressiva. Se articulava, tinha presença no Conselho Universitário. no ICHL a gente tinha um grupo que estava sempre ´presente no Conselho e tentava não deixar as coisas extrapolarem. Sem dar motivos para serem criminalizados.

 

4º poder, qual sua lembrança do jornal?

Lembro do grupo que fez o jornal, que era um jornal… O Colemar eu acho que a presença dele na Universidade, ele foi logo tirado… O JerÔnimo era um cara de direita… Quer dizer, há a mudança de postura na reitoria. O Colemar era… então o JerÔnimo… Inclusive assim, apesar disso conseguirmos trazer professores. O JerÔnimo dava passagem para trazer os professores que trazíamos de fora, muitas vezes tinha apoio da reitoria, então a gente conseguiu sobreviver

 

Por que os arquivos do Dops chegaram ao senhor?

Não fui eu, foi uma comissão, era professor do ICHL e professor Ary me chamou para assumir a comissão.

 

Como chamava a Comissão?

É… não sei, não me lembro agora, mas era uma comissão formada por professores da Universidade e por delegados. Era uma comissão, acho que eram seis membros que abriram esses documentos. Tem até repercussão nacional. O Maguito era governador e ele resolveu transferir a documentação do Dops para Universidade. E aí…é… nós fomos ao palácio receber a documentação… eram muitas caixas, as metralhadoras voltadas para as caixas, uma coisa meio… Aí… vamos dizer assim, por um questão, a gente pediu para uma rádio patrulha acompanhar a gente até aqui… porque era um esquizofrenia total… mas na verdade os documentos não tem muita coisa. Não tem nada sério. Eles limparam a documentação. Por exemplo, você não têm denúncias maiores, coisas assim, bem concreta, que a gente sabe que existiu. Tem muita xerox, muitos recortes de jornais, coisas que já eram públicas, documentos secretos mesmo não têm nada. E aí, essa comissão abriu… Porque esse processo de denúncia da universidade tem. Porque tem um processo, assim, nós fomos chamados na reitoria, quando a gente abriu a documentação, foi uma repercussão nacional, porque nós estávamos abrindo os documentos do Dops… Estávamos tornando público o que era velado… Aí, a reitoria foi pressionada para conter....

 

Pressionada por quem?

Acho que pelo governo, pressionada pelo sistema de segurança também, porque você tem uma questão de prazo e tal e tal e tal…. Aí nós chamamos a comissão e conversamos com a comissão sobre isso, principalmente os professores da Universidade, quer dizer… pra não dar discussão e tal e tal… Aí sai na mão do professor Orlando de Castro, que fez parte da Comissão, exatamente o processo da Engenharia… Aí ele chamou a imprensa: aqui ó… Bom, aí nós ficamos esperando, o reitor me chamou, e ficamos esperando que o Irapuan entrasse com um processo contra a Universidade, pois o nome dele era o nome que estava lá na denúncia. A imprensa veio, abriu, mas ele não fez nada.

 

Saiu na imprensa?

Tiraram foto do documento…

 

O senhor tem esse material que saiu na imprensa?

Todo esse material está na sala do Cidarq

 

Para o senhor foi decepcionante os documentos?

Olha, foram. Foi decepcionante pelo seguinte fato, as mães de desaparecidos políticos eram as pessoas que estavam mais fiéis lá na abertura dos documentos. Eram as famílias… de… dos desaparecidos políticos, Estavam lá presentes e quando abriu não tinha nada. Então a expectativa de ter alguma coisa, alguma resposta para a angústia delas, não tinha nada. Então isso foi… o ruim foi isso, porque criou expectativa, que a documentação iria trazer, e não tinha. Inclusive assim, teve um deputado, vamos dizer assim, secretário de governo durante muito tempo, que insistiu, insistiu durante muito tempo para eu abrir os documentos pra ele. Pois ele queria saber se não tinha nada contra ele de denúncia de corrupção.

 

Quem era?

Ele era Caiado… Porque eu tenho impressão que tinha denúncia contra ele feito, vamos dizer assim, as corrupções não eram… eram processadas… tinha denuncia, dependendo você era acionado, punido, mas ninguém ficava sabendo… E ele insistiu… E não entendia interesse dele. A única justificativa é essa. pois tem a relação dos processos, e o nome dele não estava lá…

 

Dessa documentação, algo sobre a UFG que foi revelador?

Tem esse processo da Engenharia. Não sei se tem outros processos.

 

Professor, mais alguma coisa?

A Alda era da minha turma. Quando chegou em outubro de 67 ela teve um problema político e terminou indo embora do País. Ia ser presa e aí fugiu para o norte do Paraná, de lá foram para o CHile. quando teve golpe do Aliende, ela era funcionária da Unesco, aí ficou, mas o marido dela foi jogado nos Andes. O Ney Rocha. E aí eles foram salvos porque uma tribo indígena percebeu os brasileiros morrendo no gelo. E aí foi num lugar lá na Argentina. Levou eles. Depois eles foram levados. Primeira coisa que fez quando chegou em Buenos Aires fez contato com a família daqui que foi buscar em Buenos Aires.