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Universidade Federal de Goiás

Anexo V - Orlando Ferreira de Castro

Em 29/03/19 09:59. Atualizada em 01/04/19 10:15.

Entrevista concedida a jornalista Carolina Melo em fevereiro de 2019

Como era o antecedente ao golpe na UFG?

Em 1963 e 1964, o movimento estudantil era muito intenso, não só em Goiânia, mas no Brasil inteiro. Um goiano, Aldo Arantes, foi eleito presidente da UNE e fez uma administração muito dinâmica. Criou a UNE volante que ia nas capitais dos Estados e incentivava muito o movimento estudantil. E passou aqui a UNE volante, eu nãos ei se em 1963 ou 1964, e foi um movimento intenso aqui. O Instituto de Artes funcionava no Lago das Rosas, e eles chegaram lá, paralisaram as aulas, fizeram comícios, foi um movimento grande. E o João Goulart que era o presidente da República incentivou aquilo. E ele ultrapassou as fronteiras do bom senso porque existia uma certa situação no País. O País, a sociedade brasileira não era comunista, não era socialista, não era essa coisa toda.  E o governo dele parece que tendia para esse rumo. E isso incitou os militares que eram os guardiões da Pátria. E a sociedade reagiu contra isso. E principalmente a Igreja Católica, organizou uma procissão ou passeata da Família com a Pátria, com Deus pela LIberdade. Aqui em Goiânia o arcebispo era Dom Fernando e liderou e fez um grande movimento, contra a socialização do País.

E dentro da UFG, como era?

O professor Colemar Natal e Silva era muito dinâmico, demais da conta, admirável como uma pessoa já numa certa idade como ele tinha tanta energia para fazer o que fez. E ele abraçou essas ideias do João Goulart, etc, que era uma obrigação dele porque ele era reitor de uma Universidade federalizada sob os auspícios do governo federal, então ele tinha que seguir a linha do governo federal, ele era membro deste governo. E ele era muito entusiasmado e em alguma coisa ele excedeu. Por exemplo, havia um líder dos camponeses do Nordeste, chamado Julião, que fez uma grande movimentação no Nordeste, e a UEE, apoiada pelo professor Colemar, trouxe o Julião para fazer um comício em Goiânia. E foi feito na Faculdade de Direito, na rua 20, n. 1719, no Casarão, onde hoje tem uma árvore de mogno que nós plantamos dia 11 de maio de 1957, está lá até hoje.

Quando ocorreu esse comício?

Não sei a data, mas a imprensa publicou e provavelmente eu tenha isso anotado. Mas não tenho certeza.

E o clima entre os docentes?

Havia de tudo. Grande parte dos professores e a quase totalidade dos alunos era socialista. Novidade do governo. Aquele governo antigo, etc, desde a instalação da República, o estudante queria modificação nisso aí tudo. Então o movimento estudantil era muito vigoroso e… o professor Colemar abraçou esse movimento e muito entusiasmado ele deu corda em tudo isso. E hoje, a universidade até certo ponto é à favor das ideias do governo. Aí ocorreu o golpe. E antes de ocorrer o golpe o movimento era muito intenso. E a UEE organizou uma semana, me parece, de conferências em março de 1964. A última semana de março. E essa semana ocorreu no prédio da antiga boate Lisita, que fica no espaço, no quarteirão limitado pela rua 6, Avenida Araguaia, Avenida Anhanguera e rua 3. Lá existia antes uma boate Lisita numa área interna que tem lá até hoje. Desativada a boate, a UEE conseguiu aquele balcão naquele espaço pra ela, e organizou lá diversas reuniões. E organizou uma e, se não me engano, quem veio foi um tal Padre Alípio. O padre Alípio chegou e eu participei de algumas dessas reuniões. Era Engenheiro e houve em Belém do Pará uma concorrência para elaboração do projeto para a chamada Transbrasiliana, que depois passou a ser chamada BR 14 e atualmente se chama BR-153, inicialmente era BB- Belém-Brasília. E eu fui em Belém para pegar o projeto. A Stvea que fazia, a Stvea era a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da AmazôNIA.

Antes, em 1963 e 1964, já existiam na UFG os informantes que depois foi comum pós Golpe?

Informantes não. Existiam dois grupos: um grupo à favor do Jango, liderado por Olinto Meirelles, vivo até hoje, Sebastião Baldoíno de Sousa, que faleceu e eu considero, na minha modestíssima opinião, o fundador número 2 da UFG. Foi presidente da UEE e trabalhou para a criação da UFG, e conseguiu. Quem criou a UFG foi os estudantes pelo movimento que fizeram. Foram a Brasília numerosas vezes. 

E outro grupo liderado pelo João Bosco Lousa. O João Bosco tinha ideias opostas que, posteriormente, esse pessoal ficou sendo chamado de reacionários. Tinham os avançados e os reacionários. Os reacionários em termos pejorativos eram chamados de reaças e o Bosco era reaças.

Instalou-se a Ditadura e o professor Colemar tinha apoiado o Jango, mas ele passou a ser mal visto pelos reacionários de Goiânia. Existia um professor na Faculdade de Direito, chamado Alaciel Prado, que escreveu, eu creio, 12 artigos contra o professor Colemar, reitor da Ufg. Artigos violentos. O primeiro número publicado no Jornal O Popular. Ele começou a combater o Colemar violentamente. Ele conseguiu a adesão de uns quatro professores da Faculdade de Direito. Porque o diretor da Faculdade de Direito era o professor Jerônimo Geraldo de Queiroz. Era catedrático, fez um concurso brilhante. Tem as atas do concurso dele. E o professor Colemar muito dinâmico, assumiu e jogou o peso da Universidade à favor dos estudantes. Por exemplo, quando a gente queria ir a Brasília e ficar lá, etc, quando era a UEE, os diretório acadêmico ia e voltava. Eu fui uma vez com meu fusquinha.

E como foi a destituição do Colemar?

Eu creio que pesou contra ele, em julho de 1964. Em junho ele começou a se equilibrar, aderiu a revolução, etc, mas os adversários dele não o perduaram. E alguém… a gente tem que ver… forneceu ao deputado federal Pedro Aleixo 42 perguntas difíceis de serem respondidas, contra o professor Colemar. E o Pedro Aleixo leu essas 52 perguntas no Congresso Nacional e estão nas atas do Congresso Nacional.

Quem entrou no lugar do Colemar?

Foi o pró tempore que ficou quatro meses. De julho… Ele ficou absolutamente quieto. Era poeta.

E os expurgos dos professores? Como foi se configurando a figura dos informantes e os expurgos dos professores?

Na escola de Engenharia, que foi a Unidade que mais sofreu porque tanto os estudantes quanto os catedráticos eram muito dinâmicos foram envolvidos nove professores. Marcelo Cunha Moraes, Elder Rocha Lima, Rodolfo José da Costa e Silva,… foram demitidos… O Irapuan, o Jayme Kohen e o Saler Jorge Daher formaram uma Comissão de Expurgos na Escola de Engenharia. O secretário dessa comissão era o César Ribeiro de Andrade. Fizeram a comissão para fazer o expurgo na Universidade. E essa comissão chamava o pessoal para depor, antes da ASI. Chamava para depor. O pessoal chamava lá e depunha. E depois… Chamavam muitos professores para fazerem depoimentos. O César Ribeiro de Andrade era o secretário, anotava tudo de modo que é uma boa fonte de estudo. Mas segurou o livro e não solta para ninguém. É uma pena, pois a história está lá...

Alunos não foram expulsos, mas foram… Olha, por exemplo, Renê Alves Carvalho, que era colega meu de turno e depois foi professor da Escola de Engenharia. Ele foi perseguido… E uma turma que veio para criar o Instituto de Matemática e Física, teve contato com o Renê que lecionava Física… Ele foi perseguido e indicaram pra ele procura professor Fulano de Tal, esqueci o nome, um argentino, que era o chefe do departamento de Física da Escola de Engenharia de São Carlos, vinculada a UFI. E ele foi para São Carlos. Para resumir a História, ele foi para fazer pós-graduação em Física. Terminou como professor, não só como professor do curso de Física, mas orientador dos pós-doutorados. Ele teve que fugir para São Carlos. E o irmão dele, Herton Carvalho, que também era muito inteligente, lecionava Hidráulica na Escola de Engenharia, e o João Cesar Pierobon, professor da Escola de Engenharia, perseguido e demitido.

Chamava alunos e professores para depor…. Tem um detalhe aí, chamaram o professor Gabriel Roriz que era o diretor da Escola de Engenharia para depor, e o professor Gabriel, pessoa muito séria, muito prestigiado, foi chamado para depor nessa comissão. E ele chegou lá e arrasou a comissão pois ele tinha razões… porque ele também estava sendo perseguido e ele foi deposto, ele não foi bem deposto, eles toleram o vencimento do mandato dele que faltava poucos dias para vencer. Então foi tolerado para não dizer que mais um diretor foi deposto, etc. Mas depois que venceu o mandato dele, colocaram o Paulo Perillo. Ele foi indicado para substituir o professor Gabriel pelo próprio professor Gabriel. Ele foi nomeado. Primeira coisa que ele fez foi contra o Gabriel: marginalizou o Gabriel, que teve que ir para esses depoimentos e ele fez defesas. Foi acusado em ter colaborado com a turma do Colemar contra o pessoal do golpe. Mas ele tinha muitas restrições à atuação do Colemar.

Em julho de 64, veio o pró tempore, depois o Dom Fernando, que tem uma história complicada aí, porque… quando eu estava na UEE, eu como presidente do diretório da Engenharia… colocamos força para a criação da UFG…

1968 veio a efervescência, AI-5, como se estabeleceu esse cenário de fechamento na UFG? Teve mais expulsões, demissões, e criação da ASI. Como foi o clima dentro da UFG?

Muito pesado como foi em todo lugar. O golpe dentro do golpe.

O seu Armando lembrou de uma história que ocorreu lá no Instituto de Artes, que tinha um CA, que eram formadas por meninas: Neide, Mariana, João Batista Rosa. E essas meninas foram expulsas. O que lembra dessa história?

Havia comissões de inquéritos que chegavam nas Unidades, e eram encontros difíceis, pois o pessoal apertava muito e conforme o caso até prendia. Mas o professor Cid Albernaz de Oliveira, ele era muito bem visto pelo pessoal do golpe. E ele ficou com a fama que era informante. Mas foi um boato não verdadeiro. Convivi muito com ele e nada que ele falou demostrava de fato isso.

Aquela comissão que apertava muito programou ir lá no Instituto de Artes. Mas ele interviu e disse: não, lá na faculdade deixe por minha conta, eu tomo conta. Não vão. Quem resolve sou eu. E para mostrar que fez algum serviço, ele expulsou a Neidinha, a Marina e o namorado dela, esqueci o nome, e o professor Heleno Godoi. A Marina foi expulsa, perseguida e presa. Sofreu muito na mão dos militares, o que podia e o que não podia. Quando ela saiu imediatamente, eu estava descendo a rua aqui, o pai dela morava aqui embaixo, encontrei com ela na 29 e ela foi me contar o que aconteceu com ela na prisão. Então o que você imagina e não imaginar ela contou.

Cid Albernaz era diretor por volta de 1968?

Não me lembro quando ele assumiu…

Esse CA eram formados por meninas e meninos. O primeiro deles foi o João Batista que fez um grande movimento em Goiânia….

Tinha uma que depois fugiu para o Rio Grande do Sul, e esqueci o nome dela. A Marina foi para França, e com a Marina, ela foi expulsa antes de terminar o curso. Faltava seis meses para ela terminar o curso. Faltava pouco tempo.

Em relação a construção da ASI?

Eu não sei nada. Isso era da cúpula. Era muito restrito. Não chegava a estudante, não chegava a nada. Veio um general, ele era o chefe lá. O gabinete dele era ao lado do gabinete da reitora. E a professora Cassimiro, vou falar um pouquinho mal dela, foi reitora da UFG, porém no Congresso estudantil em 1958…

Cícero da Mercês da Cunha Porto, o senhor conhece?

Cícero Porto. Lembro-me dele, ele tinha um escritório de advogacia na rua 3 com a rua 7. Ele e um outro Francisco não sei o quê que era muito ligada a Igreja Católica.

Em relação ao Cícero porto, ele foi da Asi, o senhor lembra?

Não.

Márcio Ivo do Nascimento?

Não

Dolivier?

Também não.

Amália Armando da Silva?

Esposa do Maxiliano da Mata Teixeira, um grande desembargador. Moravam na rua 20, a primeira casa abaixo de onde era a Faculdade de Direito, uma casa de dois andares.

Amália foi uma das professoras expulsas em 64.

Foi. Ela e o marido dela.

Horieste Gomes

História dele é complicadíssima. Ele foi perseguido. Foi preso, foi torturado. E ele conta tudo.

Ático

Foi preso, teve um mês preso. Era professor da Arte. Logo depois do golpe foi preso e começou a ser perseguido. Foram muito sacrificados pela ditadura.

Farnese Dias Maciel Neto

Ele entregou a turma. Ele era diretor da Agronomia, professor Cid diretor da Arte. Eles se aliaram e fizeram um complô para o Farnese ser reitor. Ele foi reitor. Uma das primeiras coisas que fez foi brigar com Cid que o levou a reitoria. E começou a perseguir a turma.

O que significa essa perseguição na prática?

Não sei detalhar.

Havia três tipos de expulsão na UFG: quem era nomeado pelo presidente da República só podia ser expulso pelo presidente da República. Voltaram pois só o presidente podia expulsar. O reitor não podia expulsar. O Horieste e Jessé Martins Borges se mandaram para a Suécia.

O senhor lembra do jorna Esqueleto 21?

O Esqueleto era um show que a turma da faculdade de medicina fazia desde o primeiro ano. Show do esqueleto em 62 o segundo ano. Não me lembro do jornal. Eram um grande show de recepção dos calouros. A turma ensaiava e tinha muita coisa interessante.