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Universidade Federal de Goiás
Suco de uva

Suco de uva pode contribuir para aumentar conciliação em Varas de Família

Em 16/09/19 10:13. Atualizada em 25/09/19 09:26.

Segundo pesquisa da UFG, bebida contribuiu para aumentar índice de acordos em processos

Luiz Felipe Fernandes

Os acordos de conciliação são uma alternativa do judiciário brasileiro para a resolução de conflitos, pois evita que ações se arrastem por anos e contribui para uma justiça mais rápida e eficaz. Foi pensando na importância desse instrumento que a juíza Aline Vieira Tomás, da 2ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Anápolis (GO), decidiu pesquisar uma forma de fazer com que as pessoas envolvidas em uma ação tomassem decisões mais lúcidas e racionais. O resultado chegou a um método simples e barato: o suco de uva.

A hipótese foi testada no mestrado em Direito e Políticas Públicas da Universidade Federal de Goiás (UFG), concluído por Aline no último mês de agosto. A pesquisa ocorreu entre abril e dezembro de 2018 e envolveu 659 audiências de conciliação realizadas no 2º Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc), em Anápolis. Em 354 dessas audiências foi oferecido suco de uva para os participantes. Nas outras 305 havia disponível apenas água. Metodologicamente, esses grupos são denominados “experimental” (suco) e “de controle” (água), respectivamente.

Ao fim do experimento, 270 audiências do grupo experimental (com suco) resultaram em acordo de conciliação, o que representa uma taxa de 76% em relação ao total. Já no grupo de controle (sem suco) foram 138 acordos, ou 45% do total. Ou seja, em nove meses de pesquisa, concluiu-se que a prática de oferecer a bebida pode ter contribuído para quase dobrar o índice de conciliação.

Por que suco de uva?

Aline explica que o “segredo” do suco de uva está em um de seus componentes: a glicose. Ela se amparou em estudos de glicobiologia que demonstram que a substância atua no sistema límbico, responsável pelas emoções e pelos comportamentos sociais.

“A glicose é o principal combustível do cérebro humano e uma das formas possíveis de se acionar o sistema de recompensa cerebral, desencadeando sensações de bem-estar e satisfação. É comum as partes comparecerem às audiências com o sistema de punição ativo, caracterizado por comportamentos combativos e de conflito. De sorte que a glicose pode propiciar a transição do sistema de punição para o de recompensa, permitindo que o sentimento de raiva dê lugar à abertura para comunicação, facilidade de negociação e melhor aptidão para ouvir o outro, que é justamente o que precisamos para que uma conciliação seja efetivada”, afirma a juíza.

Amparada por uma endocrinologista, metabologista e uma psicóloga, Aline buscou uma forma de possibilitar a ingestão de glicose durante as audiências. O suco – que poderia ser de qualquer sabor – mostrou-se adequado por sua forma líquida ser de rápida absorção e por conter a concentração necessária de glicose, além de ter baixo custo (R$ 2,90 por audiência) e ser socialmente aceito.

A validação dos dados está garantida pelo método científico. Além da amostra significativa, as audiências analisadas tinham o mesmo teor, sempre relacionadas ao direito de família, como divórcio, pensão alimentícia, guarda de filhos, união estável, entre outras. Elas foram realizadas por um grupo de quatro conciliadores experientes que não sabiam que a pesquisa estava sendo realizada, justamente para não interferir no resultado. A disposição das salas também foi idêntica tanto no grupo de controle quanto no experimental e a oferta de suco limitou-se a um copo (cerca de 200 ml).

Outro ponto interessante foram os resultados obtidos apenas no grupo experimental. Isso porque, nesse conjunto de audiências, apesar de o suco ter sido oferecido aos participantes, eles poderiam aceitá-lo ou recusá-lo. Mais uma vez, as análises mostraram que o índice de conciliação foi maior entre os que fizeram a ingestão.

Aline conta que a ideia surgiu ao ter conhecimento de uma pesquisa realizada com juízes criminais de Israel. O estudo, publicado no periódico científico Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, analisou 1.112 decisões judiciais e concluiu que a taxa de probabilidade de decisões em favor dos réus aumentava até 65% quando eram proferidas logo após o juiz ter realizado pausas para refeições.

Equipe Conciliação
Equipe de conciliadores do 2º Cejusc, em Anápolis (Foto: Acervo pessoal)

Comportamento humano

Responsável pelas análises estatísticas da pesquisa, o professor da Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e Economia (Face) da UFG, Marcos Severo, explica que os resultados corroboram os estudos da Economia Comportamental. “No marketing, por exemplo, a Economia Comportamental tenta orientar o comportamento humano em direção ao consumo, obviamente obedecendo princípios éticos. Essas ferramentas também estão sendo aplicadas na administração pública”.

Marcos acrescenta que o procedimento não altera o comportamento de uma pessoa, mas atua em favor de um determinado comportamento, que no caso de uma ação judicial pode ser o menos desgastante para as partes.

Agilidade e economia

Atualmente, o Código de Processo Civil estabelece as audiências prévias de conciliação e mediação como etapa obrigatória de todos os processos cíveis. O índice de conciliação também é usado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como indicador de eficiência do judiciário brasileiro. “A lógica da administração pública é melhorar a vida das pessoas. Então em vez de optar por um processo longo, que gera custos e trava o judiciário, por que não incluir um elemento que possa atuar favoravelmente em busca de um acordo?”, reforça Marcos Severo.

Marcos Severo
Professor Marcos Severo, responsável pela análise estatística da pesquisa (Foto: Luiz Felipe Fernandes)

Para Aline Tomás, a pesquisa vai ao encontro dos novos paradigmas da justiça. “Quando as pessoas constroem suas próprias decisões, ainda que um pouco diferentes do ideal que buscavam, elas saem mais satisfeitas que em situações em que, por uma decisão judicial que lhes é imposta, apenas um ganha e o outro perde”. Diante dos expressivos resultados alcançados, a juíza propôs um projeto regulatório ao Tribunal de Justiça de Goiás, denominado Projeto Adoce, a fim de que a nova prática seja replicada gradativamente nas varas de família de Goiás, sobretudo por representar um custo muito baixo para o Estado.

Confira também a matéria produzida pela TV UFG:

Fonte: Secom UFG e TV UFG

Categorias: Saúde Destaque