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Universidade Federal de Goiás
Observatório IESA

Efeitos devastadores da epidemia atingem os pobres das metrópoles

Em 22/05/20 10:54. Atualizada em 30/07/20 09:54.

Alerta é de pesquisadores da UFG, que defendem aplicação diferenciada das políticas de suporte à renda

Carolina Melo

No Brasil, onde 15% da população vive sem abastecimento de água e cerca de 36% das pessoas residem em domicílios sem a coleta de esgoto sanitário por rede coletora ou pluvial, a crise da pandemia desmascara a relação intrínseca entre a desigualdade espacial e a desigualdade social, especialmente nas grandes cidades. A constatação é dos pesquisadores do Observatório do Estado Social Brasileiro, vinculado ao Instituto de Estudos Socioambientais da UFG, que defendem a aplicação diferenciada, no território, de políticas de recomposição e suplementação de renda, de modo a centrar energias nas regiões metropolitanas e em suas periferias.

De acordo com os autores do estudo, as manchetes momentâneas da mídia brasileira, que ilustraram a concentração do vírus Covid-19 em bairros mais abastados das grandes cidades, como o Setor Oeste e Bueno em Goiânia, por exemplo, geram a falsa sensação de democratização da doença e socialização dos riscos. No entanto, alerta o relatório, a imagem sensibilizadora das covas coletivas, em algumas regiões do País, “não revela o conteúdo dos caixões, compostos por pobres privados de sua individualidade”.

A densidade demográfica das grandes cidades somada à falta de infraestrutura de saneamento potencializa os efeitos devastadores da epidemia, que atingem especialmente a fração mais socialmente vulnerável da sociedade. “Ser velho e pobre em países como Espanha ou Itália, que ainda guardam os benefícios da proteção de um Estado-Social, é bem diferente do que ser velho e pobre no Brasil. É igualmente distinta a situação de um trabalhador formal, que pode se manter em home office no Setor Bueno, em Goiânia, com um trabalhador informal que trabalha no polo têxtil da região da 44, mas que mora no conjunto JK, afastado cerca de 20km do seu ‘local de trabalho’”, afirmam.

A suposição da democratização da doença cai por terra, também, quando se leva em conta o acesso aos hospitais. Como as áreas mais abastadas tiveram notificação da doença mais ágil, a sua população foi primeiramente atendida pela infraestrutura hospitalar privada e pública. Assim, “não passaram pelo constrangimento da escolha ou mesmo pela espera por leitos de UTI no Sistema Único de Saúde (SUS)”, observam os pesquisadores. Por outro lado, o atraso nas notificações de casos da Covid-19 nas áreas periféricas resulta em uma demanda intensa em um sistema de saúde já congestionado. “Portanto, aos pobres caberá a escolha entre ‘quem viverá ou morrerá’”.

Por mais cruel que possa ser, o diagnóstico de Guilherme Benchimol, fundador da XP Investimentos, expressa a realidade de um país comandado pelas elites rentistas: “... O pico da doença já passou quando a gente analisa a classe média, classe média alta.” - ironicamente, não foram os pobres os primeiros a depender do Sistema Único de Saúde (Relatório Celeiros da Pobreza Urbana: Suplementação de renda e isolamento social em ambientes metropolitanos em tempos pandêmicos – IESA/UFG)

Dificuldade de se isolar nas periferias – Outro fator que ilustra as diferenças na dimensão da crise da pandemia, por território e renda, é a dificuldade de cumprir o isolamento social por quem vive nas periferias das capitais brasileiras. Enquanto principal estratégia de contenção da transmissão do vírus, o isolamento social se torna um “projeto irrealizável” para essa parcela da população das grandes cidades que vive em ambientes superpovoados e sem condições mínimas de conforto térmico, acústico e de higiene. Nesses ambientes, “a reprodução da vida, na escala domiciliar, em virtude da densidade da ocupação, transforma o isolamento social em tortura”, destaca o estudo.

Observatório IESA

E não se trata de escolha, garantem os pesquisadores da UFG. Afinal, são pessoas que moram em áreas superpovoadas e sem infraestrutura sanitária e, mais, muitas vezes ocupam uma série de atividades caracterizadas como serviços essenciais. “A decisão de arriscar-se nos trabalhos precários nas casas de patrões ou em motos e bicicletas pela cidade e até mesmo na litúrgica humilhação na busca por R$ 600,00 jamais pode ser interpretada como escolha”.

A escolha, no caso, “transforma-se em dilema”, adquire “contornos dramáticos”, e “não deveria existir em sociedades democráticas”. De acordo com o relatório, a engenharia que leva parte da população a acionar a cidade para trabalhar como forma de garantir a subsistência aumenta as possibilidades de contágio e consequentemente da contaminação comunitária. Isso sem considerar o crescente números de pessoas sem-teto que ocupam as ruas da cidade. “A tragédia, com a proximidade do inverno, será inevitável, cenário que será repetido em outras cidades do planeta”.

Presença do Estado - Para os pobres descapitalizados das capitais do País, é urgente o suporte de renda para a garantia da sobrevivência durante a crise. “Não há solução para amenizar os efeitos da pandemia, senão a forte presença do Estado”, afirma o relatório, tanto no fortalecimento do sistema de saúde pública, quanto na implementação e aprimoramento das políticas de transferência de renda direta e indireta.

No entanto, continua o relatório, diante do custo de vida e da erosão da renda, os pobres da periferia metropolitana dificilmente vão conseguir sobreviver sem aportes de renda suplementar que ultrapassem o valor de R$ 600,00 e o período de três meses. “A situação demanda um programa de suplementação de renda que permita, ao mesmo tempo, estimular o consumo local e garantir a subsistência, algo difícil de se imaginar quando consideramos R$ 600,00, por três meses”.

Ao defenderem que os recursos devem ser empregados de forma diferenciada no território, os pesquisadores admitem a dificuldade de caracterizar por renda as regiões metropolitanas do País, mas consideram necessário, uma vez que a pandemia continuará "afetando, de formas diferenciais, a população mais vulnerável” dessas regiões.

Observatório IESA

São nas metrópoles, de acordo com o relatório, que concentram as pessoas que lidam com a precarização do trabalho, o desemprego, o alto custo de vida e com as moradias sem infraestrutura sanitária. “Trata-se da população mais vulnerável, dispersa nas periferias das grandes cidades”. Na avaliação dos pesquisadores, essa diferença territorial deveria ser considerada como porto de partida para a execução de programas de recomposição e suplementação de renda na escala nacional.

O relatório, produzido pelos professores e publicado no site do Observatório, também foi divulgado como manuscrito, de forma antecipada, pela revista Visa em Debate da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). De acordo com a revista, o manuscrito não editado e aceito pela publicação foi disponibilizado “como um serviço aos autores e leitores”.

Acesse aqui o relatório completo

Leia aqui o manuscrito, publicado pela revista Visa em Debate

Fonte: Secom

Categorias: Observatório destaque Humanidades Iesa