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Universidade Federal de Goiás
panorama

PANORAMA

Em 25/11/20 09:37. Atualizada em 15/12/20 13:31.

O antirracismo nas redes

Valéria Oliveira Lopes*

A influência das redes sociais no nosso dia-a-dia se tornou inegável. Todas as tendências passam pelas redes, Instagram, Twitter, Facebook e muitas outras. E no ano de 2020, um dos temas populares na rede tem sido o antirracismo. Ao longo desse ano, presenciamos em nível internacional a seriedade das tensões raciais existentes e a dimensão das desigualdades sociais. Com a pandemia, vimos a população negra ser colocada em posição de vulnerabilidade frente a uma emergência de saúde. Em junho, presenciamos uma série assassinatos de pessoas negras, João Pedro no Brasil e George Floyd nos Estados Unidos, ambas as mortes geraram uma enorme comoção pública. E por fim, no mês e na véspera da consciência negra, ocorreu em Porto Alegre, o absurdo caso do João Alberto, morto no Carrefour.
O termo antirracismo foi popularizado pela intelectual brasileira Djamilla Ribeiro a partir do lançamento do seu livro Pequeno Manual Antirracista, em novembro de 2019. No livro, Djamilla descreve formas de se ser antirracista, seu livro foi extremamente citado ao longo do ano em postagens no Instagram e Twitter. A presença de discussões sobre questões raciais nas redes sociais certamente força a entrada do tema na mídia formal. Todavia, a grande questão é: qual a efetividade real do antirracismo digital?
Em junho deste ano, houve uma comoção a nível internacional acerca da violência policial contra a comunidade negra após a morte de George Floyd, um homem negro de 43 anos que foi asfixiado por policiais na cidade de Mineapolis nos Estados Unidos. Toda a ação foi gravada e o vídeo foi publicado na internet. A morte de Floyd gerou uma nova onda de protestos do movimento Black Lives Matter nos Estados Unidos e acabou funcionando como catalisador da revolta pelo mundo. Especialmente no Brasil.
O menino João Pedro, de 14 anos, foi morto em junho pela polícia militar no Rio de Janeiro. O caso aconteceu na mesma semana da morte de George Floyd, todavia, apenas ganhou notória visibilidade após o início da erupção dos protestos que tomaram as redes no mundo inteiro. Abrindo ainda a discussão sobre a importação da empatia.
Nesse contexto, houve um aumento abrupto na quantidade de postagens sobre racismo, ser antirracista, Vidas pretas importam e muitas outras. Entretanto, as vidas pretas importam mesmo? Ou importam apenas dentro do contexto social no qual é exigido que as pessoas, empresas e instituições se manifestem como antirracistas mas sem que sejam tomadas medidas reais para lidar com a situação?
É necessário que ocorra um reconhecimento da seriedade da questão racial no Brasil, para que a partir disso comecemos a trabalhar efetivamente contra, para além do antirracismo digital. Segundo o Atlas da violência desse ano, nos últimos 11 anos houve uma queda de 13% nos indíces de violências gerais, enquanto a violência contra negros subiu em 11,5%. As vidas negras precisam importar enquanto ainda estão vivas. E a realidade da vida da população negra é marcada por racismo, falta de oportunidades e desigualdade.
O negro no Brasil, além de enfrentar dificuldades para encontrar emprego, segundo o IBGE, recebem em média 31% a menos que um branco com a mesma qualificação, e essa diferença cresce para 45% quando falamos de ensino superior completo. Durante a pandemia, a população de baixa renda esteve em posição mais vulnerável durante a pandemia. Não somente, 75% da população mais pobre é negra, o que acarreta nos negros sendo os maiores afetados pela pandemia da covid-19.
Essa sequência de fatos prova que mais do que nunca é necessário que o racismo seja discutido abertamente, que a negação dos fatos seja deixada de lado e começamos a compreender a profundidade do racismo na nossa sociedade em geral. O mês da consciência negra é um dos momentos nos quais as questões raciais tomam a centralidade do debate nacional. E para além dos tradicionais eventos de consciência negra, com as redes, o número de posts abordando questões da negritude também sobe. Neste ano, às vésperas do dia da consciência negra, 20 de novembro, João Alberto foi morto por seguranças do Carrefour em Porto Alegre.
A morte brutal foi gravada, e pode ser facilmente encontrada na internet, o que deu maior visibilidade para todo o caso. Entretanto, a existência da gravação é o que diferencia o acontecido de outras tantas mortes de pessoas negras, que acontecem e não existe represália, nem responsabilização dos envolvidos. E as redes sociais podem desempenhar um papel importante nesse sentido, dando visibilidade às causas e especificamente ao movimento negro. Entretanto, esse ativismo de nada serve se ele se limita à posts vazios, sem uma pressão social que tenha como intuito gerar mudanças nas estruturas da sociedade.

É necessário que compreendam que apenas um post no Instagram por si só não tem efeito real caso se resuma apenas ao meio digital. Mas que as empresas que se denominam como antirracistas contratem mais pessoas negras desde os cargos mais altos até os cargos mais básicos. Que os Centros Acadêmicos que se denominam antirracistas busquem intelectuais negros para formar mesas-redondas e palestrar. E que todas as pessoas que querem ser antirracistas busquem rever as suas ações e, assim, serem antirracistas de fato. Para que, desta forma, o antirracismo digital não seja o fim mas apenas o começo.

Valéria Oliveira Lopes é Graduanda em Relações Internacionais pela UFG. Participante do Grupo de Estudos Pós-Coloniais. Atualmente estagia na Assembleia Legislativa de Goiás como coordenadora de comunicação do Projeto Politizar. 

O Jornal UFG não endossa as opiniões dos artigos, de inteira responsabilidade de seus autores

Fonte: Secom UFG

Categorias: colunistas Panorama FCS