Icone Instagram
Icone Linkedin
Icone YouTube
Universidade Federal de Goiás

Pesquisas curtas são mais interessantes Entrevista com Maria Immacolata Vassallo de Lopes

Em 16/06/10 07:32. Atualizada em 21/08/14 11:45.
Pesquisadora da Comunicação defende os resultados rápidos de produção de conhecimento na pós-graduação, muitas vezes chamado de produtivismo, e questiona as escolhas do aluno-trabalhador

Patrícia da Veiga e Elaine Gonzaga

 

“Antigamente, a universidade era uma universidade de elite. Apenas os filhos dos formados tinham acesso a ela. Salvo raras exceções, quem estudava dispunha de tempo integral. A universidade era concebida para ser cursada com calma, parte do tempo reservada aos estudos e parte aos ‘sadios’ divertimentos goliardescos, ou ainda às atividades nos organismos representativos”. Essa descrição é feita por Umberto Eco, sobre a realidade acadêmica italiana, na obra Como se faz uma tese, publicada em 1977 e, só no Brasil, reimpressa 21 vezes.

 

A observação de Eco é sobre como a universidade de seu país mudou ao longo do século XX, trazendo ao professor a realidade do aluno-trabalhador, que vive distante, divide sua jornada com outros afazeres e pode não ter os mesmos estímulos que os filhos da “elite”, jovens universitários de outros tempos. Eco introduz o tema em sua obra para justificar sua abordagem: se o perfil dos pesquisadores mudou, é preciso versar sobre a pesquisa e seus modos de fazê-la.

 

No decorrer de seus escritos, ele dá dicas valiosas aos estudantes. E avisa: nem menos de seis, nem mais de 30 meses para se encerrar uma investigação. Ou seja, não é preciso ter pressa para amadurecer a “tese”, nem é saudável alimentar a “neurose” de nunca contentar-se com os resultados.

 

Maria Immacolata Vassallo de Lopes, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade de São Paulo (USP), também falou sobre isso. Na aula magna ministrada para o mestrado em Comunicação, um curso ainda recente que se prepara para formar a sua terceira turma, ela narrou um pouco das condições de pesquisa criadas nas últimas décadas no Brasil.

 

O Jornal UFG e o site Jovens Jornalistas (laboratório de webjornalismo da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia), ao entrevistá-la, aproveitou sua explanação e sua experiência para saber mais sobre o tema.

 

O que quer dizer o fator tempo para a realização de uma pesquisa, principalmente para quem é iniciante no processo? Sua natureza muda, conforme o prazo estipulado?

 

Não conheço trabalho atual cuja qualidade piorou ou melhorou por causa do tempo. Interessante isso, não é? O que nós temos são opiniões. Se você me perguntar o que eu acho do formato do mestrado, especificamente, eu acho que até 30 meses é um bom formato. Porque a questão do mestrado é uma coisa brasileira e até latino-americana. Em outros lugares o doutorado é direto, ou seja, o estudante sai da graduação para o doutorado. Mas as condições são outras, inclusive o modo como essas pessoas foram formadas ao longo da vida. Aqui no Brasil o mestrado sempre foi pensado como uma fase para o doutorado. Seria mesmo para assumir que o mestrado, para muita gente, é o primeiro projeto de pesquisa. Não se pode, portanto, exigir muita coisa. E quem faz o mestrado quase sempre continua o doutorado. Logo, é uma etapa. Se você pensar bem, idealmente, dois anos de mestrado e quatro de doutorado, que seriam seis anos no total, é um bom tempo para aprofundar-se em um projeto. Antigamente, não é que se tinha muito tempo, mas é que o tempo não era muito delimitado.

 

Na opinião da senhora, a velocidade, ao produzir conhecimento, implica o quê?

 

Isso também depende muito da área. Na grande área de Humanas, quem mais protesta contra o “produtivismo” das agências, da velocidade em formar o pesquisador, são os filósofos. Porque o modo de produzir deles é outro. E, de fato, deve ser um problema muitíssimo sério, a ponto de que os maiores filósofos, os maiores nomes da Filosofia não passariam hoje com um currículo Lattes sem registros de produção. Não penso que seja produtivismo, se começarmos a pensar a pesquisa curta. Olhar quanto tempo a pessoa tem para se formar. Existem outros fatores a serem considerados. Quando se fala que é pouco, está se pensando naquela pessoa que não se dedica apenas ao mestrado. Ela trabalha. Mas, como fazer valer do tempo que se tem disponível se não há dedicação exclusiva?

 

Não dedicar-se exclusivamente aos estudos seria dado da atual realidade da pós-graduação no Brasil?

 

Na Comunicação, temos muitos casos assim. Eu vejo isso cada vez com mais preocupação. Não se interessam por bolsas, porque não podem deixar de trabalhar. E quanto mais se pede para as agências, menos bolsas vêm. Se eu não peço mais, eles vão avaliar que não estamos precisando. Aí que não vem mesmo.

 

Então, para o campo da Comunicação, desde que haja dedicação exclusiva, pesquisas realizadas em um curto prazo de tempo podem ser viáveis e até mais interessantes?

 

Sim. Mas, como já disse, é uma questão de opção. Se a pessoa vai trabalhar fazendo o mestrado, aí eu realmente concordo que o tempo é curto. Deveria colocar para essa pessoa: “será que não teria de fazer um sacrifício, já que quer se dedicar a estudar a Comunicação?”. É uma questão de opção. Não adianta pensar que vai ter o valor da bolsa para que possa deixar de trabalhar. Se a pessoa se dedicar pouco, que tipo de trabalho pode sair? Agora, se você tem bolsa para fazer em dois anos, não usa e não se dedica completamente a isso porque não pode parar de trabalhar, é uma questão sua de vida. Não há outra forma. Se a pessoa diz: “Eu trabalho e estudo”, está assumindo uma opção e a forma como vai fazer sua pós-graduação. Em outras áreas, como a administração, todos trabalham, porque seus mestrados são tipo MBA. Já em áreas como a Física, apesar de ser uma “área dura”, é um curso teórico. O aluno só entra se tiver bolsa. Eles só vão estudar, não vão trabalhar.

 Veja o conteúdo impresso no Jornal UFG, aqui.

Fonte: Ascom/UFG