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Universidade Federal de Goiás

Artigo: Conferência Municipal de Saúde: possibilidade de alargamento de direitos e de socialização da política

Em 10/04/11 23:29. Atualizada em 24/01/12 08:26.
Por Teresa Cristina Pires Favaro, Assistente Social do Hospital das Clínicas da UFG

Por ocasião do processo de redemocratização da sociedade brasileira, foi criado o Sistema Único de Saúde (SUS), como expressão da luta dos trabalhadores organizados. Com destaque para o Movimento de Reforma Sanitária, que teve como marco histórico a VIII Conferência Nacional de Saúde (1986) e, posteriormente, a Constituição de 1988, que sinaliza com um arcabouço jurídico de ampliação dos direitos sociais, ao afirmar os princípios da democratização, da equidade e da justiça social que assegurem universalidade de acesso aos bens e serviços inerentes aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática por meio do controle social e da participação popular.

O controle social, no âmbito do SUS, efetiva-se mediante a participação popular na construção, nas decisões e acompanhamento dessa política. Ou seja, é um eixo privilegiado, por meio do qual a sociedade civil organizada participa, opina e decide sobre o Plano Municipal de Saúde, seu processo de execução, avaliação, bem como sua fiscalização.

Nessa dimensão, a saúde, conforme inscrita na Constituição de 1988, é responsável pela definição de importantes dispositivos no que refere à descentralização do poder federal e a democratização das políticas no que tange à criação de um novo pacto federativo. Isso implica dizer que o município é um ente autônomo da federação, transferindo para a esfera local novas atribuições e recursos públicos capazes de fortalecer o controle social.

Como se pode ver, a saúde constitui-se elemento importante da democracia e da cidadania, ao assegurar direitos e também pelo caráter revolucionário e de consenso, em razão de ser, essa política, um campo privilegiado de lutas de classes, em que se disputam diferentes projetos societários.

O controle social pela participação popular é entendido, nessa perspectiva, como um espaço de representação da sociedade, no qual se articulam diferentes atores, representantes dos movimentos populares, entidades de classe, sindicatos, gestores, entidades jurídicas, prestadores de serviço, com vistas a construir uma política de saúde voltada para os reais interesses da maioria.

As Conferências de Saúde expressam, juntamente com os Conselhos de Saúde, o exercício do controle social inscrito na Constituição/1988, assegurado como um direito regulamentado pela Lei 8.142/1990. As Conferências se realizam na esfera federal a cada quatro anos, na estadual e municipal a cada dois anos; e a convocação fica a cargo do gestor de cada esfera de governo. Sua representatividade é semelhante à dos Conselhos, composta por usuários, trabalhadores e gestores públicos da saúde e prestadores de serviços privados, escolhidos como delegados.

Destaca-se que essas instâncias não são os únicos espaços para o exercício do controle social, há outros mecanismos, como: Ministério Público, PROCON, audiências públicas, os meios de comunicação oficiais, os alternativos e os conselhos de profissionais.

O exercício do controle social junto às políticas públicas é uma construção desafiadora em decorrência da formação histórica brasileira, centrada no modelo tradicional de dominação patrimonialista, oligárquica, clientelista, que impõe uma prática política e uma cultura mediada pela integração das camadas populares, por meio do clientelismo, da política populista, da ocupação da esfera pública pelas elites dominantes e da ausência das classes subalternas no poder decisório.

Nessa assertiva, o controle social consiste em uma experiência importante na história da política social brasileira. Tratar do controle social, na ótica da sociedade civil organizada, é trazer ao debate o papel da participação popular na construção do SUS e dos direitos sociais.

A Conferência, no âmbito federal, foi instituída pelo presidente da República Getúlio Vargas, em 1941, como forma de estabelecer uma articulação entre a União e os estados, para, nestes, fortalecer os projetos de expansão e padronização das ações de saúde e, ainda, regular o fluxo de recursos financeiros. Não tinha, porém, caráter deliberativo. Em todo esse período, as Conferências passaram por profundas reformulações, que em maior ou menor escala refletiram nas políticas de saúde e no sistema nacional de saúde.

As Conferências como estratégias de exercício do controle social têm possibilidade de assegurar inovações políticas e institucionais no formato das políticas públicas brasileiras, apontando para reformas num país em que, quase sempre, a democracia colocou-se mais como exceção de que regra. Essas experiências, com todas as limitações e entraves, expressam a possibilidade de usuários, trabalhadores, romperem com a histórica centralização das gestões públicas e vislumbraram a possibilidade de ir além no acompanhamento e formulação das políticas públicas, em especial da saúde.

Estudos sobre o exercício do controle social por meio dos Conselhos e Conferências de Saúde nas diferentes esferas de governo, dentro das condições existentes, apontam haver indícios de um distanciamento entre o que está definido constitucionalmente e o que é efetivado. Registrou-se, por um lado, que práticas clientelistas ainda são reproduzidas, que há resistência dos gestores quanto a terem seus atos fiscalizados, que há uma burocratização das ações; por outro, identificaram-se bases para uma cultura de participação política, para a fiscalização da coisa pública e da sociedade civil como parceira na formulação da política de saúde.

Diante dessa afirmação, a realização da Conferência consiste em um momento privilegiado para a defesa da saúde pública, reforçando sua importância no sentido de avaliar a situação e propor as diretrizes para a formulação dessa política nas diferentes esferas de poder.

Em Goiânia, a I Conferência Municipal de Saúde, cujo tema “Municipalização é o Caminho” foi definido em discussão nacional, realizou-se outubro de 1991, cumprindo preceito da Lei Orgânica do Município. Em 2011, a partir do mês de abril, realizar-se-à a VIII Conferencia Municipal de Saúde, com o tema “Todos usam o SUS! SUS na Seguridade Social, Política Pública e Patrimônio do Povo Brasileiro”.

A história das Conferências Municipais de Saúde neste município tem sido pouco pesquisada, e por isso é pouco conhecida, quase que restrita aos atores envolvidos nas discussões. É necessário criar estratégias que assegurem a visibilidade de suas ações para o fortalecimento desse espaço de democracia, principalmente pelo perfil conservador de nossa sociedade em suas relações sociais, avessa à participação das massas no poder decisório. O pleno exercício do controle social torna possível a ruptura dessa lógica.

Como metodologia de trabalho, a VIII Conferência Municipal de Saúde de Goiânia tem como proposta a realização das etapas Temáticas (abril), Distritais (maio) e Plenária Final (29 e 30 de junho e 1 e 2 de julho). Isso é bastante significativo, por contribuir com a verticalização das discussões da política de saúde, para além de ampliar a participação popular e tornar mais transparente o processo.

É fundamental, entretanto, garantir aos delegados presentes na Conferência uma participação qualificada e propositiva, a partir da capacitação, da divulgação do relatório de gestão detalhado, com linguagem acessível a todos, da análise da conjuntura, do diagnóstico da política de saúde nas três esferas, em especial a municipal, da prestação de contas daquilo que foi deliberado pela última Conferência e realmente efetivado. Isso assegura aos participantes a possibilidade de maior pressão sobre o poder público, visando assegurar os direitos prescritos em lei.

Embora o exercício do controle social por meio das Conferências de Saúde em Goiânia expresse avanços e recuos, tanto na democratização das decisões como na responsabilidade na gestão dessa política, tem-se, assim, a possibilidade de construção de uma esfera pública, na medida em que os diferentes sujeitos coletivos buscam transformar sua participação em demandas coletivas, e de superação da cultura clientelista e autoritária que perpassa as relações das políticas sociais públicas, em especial a de saúde.

Pelas razões expostas, embora essas instâncias – Conferências e Conselho de Saúde - não tenham alterado de maneira significativa o conteúdo e a forma das políticas governamentais, mesmo assim estão introduzindo novas perspectivas no âmbito público-estatal e, em nível restrito, estão possibilitando a socialização de informações sobre projetos, ações e financiamentos.

Nessa direção é fundamental retomar a agenda do Movimento de Reforma Sanitária, em especial no que se refere ao o controle social, de modo a colocá-lo na ordem do dia, conferindo-lhe uma dimensão educativa que, conforme argumenta a professora
Maria Inês Bravo (UERJ) “propiciem o aprendizado de um tipo de socialização, o partilhamento do poder e a intervenção em processos decisórios”.

Fonte: ASCOM/UFG