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Universidade Federal de Goiás

Violência Policial

Em 27/05/11 00:22. Atualizada em 24/11/14 14:13.
Instituições de segurança pública precisam ser revistas

 

 

Na foto Jaqueline Santana, Simone de Jesus, Djaci de Oliveira, Paulo César Pereira, Fábio Fazzion


Em que momento o uso da força é estimulado na atividade da segurança pública? Qual a responsabilidade das instituições quando um policial é agressivo ou violento, subjuga e, até mesmo, extermina? Há normas que deveriam ser revistas? Há modelos de policiamento que substituem desrespeito por confiança? Na edição n° 45 do Jornal UFG, a mesa-redonda traz uma reflexão sobre a violência policial, suas consequências, a reação da sociedade, bem como sobre formas de combatê-la. Participam deste debate o membro da Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, Fábio Fazzion; o professor da Faculdade de Ciências Sociais da UFG, Djaci Davi de Oliveira; o coordenador geral da Casa da Juventude Padre Burnier (Caju), Paulo César Pereira da Silva, e as policiais civis, papiloscopistas e integrantes do Conselho Nacional de Segurança Pública, Simone de Jesus e Jaqueline Santana Santos.

 

Kharen Stecca, Michele Martins, Patrícia da Veiga, Roberto Nunes e Silvânia Lima

 

Há casos em que a própria corporação ordena ao policial o uso da violência?

 

Simone Santana – O policial, quando recebe uma ordem, tem de cumpri-la. Caso contrário, pode sofrer uma série de sanções, até mesmo ser preso dentro do quartel. Uma cisma dos superiores pode prejudicar toda a carreira de um policial, pois tudo fica registrado no seu histórico. Há códigos que prezam o respeito à hierarquia e isso dá margem para uma infinidade de interpretações contra o trabalhador. Então, é preciso rever também os códigos, as regras, para que não haja abuso de poder.

 

Fábio Fazzion – Atualmente, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa atende policiais militares que estão sofrendo consequências por não terem cumprido ordens. Acontece que as ordens também podem ser equivocadas. Há também perseguições por pronunciamentos ou posturas tomadas diante da sociedade. Vale lembrar o caso do deputado Major Araújo que, por defender a categoria, foi marcado internamente.

 

Djaci de Oliveira – Em um curso de formação ministrado em Brasília, os policiais falavam que seria ótimo se pudéssemos discutir o tema dos direitos humanos também com comandantes. Afinal, no momento da atuação deles o superior poderia dizer: “Você fez o curso, mas aqui a ordem é do jeito que eu quiser”. Esse é um grande problema ao longo da história e pode, também, acabar sendo usado como argumento pelo próprio policial. Um carcereiro responsável pelo extermínio de milhares de judeus, na Alemanha Nazista, poderia afirmar exatamente isso: “Eu cumpria ordens, não tinha como negar”. Então, até que ponto a hierarquia também não é uma defesa e justificativa da violência? Eu recebo a ordem e então tenho o direito de atirar, isso me deixa livre? Isso mostra o quanto o processo é delicado e requer que repensemos o significado da hierarquia dentro da polícia. A lógica burocrática não deve prevalecer.

 

Paulo César Pereira – Só queria acrescentar que há relatos de policiais que são aposentados jovens ainda por invalidez. E essa invalidez é resultado dos desmandos da hierarquia. Por descumprirem uma ordem superior, os trabalhadores recebem até punição física. E chega um momento em que adoecem. A lei que tem de prevalecer é a que está na Constituição Federal ou a que está na cabeça de um comandante? Que lei queremos e o que os policiais devem cumprir?

 

Qual a opinião de vocês sobre a união entre o exército e as polícias civil e militar? É uma sinergia necessária?

 

Simone de Jesus – É preciso separar os costumes em comum entre exército e polícia de uma eventual ação conjunta. A PM, em sua formação, é ostensiva e voltada para o confronto, uma herança da ditadura militar. Seu treinamento é, digamos, para a guerra – o que é preciso discutir. Um assunto que surgiu na Conferência Nacional de Segurança Pública foi justamente a proposta de desmilitarização da polícia, que diz respeito à revisão de algumas “tradições”. Outro aspecto é o trabalho conjunto. Participei da ação pela Força Nacional e vi que, em alguns momentos, é preciso atuar com firmeza.

 

Fábio Fazzion – Quando falamos em desmilitarização referimo-nos ao desatrelamento da polícia militar ao costume da formação para a guerra. A alternativa a isso seria a composição de uma polícia única com um comando subdividido em funções específicas. Em vários países do mundo ocorre dessa forma: há o policiamento comunitário, o mais ostensivo e os grupos táticos. No entanto, nem os grupos táticos agem para matar. Na Conferência Nacional de Segurança Pública, muitos militares distribuíram panfletos com os dizeres “Se não for militar, vamos ter o caos”. Esse é um tipo de terrorismo, pois há lugares em que a polícia não é militar e a segurança pública não é o caos. Queremos os militares para a soberania nacional, para a defesa do Brasil. Mas a segurança pública deve ser feita por policiais não militares. Isso já foi colocado na Conferência Nacional de Juventude, em 2008, na 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, também em 2008, e, de forma mais incisiva, na Conferência Nacional de Segurança Pública, em 2009.

 

O que é polícia comunitária e qual a diferença entre polícia pacificadora e polícia cidadã?

 

Simone de Jesus – A ideia de polícia pacificadora diz respeito à ocupação de espaços em que não há presença do Estado. As unidades são implantadas e os policiais são orientados a ter uma relação educativa com a comunidade. No princípio, foi implantada no Rio de Janeiro. Hoje também existem unidades em Salvador. Apesar das críticas com relação a essa ideia de “ausência do Estado” e também com relação às diferentes situações de violência existentes nas duas capitais, me parece possível que essa ação venha a se estender. Em Goiás, não temos esses modelos. Existe um projeto de polícia comunitária, em que se faz reuniões com a comunidade para ouvir suas demandas. Mas não tenho mais informação a respeito.

 

Fábio Fazzion – Defendemos a guarda municipal para fazer essa segurança comunitária, tendo em vista que o policial militar muda de local com frequência e o guarda municipal não, fica na cidade. Um exemplo dessa natureza ocorre em Diadema (SP). A guarda trabalha em conjunto com as polícias civil e militar, mas não retira das polícias suas atribuições. Faz o diagnóstico de onde há mais violência e, assim, o Estado se faz presente de forma preventiva e atua quando necessário. Diadema saiu há dez anos de 111 homicídios por ano para cada 100 mil habitantes – a ONU fala de 8,5, para não dizer que se está vivendo uma epidemia de assassinatos – e baixou para 14 homicídios por ano. Foram políticas públicas e uma segurança pública cidadã que trouxeram esse resultado. Desejamos o mesmo para Goiás. Em Goiânia, a Secretaria de Defesa Social está começando a desenvolver um projeto semelhante. No mesmo período em que Diadema diminuiu em 89% o número de homicídios, Goiânia aumentou em 83%. Então, temos de reagir.

 

Qual a realidade dos conselhos de segurança, tanto o nacional como o local?

 

Fábio Fazzion – A riqueza da primeira Conferência Nacional de Segurança Pública, realizada em agosto de 2010, foi que participaram vários trabalhadores de baixa patente, seus chefes e a sociedade civil. Da conferência se estruturou o Conselho Nacional de Segurança Pública em uma lógica que segue a mesma proposta. Em Goiás nós vimos andando na contramão. O Conselho de Goiás foge dessa lógica e é formado apenas pela alta patente e por entidades da sociedade civil como a Ordem dos Advogados do Brasil/Seção Goiás (OAB/GO), a Associação Comercial e Industrial do Estado de Goiás (Acieg) e o Rotary Clube. Depois de um avanço tão grande, vem um governo estadual em 2011 e monta um conselho da forma mais antiga possível. Os trabalhadores não são incluídos, a sociedade civil não é eleita para fazer parte do conselho e, ainda, o governador indica quem vai participar. Isso é um atraso, temos um indicativo nacional de propostas de mudança e nosso estado se retrai a um sistema que não funciona.

 

Jaqueline Santana – A experiência que temos no Conselho Nacional de Segurança Pública é que a consciência da cidadania vem sendo amadurecida. Mas, em Goiás, ainda é preciso caminhar bastante para que a segurança pública saia apenas do meio policial e seja discutida pela sociedade civil. E somente assim teremos uma polícia menos violenta.

Fonte: Ascom UFG