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Universidade Federal de Goiás
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Repensando a Engenharia no contexto da crise

Em 30/05/16 16:39. Atualizada em 06/06/16 16:01.

Muitos cursos foram criados no Brasil. Em entrevista, presidente da Abepro fala sobre momento para repensar a atuação desses profissionais

Milton Vieira Júnior

 

Kharen Stecca

O campo da Engenharia teve grande crescimento nos últimos anos com o desenvolvimento econômico do país. Na mira desse mercado, muitos cursos de Engenharia foram criados no Brasil, muitas vezes com nomenclaturas bastante específicas e campos de atuação delimitados. Agora, em um momento de crise econômica, surge a necessidade de repensar a atuação desses engenheiros em um novo contexto. Esse foi o tema da abertura do IV Encontro do Centro-Oeste Brasileiro de Engenharia de Produção, realizado no fim de março no Câmpus Aparecida de Goiânia. Na abertura, participou da discussão o Presidente da Associação Brasileira de Engenharia de Produção (Abepro), Milton Vieira Junior. Ele também falou ao Jornal UFG sobre o papel do engenheiro neste novo contexto: “é preciso sair da zona de conforto e enfrentar novos desafios”.

Nos últimos anos, vimos surgir diversas ramificações da Engenharia. Qual a vantagem do surgimento dessas ramificações para o mercado?

A ramificação é decorrente da especialização que se criou para as engenharias. Há uma gama muito grande de habilitações que são aprofundamentos específicos de uma área ou de outra. Além disso, o desenvolvimento tecnológico promove essa ramificação e essa criação de habilitações; e, por diversas ocasiões, uma nova tecnologia serve como base para essas ramificações. Enxergo que há uma proliferação de habilitações com especificidades muito particulares, contrária à concepção de uma formação mais generalista e abrangente.

Não seria melhor criar especializações da Engenharia?

Muitas vezes o que se vê é a criação de habilitações com o objetivo de atender a demandas pontuais e específicas do mercado de trabalho. Entretanto, esses casos nem sempre têm a sustentação necessária, seja no campo teórico, seja no tecnológico, e acabam sofrendo com a baixa procura após um período de picos de demanda. O modelo de criações de cursos em função do mercado de trabalho não é benéfico, pois pode gerar a oferta de cursos com pouco tempo de vida no mercado. Cursos de Engenharia na área de Automação e Controle são um exemplo. Outro exemplo são os cursos de Engenharia com denominações atraentes, mas que acabam tendo estruturas semelhantes às dos cursos tradicionais. Nesses casos, os cursos de Tecnologia seriam mais adequados, pois têm duração menor e atendem com mais velocidade a esse tipo de demanda específica. As especializações também são um bom caminho para atender a tal situação.

Vivemos um boom na procura por mão de obra na área da Engenharia nos últimos anos, mas como a maior parte do mercado, a Engenharia também sofreu esse impacto da crise. Como o engenheiro precisa se reinventar para continuar nesse mercado?

Em primeiro lugar é preciso ter em mente que sempre há coisas a serem aprendidas, ou seja, nunca se conclui a formação do profissional de Engenharia. A tecnologia avança e é preciso estar atento a isso, caso contrário, a obsolescência profissional chegará em curto espaço de tempo. Num segundo momento, creio que a evolução técnica deve ser acompanhada por uma evolução cultural abrangente. Isso ajuda a emergir a criatividade necessária para essa “reinvenção”. E todo profissional da área de Engenharia deve ter em mente que há algumas “soft skills” (competências pessoais) que devem ser sempre desenvolvidas: liderança, ética e integridade, comunicação oral e escrita, dentre outras.

O empreendendorismo é um caminho para os novos engenheiros?

O país está cerca de três décadas atrasado em termos de desenvolvimento de inovações. Isso abre um campo enorme de atuação para o profissional de Engenharia que quer empreender. Porém, deixo isso bem claro, é preciso desenvolver novas tecnologias, ou seja, não se deve buscar empreender com ideias conservadoras, é preciso sair da “zona de conforto” e enfrentar novos desafios. O Brasil precisa de novos empreendedores com capacidade de inovar e com muita criatividade.

Sobre o Brasil desenvolver novas tecnologias: qual o papel da pós-graduação nesse processo? Ela tem conseguido alavancar essa necessidade ou ainda se prende apenas à docência?

A pós-graduação deveria ter um papel de fomento nesse processo. É nos cursos de pós-graduação stricto sensu que existe a maior possibilidade de geração de novos conhecimentos e de novas tecnologias. Entretanto, durante anos privilegiou-se apenas a geração do conhecimento e a publicação de artigos em periódicos, principalmente em língua estrangeira. A geração da nova tecnologia, o registro de patentes derivado do desenvolvimento de novos produtos, tudo isso foi deixado em um plano menor em função da obrigação de publicar artigos em periódicos qualificados. Com isso, ocorreram diversos casos de conhecimentos desenvolvidos aqui no Brasil em que o produto decorrente disso (a tecnologia) foi desenvolvido em outros países. A pós-graduação ainda tem que assumir o papel de gerador de novas tecnologias, mas é preciso que as políticas de avaliação mudem para incentivar isso. Alguns passos já estão sendo dados, quando a avaliação começa a considerar que pedidos e registros de patente, de software e outros processos similares podem ser pontuados em benefício dos cursos de pós-graduação.

Muitos engenheiros têm procurado sair do país, seja para se especializarem ou para tentar novos rumos. Como tem sido essa internacionalização da profissão?

É preciso entender o benefício que essa saída para o exterior pode trazer. De nada adianta sair e atender a cursos que sejam iguais ou inferiores aos que se oferecem no Brasil. Para buscar uma experiência internacional é preciso que ela seja melhor e mais intensa do que se conseguiria aqui. Para fazer um mestrado ou doutorado no exterior é preciso que haja o contato com novas tecnologias e a orientação de pesquisadores de renome, melhores do que se teria no país, caso contrário, seria uma simples saída para trabalhar com alguém que vai acrescentar menos na formação do que o que se encontra no Brasil. A experiência internacional é importante quando bem estruturada. Sair do Brasil em busca de experiências e ir trabalhar como garçom ou lavador de copos em bares no exterior não é uma experiência que acrescente algo em termos profissionais. Em muitos casos, nem mesmo um aperfeiçoamento da língua estrangeira isso traz, pois o convívio pode se dar com pessoas que também não têm o domínio da língua ou que utilizam muitas gírias para se comunicar; isso em nada acrescenta à formação profissional.

 

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Categorias: entrevista Engenharia Empreendedorismo Edição 79 #Entrevista