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Universidade Federal de Goiás
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Olimpíadas 2016: legado para o esporte?

Em 06/07/16 17:08. Atualizada em 08/07/16 10:39.

Convidados debatem sobre esporte no Brasil e discutem vantagens e desvantagens da realização do evento no país

Ascom, TV UFG e Rádio Universitária

As Olimpíadas do Rio, tão aclamadas por anos no Brasil, finalmente estão chegando. Em meio a uma crise política e econômica, o assunto que deveria ter tomado a pauta durante os últimos meses acabou ficando em segundo plano. Será a primeira vez que evento será sediado na América do Sul e a segunda vez na América Latina, depois da Cidade do México, em 1968.

As instalações esportivas do Parque Olímpico do Rio de Janeiro, no bairro da Barra da Tijuca, deve compor o Centro Olímpico de Treinamento para atletas de alto rendimento, capacitando a cidade para sediar competições esportivas dos circuitos internacionais. Mas, além disso: o que fica? Sabemos que diversos projetos que seriam considerados como legados, dentre eles a despoluição da Baía de Guanabara e de rios da região, não serão concluídos. E para o esporte? O Brasil conseguiu avançar em algum ponto? Como fica a formação dos atletas? O esporte paralímpico ganhou maior incentivo?

Para discutir as vantagens e desvantagens da realização de um evento desse porte no país, convidamos o técnico da seleção brasileira feminina de vôlei sentado, José Guedes, o professor da Faculdade de Educação Física e Dança da UFG (FEFD), Wilson Lino, e o Superintendente Executivo de Esporte e Lazer de Goiás, Júnior Vieira.

 

O governo federal criou o Plano Brasil Medalha e adicionou R$ 1 bilhão aos recursos estatais aplicados na preparação de atletas. Até Londres-2012, o governo investia R$ 1,5 bilhão nesses atletas durante quatro anos. De 2012 a 2016, deveria investir R$ 2,5 bilhões. Esse recurso tem sido suficiente para a formação dos atletas brasileiros?

Júnior Vieira – Acho que o dinheiro nunca é suficiente e sabemos que o esporte no Brasil ainda tem que avançar muito para que possamos chegar ao nível dos países de primeiro mundo, como Estados Unidos ou China, que disputam as melhores medalhas. O Brasil está aquém porque os governos federal, estadual e municipal ainda não investem o suficiente. No entanto, essa é uma questão cultural: precisamos começar com as crianças, incentivando o esporte nas escolas. Acho que o Brasil já melhorou muito nos últimos dez ou vinte anos, mas temos muito que melhorar.

Wilson Lino – Um marco significativo para pensarmos nisso é o ano de 2003, com a constituição do Ministério do Esporte, porque até então o Brasil não tinha uma organização que dava um caráter de relevância para a política nacional de esporte. A partir daí o sistema esportivo no Brasil passa a ser melhor organizado, embora ainda seja necessária a criação de um sistema nacional de esporte. No entanto, o que existe já tem dado algumas contribuições, tendo em vista as condições objetivas do país. Dessa forma, pensar a formação de atletas com excelência esportiva é pensar uma dimensão da formação humana a partir do esporte. É importante registrarmos que a compreensão do esporte como fenômeno cultural que contribui para o desenvolvimento humano e, portanto, deve ser acessível a todos, é uma coisa. Excelência esportiva, que é o esporte de alto rendimento, que vai disputar medalhas e participar de performances esportivas que exigem grande desempenho humano, já é outro momento. Quando falamos de olhar para a escola a partir do esporte de rendimento, temos um problema, porque não deve ser essa a ideia do esporte. A ideia do esporte é para a formação humana e o esporte de alto rendimento é um momento dessa formação. O Brasil tem investido prioritariamente no esporte de alto rendimento, o que talvez seja um problema nosso, pensando na descontinuidade do atleta. Acabamos investindo somente na elite, sem a preocupação de garantir à população brasileira o acesso ao esporte. A partir desse acesso, as pessoas podem escolher algumas práticas e aí, quem sabe, dentre esse conjunto de pessoas, algumas queiram se especializar. O esporte parece que tem servido no sentido de mudança de classe social, num país subdesenvolvido cuja desigualdade se dá em todas as dimensões, inclusive no acesso às práticas esportivas.

José Guedes – Quando falamos de investimentos no esporte, no Brasil é muito comum você olhar de um local equivocado. As pessoas geralmente olham para o topo da pirâmide, onde estão os atletas de excelência, e de cima olham lá para baixo, pensando que é necessário formar atletas de excelência para chegar lá. O ideal seria olhar de baixo para o topo da pirâmide, com uma formação ampla e alto investimento. E, dessa forma, não entra na categoria educacional, porque as pessoas associam diretamente com a escola, e não é da escola a responsabilidade de formar atletas. É preciso investir na base da pirâmide e aí sim olhar no topo e saber quem vai chegar a essa excelência. Querer ser um atleta de excelência não depende só da vontade, são necessários outros fatores que vão contribuir para isso. Estamos falando de jogos olímpicos e paralímpicos, da excelência esportiva existente no planeta Terra, não estamos falando de pessoas comuns. Um atleta olímpico ou paralímpico é uma pessoa que se diferencia dos demais na sociedade. Acerca dos investimentos, penso em dois marcos históricos para o desenvolvimento do esporte no Brasil: a criação do Ministério do Esporte e a criação da Lei Agnelo Piva, que destina parte dos recursos das Loterias Caixa para o esporte no Brasil. Assim, as Loterias passam a ser um financiador direto do esporte, mas ainda com um foco maior para o topo da pirâmide, trazendo novamente esse olhar invertido. Só recentemente foi feita uma alteração nessa lei para que os clubes formadores, aqueles que trabalham com a base, possam também receber recursos oriundos dessa fonte de financiamento, porque hoje são os clubes os principais formadores de atletas no Brasil. Em relação aos atletas paralímpicos, há uma lacuna maior, porque eles ainda não estão nesses clubes. As pessoas com deficiência, desde a infância até a juventude, começam suas práticas esportivas a partir de projetos que entidades de defesa de direitos de pessoas com deficiência começaram a desempenhar no início dos anos de 1980, com o processo de redemocratização do país. Aqui em Goiás, por exemplo, temos associações muito fortes, que surgem como organizações, mas não são clubes esportivos. Quando vamos para uma paralimpíada, eu não posso trabalhar com o conceito social do esporte, mas com o esporte de alto rendimento, o qual se faz em clubes e se caracteriza como uma outra dificuldade que nós temos.

 

Jornal UFG 80

Quando falamos de olhar para a escola a partir do esporte de rendimento, temos um problema, porque não deve ser essa a ideia do esporte

 

A crise política e econômica que vivemos no Brasil pode afetar de alguma forma a realização das Olimpíadas?

Wilson Lino – Sim, os movimentos populares manifestam em diversos momentos uma indignação social. Nesse país de desigualdades que todos conhecemos, os investimentos maciços foram feitos apenas em determinadas localidades. Por exemplo, no Rio de Janeiro, estado com mais de cinco milhões de habitantes, os investimentos massivos foram feitos apenas na Barra da Tijuca (região da cidade onde se localiza a Vila Olímpica); o que a população identifica como uma qualificação da vida somente daquelas pessoas que moram no entorno. E os demais, as pessoas da favela e o povo carioca, em certa medida se sentem indignados. Tendo em vista também as últimas manifestações políticas que tiveram grande visibilidade no cenário nacional e internacional, provavelmente teremos mais mobilizações. Porém, essas mobilizações políticas, a tomada da rua, não é de todo ruim, é um movimento compreensível. Do ponto de vista da segurança, da tecnologia e da qualificação dos quadros, não temo muito, mas acredito que ocorrerão mobilizações, principalmente porque as Olimpíadas acontecerão no período em que o impeachment da Dilma estará tomando um contorno final.

Júnior Vieira – Acho que estamos atravessando uma das maiores crises políticas e econômicas do Brasil e o cenário ainda não está definido. Isso é grave, acho que poderão haver movimentos. Estive no Parque Olímpico, no Rio de Janeiro, e realmente até a linha de metrô que vai para a Barra teve um investimento fabuloso. Mas isso, só na área onde ocorrerão os jogos. O evento será no Brasil, no entanto, foi escolhida apenas uma capital para sediar as Olimpíadas, o Rio de Janeiro, que recebeu investimentos e, ainda assim, como foi dito, isso não aconteceu na cidade toda. Sendo assim, a única coisa que aconteceu no Brasil foi a passagem da Tocha Olímpica.

José Guedes – Havia uma grande expectativa para a realização dos jogos no Brasil, as pessoas trabalharam esse conceito de que o Brasil ganharia uma visibilidade, mas que, nesse momento, concentra-se apenas no Rio de Janeiro. Há uma grande preocupação em relação à crise econômica e política, pois desde que foi anunciado o Brasil como país sede, tivemos continuidade na política, que foram os governos do PT. E, no momento final, há essa mudança na gestão, e no Brasil, infelizmente temos uma cultura da descontinuidade de políticas públicas. Portanto, esse fato, na reta final dos jogos onde o principal investimento é público, nos preocupa, inclusive, com a preparação das equipes, das delegações, que dependem de recursos públicos.

 

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Nós estamos falando de jogos olímpicos e paralímpicos, estamos falando da excelência esportiva existente no planeta Terra, não estamos falando de pessoas comuns

 

A Olimpíada vai deixar algum legado positivo para o Brasil? Como o esporte paralímpico será beneficiado pelas Olimpíadas?

José Guedes – Em relação ao legado, temos alguns aspectos para trabalhar. A estrutura física fica, mas tivemos experiências ruins com o legado dos jogos Pan-americanos no Rio 2007, porque menos de dez anos depois algumas estruturas já não podem mais ser utilizadas. No caso do esporte paralímpico, o principal legado é que o Brasil ganhou um centro paralímpico de treinamento de excelência em São Paulo, que é melhor do que os melhores do mundo e atende 15 das 20 modalidades paralímpicas em um único local, com estrutura de hotel, academia, piscina, ou seja, toda estrutura para que o atleta alcance a sua excelência. O segundo ponto, que talvez seja o mais importante, é o legado da mudança de paradigma em relação às pessoas com deficiência. As pessoas com deficiência são um segmento da sociedade que, historicamente, têm lutado pelos seus direitos, muitas vezes em lutas isoladas, mas que trazem conquistas para o coletivo. Os conceitos que serão modificados a partir dos jogos vão ajudar as pessoas com deficiência. O presidente do Comitê Paralímpico Internacional, questionado sobre o principal legado dos jogos do Rio, disse esperar que as pessoas enxerguem um atleta paralímpico não pela sua deficiência, mas pela sua capacidade de realizar determinadas atribuições. E é isso que necessitamos, que as pessoas com deficiência ingressem no mercado de trabalho e tenham uma vida social, mas as pessoas enxergam apenas a deficiência e não o potencial.

Wilson Lino – Para que possamos pensar a discussão sobre legado, temos que retornar um pouco no tempo e lembrar quais foram as promessas quando estavam cogitando trazer esses megaeventos esportivos para o Brasil, a partir de 2007 com o Pan-americano, depois os Jogos Mundiais Militares, a Copa do Mundo e agora as Olimpíadas. É um conjunto de megaeventos esportivos, em geral, associados com um determinado sentido do esporte, o espetáculo, o alto rendimento. Mas temos de olhar para os impactos desses eventos para o Estado e para a população, que não são diferentes de outros países do mundo. Por exemplo, o professor da UnB, Fernando Mascarenhas discutiu recentemente em programa da TV UnB que ele tem estudado os impactos dos eventos esportivos e tem visto que a prática esportiva cai nos países que sediam as Olimpíadas. O aumento é na chamada atividade passiva com relação ao esporte: formamos novos telespectadores, aumentamos a veiculação da cadeia produtora em torno do esporte e há uma mercantilização das práticas esportivas, mas a prática pela população diminui. Essa é uma questão para refletirmos. Nesse sentido, pensar o legado em termos de infraestrutura, é pensar no esporte de alto rendimento. A pista de atletismo que temos aqui na Faculdade de Educação Física e Dança da UFG, onde foram investidos aproximadamente seis milhões, é uma pista para que haja competições de alto nível. Mas e a nossa comunidade acadêmica? De que maneira podemos garantir o acesso a esse espaço para a prática de esporte e lazer? Eu vejo com dificuldade isso, porque por conta do alto investimento, os cuidados com a utilização demandam garantia de acesso para um conjunto menor de pessoas. Uma outra questão é relativa ao Sistema Nacional de Esporte, criado no começo do governo Lula, com a criação do Ministério do Esporte e a organização das conferências nacionais, quando a população brasileira participou e demandou a criação do sistema, que antecedeu a realização dos megaeventos esportivos no Brasil. Em 2006 realizamos a segunda Conferência Nacional do Esporte, tendo a criação do Sistema Nacional de Esporte como tema. Em 2007, com um grande evento começando, ouve um abandono dessa discussão. Penso então, que o nosso maior legado, que seria a criação e o funcionamento do Sistema Nacional de Esporte, não será consolidado, o que é a perda de uma grande oportunidade.

 

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O evento será no Brasil, no entanto, foi escolhida apenas uma capital para sediar as Olimpíadas, o Rio de Janeiro, que recebeu investimentos e, ainda assim, como foi dito, isso não aconteceu na cidade toda. Sendo assim, a única coisa que aconteceu no Brasil foi a passagem da tocha olímpica

 

Júnior Vieira – Talvez, com o final do ciclo dos grandes eventos, nós retomemos essa discussão, porque ela é importante. Não adianta você ter o atleta de excelência lá na ponta se você não tem, dentro do seu próprio país, um programa estruturado e organizado dizendo como deve ser feita a formação de pessoas para trabalhar e vivenciar o esporte, não pensando somente no topo da pirâmide. O Canadá, por exemplo, tem um programa esportivo voltado para crianças a partir de seis anos, onde não vislumbram o topo da pirâmide. O programa esportivo canadense tem um único objetivo: não ter uma população obesa, porque a obesidade dá um grande prejuízo para o governo e eles precisam trabalhar a prevenção e encontraram essa ferramenta no esporte. Eles não investem para formar atletas de ponta.

José Guedes – Com essa mudança de governo, o Ministério do Esporte só não foi extinto por causa das Olimpíadas. O meu medo é que seja, e que esse trabalho que avançamos de 2003 até agora, possa ir por água abaixo depois que esses grandes eventos esportivos no Brasil passarem. O esporte também é, infelizmente, sempre usado politicamente. O legado a ser deixado pelas Olimpíadas, além da parte física, deveria ser o de a população praticar mais esporte, mas isso já está comprovado que não acontece.

Wilson Lino – Dentro do Ministério do Esporte, existe um grupo de trabalho organizando o Sistema Nacional do Esporte. A questão é que ele perdeu centralidade com esses megaeventos esportivos. Outro fenômeno que acontece é que há interesses por conta de quem administra o esporte no Brasil. Então, não sejamos ingênuos de acreditar que não existem forças que se beneficiam da forma pela qual o esporte se constitui hoje, já que essas forças são muito grandes e estão no Brasil há mais de 20 anos. Então, estamos observando um fenômeno dizendo que o esporte tem que ir para a escola, que a escola tem que formar atletas, que a ideia é colocar a escola como a base de formação da pirâmide para a formação do atleta. Isso é altamente excludente. As aulas de Educação Física deveriam propiciar a formação das pessoas para as práticas corporais, esportivas, lúdicas e expressivas. Esse discurso de base, de que a escola deve formar, causa um impacto na Educação Física, na formação inicial dos professores, nas políticas que nos fazem retroceder 20 anos. Os avanços conquistados para garantir teorias pedagógicas da Educação Física, que dão conta da complexidade que é a cultura corporal, acabam sofrendo com essa verticalização de uma ideia de que é o alto rendimento o único sentido que deve indicar as ações dos professores de Educação Física na escola. Um legado às avessas.

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