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Universidade Federal de Goiás
Ekaterina

Uma carreira transformada em ensinamentos

Em 30/08/17 09:47. Atualizada em 30/08/17 15:58.

Servidora técnico-administrativa aposentada foi a primeira a receber título de Notório Saber na UFG

Ekaterina

Texto: Angélica Queiroz

Foto: Ana Fortunato

A servidora técnico-administrativa aposentada do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), Ekaterina Akimovna Botovchenco Rivera, recebeu, no mês de julho, em sessão solene da Assembleia Universitária, o título de Notório Saber, reconhecimento pelo seu trabalho em várias disciplinas das Ciências Biológicas e da Saúde, como Medicina, Farmácia, Odontologia, Medicina Veterinária e Biologia. Como primeira pessoa na história da instituição a conquistar tal reconhecimento Ekaterina conversou com o Jornal UFG.

Quais direcionamentos o trabalho no Biotério Central da UFG, que você coordenou de 1979 a 2014,  deram para a sua carreira?

Quando ingressei na UFG e fui designada para coordenar o Biotério Central, entrei em pânico, pois meus conhecimentos sobre criação de animais de laboratório eram mínimos e toda minha formação em Medicina Veterinária não era suficiente para administrar um ambiente onde os animais eram de espécies com as quais eu nunca tinha trabalhado. Como cuidar de um rato ou de um camundongo? Sabia fazer partos em vacas, tratar cavalos e cães, mas ratos... Foi quando tive a oportunidade de fazer meu mestrado na Inglaterra que um novo horizonte se abriu à minha frente, porque o uso ético e o bem-estar dos animais eram os pontos principais de nosso estudo. Voltando ao Brasil procurei divulgar e aplicar esses princípios tanto na criação de animais quanto no seu uso em pesquisa e ensino na UFG. Esta era uma atividade nova e, para melhor estabelecer esta cultura de cuidado, ministrei cursos e palestras sobre o tema, que começou a despertar o interesse e a se difundir por várias outras universidades e instituições. A UFG foi muito gene- rosa, pois me permitiu levar esses conhecimentos e, principalmente, a ideia da formação de Comissões de Ética a outras partes do país e da América Latina. Essa atitude de respeito pelos animais aplicada a um Biotério foi se difundindo e mudando a cara do uso de animais em pesquisa e ensino em nosso país. Esse direcionamento me deu a oportunidade de desenvolver uma carreira extremamente gratificante, pois pude transformá-la em ensinamentos.

O que é ser técnica e pesquisadora na universidade pública brasileira?

Quando iniciei minha carreira na UFG, ser técnica e trabalhar na área de pesquisa com animais não era nada fácil. Era uma maneira nova de fazer ciência e muitos professores tinham resistência em aceitar os novos conceitos, ainda mais pregados por uma médica veterinária. A concepção era de que qualquer um saberia criar animais para experimentação, aos quais não era dada a devida importância. Hoje já se sabe que uma boa ciência só pode ser realizada com animais de alta qualidade e que, para isto, necessitamos de técnicos especializados na área. Principalmente com o advento da lei que rege a experimentação animal, técnicos especializados na área da Ciência de Animais de Laboratório são parte essencial de qualquer pesquisa que envolva animais e com isto há uma valorização da classe. Mas não é uma lei que dá credibilidade aos técnicos, ela só pode ser adquirida se o profissional demonstrar que possui sólidos conhecimentos das técnicas e da filosofia do manejo e cuidado dos animais utilizados. Busquei enfrentar os preconceitos demonstrando conhecimento na minha área. Quando estes conhecimentos eram solicitados, procurava auxiliar, indistintamente, desde o aluno iniciante até o professor mais qualificado. Creio que, com conhecimento e respeito, fui granjeando credibilidade e derrubando preconceitos.

Como foi trabalhar em tantas áreas? Quais os principais aprendizados?

A área da Ciência de Animais de Laboratório abrange várias disciplinas. Em todas elas os animais são usados em pesquisa e eram também em ensino, hoje quase abolidos nesta área. Como muitos pesquisadores das áreas destas ciências não tinham conhecimento do animal com o qual iriam trabalhar, buscavam meu auxílio. Por essa razão transitei em diversas áreas, nas quais os aprendizados são incontáveis. Creio que o principal aprendizado foi o de ser um pouco aluna da pessoa que estava me consultando, buscando respostas aos seus questionamentos, participando do entusiasmo pelo seu trabalho e da vontade enorme de conduzir seu es- tudo da melhor forma possível. Isto me ensinou que há sempre uma esperança em nosso futuro enquanto houver pessoas que, contra todas as dificuldades, se dispõem a doar um pouco de sua vida para uma ciência melhor e, consequentemente, um mundo melhor para o homem e os animais.

Ekaterina

Você  trouxe  para  o Brasil o debate do  bem-estar animal e teve participação decisiva na elaboração da Lei n° 11.794/2008, que regulamenta o uso de animais para fins científicos. Pode nos contar um pouco sobre esse debate?

Não haver regulamentação alguma fazia com que os animais usados em experimentação fossem usados de forma aleatória, em grande número e sem uma harmonização dos procedimentos realizados. Porém já havia a inquietação em ter algum recurso normativo que regulamentasse o uso de animais em ensino, pesquisa e testes. Em 1995, Sérgio Arouca, pesquisador da Fiocruz, elaborou, junto com outros pesquisadores, um projeto de  lei (PL) regulamentando o uso de animais em experimentação. No início de 2008, com o apoio da bancada goiana, o PL foi aprovado por unanimidade. Em seguida, fui convidada a fazer parte do grupo de trabalho que elaborou o Decreto Lei n° 6.899/09 que regulamenta esta lei. Como a lei tramitou por 13 anos, Arouca faleceu em 2003 sem ter visto sua aprovação, e ela foi batizada em sua homenagem como Lei Arouca.

É possível fazer pesquisa sem causar dor e sofrimento aos animais?

Atualmente não só é possível como também é mandatório por lei e pelos princípios éticos que regem o uso de animais em pesquisa, ensino e testes. Temos o Princípio Ético dos 3 R´s (3 palavras inglesas que começam pela letra R: replacement, reduction e refinement), segundo o qual devemos sempre buscar alternativas ao uso de animais em  pesquisa,  ensino  ou  testes,  utilizar o menor número possível e evitar que tenham dor e sofrimento. Esses princípios são a base de todas as leis existentes relativas ao uso de animais em experimentação. Cabe ressaltar que a maioria das pesquisas com animais não causa sofrimento ou dor a eles. Para que um pesquisador possa conduzir um projeto de estudo que envolva animais deve seguir vários passos até que seu projeto seja aprovado, garantindo minimizar esses danos.

Como avalia o cenário da produção científica no Brasil? Em que aspectos é preciso avançar?

Creio que o Brasil tem uma grande e consistente produção científica em várias áreas, mas esbarramos em um grande empecilho que é a pouca importância dada à ciência por nossos gestores maiores. Nunca foi grande o aporte de verbas para a pesquisa e a cada ano vemos mais e mais cortes serem feitos. Como produzir sem este apoio econômico? Felizmente, os próprios pesquisadores têm nos dado esta resposta continuando a buscar alternativas aos grandes problemas que lhes são apresentados para que possamos ter um mundo melhor: uma melhor saúde para o homem, para  os animais e para o meio ambiente. A estes, todo meu respeito e minha admiração. Como avançar? Para que possamos nos tornar um país melhor, devemos dar mais importância à ciência, que é a mola propulsora do progresso. Sabe-se que todos os países mais desenvolvidos ou em maior processo de desenvolvimento investiram em educação, tecnologia e ciência.

Fonte: Ascom UFG

Categorias: Entrevista Edição 90