Icone Instagram
Icone Linkedin
Icone YouTube
Universidade Federal de Goiás

Artigo: Crise Hídrica ou Escassez de Água? Quem sofre com a falta d’água?

Em 26/09/17 08:45. Atualizada em 26/09/17 08:49.

Professores escreveram artigo sobre a questão para o Jornal UFG

Karla Emmanuela Ribeiro Hora e Maurício Sales Martines*

Crise é entendida como uma alteração no desenvolvimento normal de algo. Esta palavra pode ser substituída por: alteração, desequilíbrio, decrescimento, incerteza... Já escassez refere-se à qualidade de algo que é escasso. É sinônimo de falta, carência ou insuficiência.

Primeiramente, precisamos entender que vivemos um problema de crise hídrica, ou seja, há alteração no ciclo hidrológico da água gerando no desequilíbrio de sua condição, seja de quantidade, seja de qualidade. Esta situação pode levar a um cenário de falta de segurança hídrica, isto é, de escassez de água.

Em segundo lugar, devemos entender quais são os fatores que levam a isto. E, considerando a relação que nossa sociedade tem com a natureza, tais fatores são complexos e múltiplos. A natureza, por si só, é dinâmica e, a alteração nos ecossistemas por meio de “efeitos naturais” não são raros, tais como: furações, tsunamis, terremotos, vulcanismos etc. Estes efeitos produzem impactos e a ocorrência de novas condições naturais.

Mas, o que estamos falando aqui, é como a ação humana tem levado a mudanças extremas na natureza e em seus ecossistemas em curtos espaços de tempo. Portanto, estamos pensando em impactos causados numa temporalidade reduzida com efeito devastador sobre a capacidade de suporte e resiliência da própria natureza. Significa dizer que: mudamos os ciclos naturais de forma tão intensa que eles não se recuperam com a celeridade necessária para um novo uso pela própria humanidade.

Logo, quando falamos de uma crise hídrica, é preciso ter em mente que alteramos drasticamente os ecossistemas que armazenam e fazem circular a água. Como? As fontes de água que utilizamos encontram-se na superfície ou abaixo dela. Quando desmatamos ou impermeabilizamos o solo, comprometemos a drenagem natural e, por vezes, aceleramos o escoamento superficial, podendo provocar assoreamento dos cursos d’água, erosão e redução do volume d’água.

As práticas produtivas vinculadas a agropecuária e a atividade urbana geram inúmeros resíduos e dependem, sobremaneira, dos recursos hídricos. Sua retirada, seja de fontes superficiais ou subterrâneas, de forma desmensurada e a devolução de águas contaminadas aos solos e córregos, também comprometem a capacidade de resiliência deste recurso.

Ademais, estamos falando de ciclos longos de alteração e mudança nos ecossistemas locais com as práticas antrópicas. Seus efeitos podem ser vistos na redução da precipitação e da vazão dos rios. No caso do Rio Meia Ponte, por exemplo, ao longo de 1979 e 2005, estudos apresentam a redução da vazão média com destaque para o período de 1979 a 1988 da ordem de 50m³/s para 40m³/s entre 1999 a 2005. Deve-se destacar que a média da vazão mínima neste período tem sido registrada em menos de 15m³/s. Em termos de pluviosidade, verifica-se, uma redução das chuvas com aumento de períodos de estiagem (MARCUZZO et al, 2012). Por outro lado, na Região Metropolitana de Goiânia, sua mancha urbana, ou seja, a área urbanizada e impermeabilizada cresceu muitas vezes nos últimos 30 anos. Goiânia, quase triplicou sua área desde 1990, acompanhada de Aparecida de Goiânia. Abadia de Goiás, multiplicou por 50 sua mancha urbana; Hidrolândia aumentou 20x e Santo Antônio de Goiás, 11x (MANUEL FERREIRA, 2011).

Dependemos da água para viver. Porém, cuidados muito pouco dela.

É fato que, com menos água disponível, a sociedade vê-se obrigada a decidir sobre o seu uso. Pela legislação, o uso prioritário é o abastecimento público e a dessedentação animal. Mas, para que esta água chegue com qualidade (isto é, tratada) também são necessários investimentos nos sistemas de abastecimento, caso contrário, mesmo que tenhamos vazão nos rios, esta água não estará acessível em termos de potabilidade para todos e todas.

Com uma urbanização cada vez mais espraiada, os investimentos em infraestrutura tornam-se cada vez mais caro. Alternativas adotadas tem sido a perfuração de poços artesianos, porém, mesmo as águas subterrâneas dependem do uso e ocupação correta do solo acima, do contrário, o nível do lençol freático vai sofrendo rebaixamento. É o que se vê em várias localidades. (Exemplo do Shopping Bouganvile, cujo bombeamento da água nos seus subsolos foi paralisado, uma vez que houve o rebaixamento do lençol freático na região).

Não é possível garantir água para todos se não repensarmos nosso modelo de ocupação urbana.

Este é um dos temas da agenda de elaboração do Plano de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Goiânia (PDI-RMG) em execução pela Universidade Federal de Goiás (UFG) em parceria com a Secretaria Estadual das Cidades, Infraestrutura e Meio Ambiente (SECIMA) e com participação da Pontifícia Universidade Católica (PUC).

O diagnóstico de Condições Ambientais do PDI-RMG registra que:

  • Menos de 25% da RMG é composto por remanescentes do Cerrado;
  • Há pouca representatividade de Unidades de Conservação em escala metropolitana, com destaque para a Área de Proteção do Ribeirão João Leite;
  • As áreas de vulnerabilidade ambiental encontram-se desprotegidas;
  • Verifica-se degradação elevada nas áreas de proteção permanente (APPs) dos cursos de água;
  • O crescimento da mancha urbana estende-se sobre os mananciais de captação de água destinado ao abastecimento público;
  • Constata-se uma ausência de preocupação com futuros mananciais nos planos diretores municipais e nas ações de expansão urbana;
  • Há desequilíbrio no acesso à água para consumo humano e nas ações de esgotamento sanitário, além de se encontrar uma condição crítica da disposição final dos resíduos sólidos entre os municípios da região metropolitana.

Portanto, superar a crise hídrica e evitar a escassez de água necessita da implementação de ações de gestão compartilhada entre todos os entes federados da região metropolitana, Estado e Municípios, e também, a população e o setor produtivo.

Muitas ações podem ser efetuadas para que a falta d’água não faça parte da realidade da região metropolitana. Mas, sua efetividade depende de ações conjuntas que devem ser seguidas para além dos períodos de estiagem, como é comum nesta época nas áreas de Cerrado. Não há outro caminho, a não ser a proteção ambiental dos mananciais de abastecimento de água atuais e futuros. Isto significa repensar o modelo de urbanização em curso.

Diferentes estudos e pesquisas tem sido desenvolvida no âmbito da UFG sobre esta temática que abrangem visões multi e interdisciplinares. Estes estudos podem subsidiar as tomadas de decisão políticas. Em termos sociais, os mais vulneráveis socioeconomicamente são os mais impactados em momentos de crise. É preciso se atentar para isto e verificar a situação dos bairros periféricos nas cidades, incluindo aspectos de saúde e educação. Do contrário, continuaremos reproduzindo uma cidade e região, segregada e desigual, no qual a escassez de água afetará, sempre, os mais pobres.

*Professores da Escola de Engenharia Civil e Ambiental da UFG

REFERÊNCIAS

FERREIRA, Manuel et. al. A Região Metropolitana que Merecemos. 2017.

MARCUZZO, Francisco e. al.  Chuvas na Região Centro-Oeste e no Estado do Tocantins: análise histórica e tendência futura Bol. geogr., Maringá, v. 30, n. 1, p. 19-30, 2012.

SALES, Maurício; HORA, Karla; FERREIRA, Manuel; CLEMENTINO, Nilson; KOPP, Katia; RIBEIRO, Noeli. Diagnóstico das Condições Ambientais da Região Metropolitana de Goiânia. 2017.

Fonte: Ascom UFG