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Universidade Federal de Goiás
Dicionário capa

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Em 07/03/18 11:02.

Dicionário organizado e publicado pela UFG converte a história da Educação de Goiás em 104 verbetes biográficos

Dicionário

Patrícia da Veiga

A escrita da História se dá de diversos modos e um deles passa pela biografia. Em suas linhas, a trajetória dos sujeitos se entrelaça às práticas sociais, ganha um sentido coletivo e torna-se a própria narrativa de determinado tempo, lugar, processo, fazer. Na área da Educação, nomes como Aldaíza, Anna, Bernardo, Dalísia, Egídio, Eli, Flora, Hugo, José, Luis, Marietta, Paulo, Peter, Verbena, Zoroastro, entre tantos outros, têm muito o que contar. Desde o fim de 2017, suas vidas estão reunidas no Dicionário de educadores e educadoras em Goiás: séculos XVIII ao XXI, organizado pela professora da Faculdade de Educação (FE) Diane Valdez e publicado pela Editora da Imprensa Universitária.

De A a Z, cada notação do dicionário revela um nome, uma pequena biografia e muitas pistas sobre a história da Educação em Goiás. Ao todo, são 104 verbetes em mais de 600 páginas. Sem se limitar à escola formal, aos currículos e aos grandes nomes da docência, a coletânea localiza mestras e mestres que atuaram em movimentos sociais, literários, artísticos, sindicais, religiosos e jornalísticos. Parte da antiga capital, alcança a metrópole, retorna a cidadelas, vilarejos e roças. Percorre mais de três séculos, da escola régia ao ensino superior. Contempla 45 mulheres e 59 homens forjados por sonhos, ideais, contradições e dificuldades; pessoas formadas, sobretudo, pelos magistérios da vida.

Partilharam a tarefa dessa escrita 129 autores, entre pesquisadores, professores universitários e da rede básica estadual e municipal. No total, foram seis anos de investigação coordenada pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação (GEPHE). Para a organizadora, que adotou como critérios a referência póstuma e a variedade de atuações, a obra é também uma ação política. "Em tempos em que o passado parece não ter importância no presente, onde os fatos históricos são distorcidos, moídos e atirados longe das vistas do direito ao conhecimento, onde a ignorância sobre a história traz de volta sujeitos e práticas que achávamos superadas, este material quer ir na contramão disso", descreve Diane no texto de apresentação.

A íntegra do dicionário está disponível para consulta em bibliotecas públicas de Goiás e, também, pela internet, no site do Centro Editorial e Gráfico da UFG (www.cegraf.ufg.br). Para instigar o leitor, o Jornal UFG reuniu algumas das personagens que se tornaram verbetes.

O legado de Aldaíza
Aldaíza Maia da Silva Viana nasceu em 1958 na cidade de Cachoeira Alta (GO) e faleceu em 2003, em Goiânia. Foi educada nas bases da Igreja Católica, tendo pertencido à Congregação das Irmãs de Jesus Crucificado até 1984. Ao deixar a instituição, fundou o Centro de Educação Comunitária de Meninas e Meninos (Cecom), no Jardim Nova Esperança. Estimulada pelas ideias de Paulo Freire e inserida nos movimentos sociais, iniciou um trabalho de educação popular com a juventude que residia em uma região marginalizada da capital goiana, conhecida como "alto da poeira". A ocasião era de luta por direitos e o Nova Esperança abrigava importantes frentes do movimento pela moradia. Aldaíza trabalhou para retirar crianças e jovens da zona do extermínio e inseri-las na sociedade. Entre as décadas de 1980 e 1990, o contexto se abriu para a Nova Constituinte e para a reformulação de entendimentos sobre direitos, cidadania, política, assistência social. Nesse bojo, o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR) pautou a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aprovado em 1991, depois de muito debate. Aldaíza esteve presente. Sônia Maria Rodrigues, professora da Faculdade de Educação da UFG, à ocasião estudante de Pedagogia e militante, também. Juntamente com Glacy Queirós de Roure, ela assina o verbete de Aldaíza e se sensibiliza ao considerar que sua trajetória, em muitos aspectos, se cruzou com a da homenageada. Sônia dá ênfase à palavra legado, reforçando o papel da biografada como educadora para a vida, comprometida com as questões sociais. "Foi o que ela deixou: um legado. Não há como falar do Nova Esperança sem mencionar o Cecom. E é uma coisa dolorosa de falar, pois algumas das conquistas daquela época, hoje, estão sendo retiradas, banidas", lamenta.

Alfabetizadora da Campininha
"Era uma mulher religiosa, moderna, vaidosa, gostava de viajar com a família, amava a praia e tinha o espírito independente". Assim Glacy Queirós de Roure apresenta Edna de Roure Aguiar, sua tia, no dicionário. Com apenas 22 anos, ela fundou a Escola Patriarca, o primeiro grupo escolar registrado pela Secretaria de Educação do Estado de Goiás no bairro de Campinas. Era 1944 e Edna iniciava um caminho marcante como alfabetizadora e educadora infantil. Nasceu em 1922, faleceu em 1960, formou-se à medida que ensinou, dividiu a rotina entre a família, as tarefas domésticas e as múltiplas funções da escola (professora, coordenadora, administradora etc.). Conforme aponta Glacy, evidenciando registros acadêmicos, mais de dez mil crianças estudaram na Patriarca. Além do ensino, Edna garantia aos estudantes revisão de suas tarefas, aulas de reforço e promovia atividades que iam além do espaço da escola. "A professora tinha a prática de realizar com os alunos piqueniques e excursões ao Jardim Zoológico de Goiânia, ao ribeirão Fazendinha, situado no município de Trindade, ao ribeirão Anicuns e outros", escreve Glacy. Sua morte precoce, aos 38 anos, causou comoção em toda a "Campininha".

Flora e a disciplina
Natural de Carmo do Paranaíba (MG), Flora Augusta de Alencar mudou-se para Itapuranga (GO) em 1957, mesmo ano em que começou a lecionar. Formou-se no Magistério na década de 1960, assumiu turmas no campo e na cidade, tornou-se diretora escolar e trabalhou até bem perto de sua morte. Para o professor Sebastião Gontijo, da Universidade Estadual de Goiás (UEG), que conviveu com ela e, também, um dos autores de sua biografia, a marca de Flora é a conduta rígida em sala de aula. "Trabalhamos juntos e eu dei aula para todos os filhos dela. Discutíamos muito, às vezes não concordávamos em nossas ideias. Mas, não há como negar: foi uma pessoa que a vida toda se dedicou ao município de Itapuranga", destaca.

Precursor da historiografia
Luis Palacín Gonzáles nasceu em Valladolid, na Espanha, em 1927. Ingressou na Companhia de Jesus em 1944, passou pelas principais universidades de seu país, estudou Filosofia, História e Teologia. Em 1958, desembarcou em missão jesuíta no Brasil e, no início da década de 1960, veio transferido para Goiânia. Para Nars Fayad Chaul, professor da Faculdade de História da UFG, seu aluno e orientando, e responsável pelo verbete a seu respeito, sua vinda para o Brasil Central "seria a melhor herança que a Espanha nos legaria". Palacin iniciou seu trabalho em Goiás no antigo Centro de Estudos Brasileiros, vinculado ao Instituto Histórico Geográfico. Em 1965, tornou-se professor da UFG e inaugurou um frutífero ciclo de investigações, sobretudo, acerca da história de Goiás e do período da Mineração. O Padre atuou nas Paróquias do Divino Espírito Santo, no Jardim Novo Mundo, e de Santo Inácio, no bairro Riviera. Viveu na Casa da Juventude até o ano de sua morte, em 1998. Foi homenageado em vida pela UFG, que lhe conferiu o nome do auditório do antigo Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL), prédio onde está a Faculdade de História.

Dom Tomás e a opção pelos pobres
Impossível falar de educação sem mencionar Dom Tomás Balduíno, nascido em 1922, no município de Posse (GO), como Paulo Balduíno de Souza Décio. Seu nome mais conhecido, uma homenagem a São Tomás de Aquino, lhe foi conferido a partir de 1943, quando professou na Ordem dos Pregadores Dominicanos. Tornou-se sacerdote em 1948, bispo em 1967 e, durante toda a sua atuação como religioso, assumiu "a opção pelos pobres". No dicionário, quem narra sua trajetória de educador é José do Carmo Alves Siqueira, professor do curso de Direito da Regional Goiás, que conviveu com Dom Tomás em várias instâncias da vida – da sala de aula ao campo das lutas sociais. Dom Tomás estudou Filosofia, Teologia e Antropologia. Este último curso, aliás, foi feito pela necessidade de conhecer o povo brasileiro. "Ele sempre se preocupava com sua própria formação permanente, com muita dedicação à sociologia, à comunicação, à exegese bíblica, e sobretudo aos estudos sobre a conjuntura social e política, como elemento fundamental de sua atuação", escreve José do Carmo. Um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Movimento Fé e Política, Dom Tomás foi entusiasta da educação popular e da comunicação comunitária, estimulou as pessoas a se engajarem e se organizarem, acreditou em uma atuação política "com P maiúsculo", ampla, com vistas à transformação social e defendeu que "Direitos Humanos não se pede de joelhos, exige-se de pé!". Das muitas honrarias que recebeu em todo o mundo está o título de Doutor Honoris Causa da UFG, que lhe foi entregue em 2012, dois anos antes de seu falecimento.

Fonte: Ascom/UFG

Categorias: Educação edição 93