Educação digital para ir além do WhatsApp
Projeto de extensão do Instituto de Informática da UFG contribui para a inclusão digital de servidoras terceirizadas e comunidade
Versanna Carvalho
Poder escolher entre conectar-se ou não à internet e saber manusear com um mínimo de técnica um smartphone e um computador são atividades importantes para o exercício da cidadania em uma sociedade cada vez mais conectada. Embora pesquisas mostrem que mais de 60% da população com mais de 10 anos de idade já utilizaram a internet, ainda há muita gente que não usa a rede mundial de computadores, ou não a utiliza com frequência, porque acha o serviço caro, falta interesse, não sabe usar a internet, falta computador em casa, entre outros motivos.
Mesmo em uma universidade, ambiente que respira conhecimento, é possível encontrar casos assim. Um deles é o da auxiliar de limpeza terceirizada da Universidade, Zélia Maria Vieira, 49 anos, que há pouco mais de um ano “não sabia nem ligar o computador”. A também auxiliar de limpeza terceirizada, Claudineide Teixeira Dias, 30 anos, não tem computador e internet em casa, mas no trabalho, sempre que via alguém digitando, ficava curiosa sobre o que estava sendo feito e com vontade de aprender “coisas que você às vezes nem imagina que possa ter lá no computador”.
Turma tem aula de informática oferecida pelo INF; projeto foi concebido por servidora da UFG (Crédito: Carlos Siqueira)
Foi ao constatar situações similares a essas que a servidora técnica em assuntos educacionais do Instituto de Informática (INF), com mestrado em Letras, Raimunda Delfino dos Santos, começou a pensar em um projeto de educação digital voltado aos servidores terceirizados e também para a comunidade. O curso, intitulado “Educação Digital – Política, Leitura, Produção Textual, Identidade e Letramento Digital” foi desenvolvido pela servidora, que agora também o coordena. A iniciativa conta com a colaboração da professora da Faculdade de Educação (FE), Mariana Cunha Pereira, pesquisadora do Núcleo de Estudos Afrodescendentes e Indígenas (Neadi) e também da área de relações de gênero.
A formação faz parte do Programa de Extensão ComputAÇÃO Humana, série de ações que visam humanizar o Instituto de Informática (INF) e promover a inclusão social e digital. O Centro de Gestão do Espaço Físico (Cegef), órgão vinculado à Secretaria de Infraestrutura (Seinfra), que congrega os servidores terceirizados da UFG, também é parceiro da iniciativa. A carga horária é de 60 horas, distribuídas em três módulos ao longo de três semestres, com aulas às quartas-feiras, das 14h às 15h30, no Instituto de Informática, no Câmpus Samambaia.
Zélia Maria Vieira, auxiliar de limpeza terceirizada: "não sabia nem ligar o computador" (Crédito: Carlos Siqueira)
Mulheres
A maior parte dos inscritos, algo em torno de 90%, é composta por mulheres que trabalham na limpeza da instituição. O curso é destinado a pessoas com idade entre 16 e 60 anos, conforme edital do Programa de Voluntários de Extensão e Cultura (Provec). No entanto, a idade da maioria das participantes concentra-se na faixa etária entre 30 e 45 anos. O curso foi iniciado no segundo semestre do ano passado e atualmente conta com 45 alunas, divididas entre o primeiro e o segundo módulo. Há ainda uma lista de espera com 13 pessoas interessadas em participar do curso.
As aulas são ministradas pela própria coordenadora e por sete voluntários, estudantes dos cursos de Pedagogia (1), Ciências da Computação (4) e Engenharia de Software (2), que atuam voluntariamente. O programa do curso inclui noções de informática básica, intermediária e avançada, conforme o estágio do aluno, além de leitura, produção textual, discussões acerca de política, a condição da mulher, do negro e do indígena na sociedade. No último semestre, também estão previstas aulas de espanhol. “O conteúdo é abrangente. Na aula é ensinado desde como ligar um computador na tomada, as partes que o compõem, como utilizar o mouse e o teclado, até a leitura crítica sobre o papel da mulher e do negro na sociedade por meio de um filme”, exemplifica Raimunda dos Santos.
Márcia Rodrigues procurou o curso na expectativa de novas colocações no mercado de trabalho (Crédito: Carlos Siqueira)
Inclusão digital
No mês em que se comemora o Dia Mundial da Internet (17/05), o Brasil destaca-se pelo fato de 64,7% das pessoas com mais de 10 anos terem utilizado a internet em 2016, conforme o módulo de Tecnologia da Informação e Comunicação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PNAD Contínua IBGE), divulgado em fevereiro deste ano. No universo dos que se conectaram à internet, 94,6% a acessaram pelo telefone móvel celular, 63,7% pelo microcomputador e 16,4% via tablet. O levantamento da finalidade do acesso à internet revelou que a quase totalidade dos usos é para trocar mensagens de texto, voz ou imagens por aplicativos diferentes de e-mails (94,2%), assistir a vídeos, programas séries e filmes (76,4%), conversar por chamadas de voz ou vídeo (73,3%) e enviar ou receber e-mails (69,3%). Apesar dos números, um outro estudo, The Inclusive Internet Index 2018 (que pode ser traduzido como O Índice de Inclusão na Internet), realizado pelo grupo inglês The Economist em parceria com o Facebook, mostra que o Brasil ocupa a 32ª posição de um total de 86. Ano passado, obteve a 18ª posição no ranking de 75 países.
Na opinião da coordenadora do curso de educação digital, “não é o fato de uma pessoa ter um smartphone e usá-lo para fazer comunicações rápidas, enviando mensagens curtas, que ela já está inserida nesse percentual de pessoas, incluídas digitalmente”. Raimunda dos Santos defende que a pessoa precisa saber utilizar recursos digitais de um computador e também do celular em situações do cotidiano como o trabalho, os estudos e o lazer. “Saber fazer uma planilha de gastos, ou organizar uma festa de aniversário, com lista de convidados, de itens adquiridos e divisão de tarefas, por exemplo”, observa a servidora.
Projetos
Os primeiros passos no universo da computação e da internet já começam a produzir efeitos sobre os participantes do curso. A auxiliar de limpeza, Zélia Maria Vieira, acredita que é preciso saber lidar com a tecnologia e não passar por dificuldades no dia a dia. Embora considere que ainda há muito o que aprender, Zélia reforça que está gostando do curso e se sentindo mais independente. “Tudo o que eles ensinam faz parte do dia a dia. Antes, se eu precisasse de alguma coisa na internet, tinha que procurar alguém. Hoje, eu mesma posso pesquisar”, afirma.
Zélia já tem planos para as suas novas habilidades digitais. “Eu acredito que daqui para frente vai me ajudar [na vida prática] porque eu quero tirar a minha carteira de motorista”, revela. A também auxiliar de limpeza, Márcia Rodrigues do Amaral, de 32 anos, tem o segundo grau completo. Ela aderiu ao curso porque quis ter um aprendizado a mais. “Quem sabe algum dia possa vir a ter uma profissão melhor”, afirma.
Fonte: Secom/UFG