Anexo II - Entrevista professor Horieste Gomes
A entrevista foi concedida a jornalista Carolina Melo no dia 19 de fevereiro de 2019
Professor, antes de 31 de março de 1964, qual era o clima na UFG?
Em relação a essa compreensão tanto dos professores como dos funcionários da UFG, os administrativos, os estudantes, em relação a esse clima, realmente não existia esse clima de um perigo iminente, que eu saiba não.
Eu entrei na UFG em 1963, eu entrei com o Centro de Estudos Brasileiros. Agora..
O senhor entrou com a criação do CEB?
Na criação. O Centro existiu dois anos só, praticamente. Eu entrei na criação. Era professor do Lyceu. Foi através do Bernardo Élis, que era professor do Centro de Geografia do Brasil, que me fez o convite, me apresentou o diretor Gilberto Mendonça Teles para eu lecionar Geografia de Goiás. Entrei como contratado. Ganhava um salário de 73 cruzeiros. Naquela época… Nessa época já havia uma atividade assim de… quando se criou o Centro de Estudos Brasileiros, através do professor português Augustinho da Silva, que já tinha uma larga experiência de criação de Centros semelhantes em Brasília, Salvador… Ele trouxe a ideia do Centro, um centro de estudos onde a meta era desenvolver o conhecimento no sentido de uma visão de Brasil e uma visão regional. No sentido de preparar pessoas para no futuro serem aproveitadas na Administração Pública. Então eu vi o centro… como eu já estava dentro de militância política, sempre fui ligado ao PCB, sou ligado ainda. Desde a década de 1950 eu era simpatizante, vou me ligar exatamente com o golpe de 1964. Deu o golpe eu imediatamente me filiei. Mas antes na década de 1950, no último quinquênio, trabalhei com o PCB a título de colaboração, a título de simpatizante, eu já tinha uma formação… já tinha uma participação muito boa nos movimentos de rua, dentro da… na época nós tivemos, em 1950 e 1960, os movimentos nacionalistas e reivindicatórios, que eram as lutas contra a esterilização das mulheres na Amazônia, no Nordeste, o Petróleo é nosso, à favor da paz contra a guerra da Coréia, depois do Vietnã, à favor dos acordos da Paz de estocolmo.
Aí eu via o Centro como uma espécie de ISEB, em miniatura, Instituto Superior de Estudos Brasileiros, na época o ISEB era dirigido por Álvaro Vieira Pinto, que era na minha opinião um grande filósofo do Brasil já teve. Escreveu Realidade e consciência brasileira e escreveu Ciência e existência, que é seu livro máximo. E veio o golpe exilou-se no Chile. Depois ele voltou ao Brasil, com a abertura, e aqui no Brasil publicou Ciência e Existência. O ISEB era pra formar homens com essa visão de Brasil.
E o Centro de Estudos Brasileiros tinha duas metas: estudos brasileiros e estudos goianos. E eu fiquei encarregado de trabalhar os estudos goianos com a Geografia de Goiás. Tanto que nessa época eu cheguei a escrever no 4º Poder uns 20 e tanto artigos. Mas eram artigos mais ligados à ciência geográfica. Sobre a ciência política era muito pouco. Era uma visão geográfica do ponto de vista do aproveitamento do território goiano.
Com o golpe, qual foi o impacto para o CEB, estudantes e UFG?
Em 1964 realmente já se sentiu na própria pele… por exemplo, o Centro, que vai até a 1964… chegamos a publicar um número da revista do Ceb,... e a gente já viu a presença do processo do fechamento. Porque na verdade o Centro de Estudos Brasileiros, a direção dele era do Gilberto Mendonça Teles, um liberal. A visão era dentro de uma perspectiva do liberalismo. Ele era liberal. Então veio o golpe e realmente nessa época a gente já estava fazendo dentro da estrutura do partido, a gente já conseguia fazer alguma coisa, no próprio centro a gente chegou a criar um curso de Filosofia que começou a ser ministrado pelo Gorender. Com o golpe, paralisou imediatamente o curso. Aí nessa época Bernardo Élis também, vou descobrir, não sabia, ele era ligado também ao PCB. O centro de estudos era livre, mantinha as pessoas de acordo com sua maneira e visão política… a maioria que pertencia ao Centro era liberalista mesmo, tinham uma visão liberal… Mas tinha uma Amália Hermano, que vai ser aposentada, tem o Maxiliano da Mata.
Quando veio o AI-5 a primeira medida foi justamente atingir professores, funcionários de escalões mais elevados, tentando afastar… tanto é que ocorreu com Ático Vilas Boas, professor Ático que era do DEC, departamento de Cultura da Universidade, estava chefiando naquele momento a exposição Internacional do livro, que envolvia quinze países. Tanto que quando houve o fechamento do Centro nós estávamos… era … o último que estava apresentando era a Alemanha popular, DDR, e a vantagem da exposição internacional é que eles doavam todo aquele acervo. Tanto que a biblioteca da UFG foi formada inicialmente com o grande acervo dessa exposição internacional. O professor Ático foi um dos atingidos, foi preso e passou a ser vigiado.
Quando veio o AI-1 foi para caçar políticos, professores, e pessoas em cargos de confiança. Maximiano da Mata foi outro. O próprio Gilberto Mendonça Teles foi atingido.
Eu lembro de parte das pessoas que foram atingidos: Bernardo Élis foi aposentado. Amália. Maxiliano. Gilberto mais pra frente.
Tivemos uma palestra do professor Augustinho da Silva que desestimulou a existência do Centro naquele contexto, porque o centro era dentro de uma perspectiva democrática, liberal democrática. Lembro que professor fez a palestra para nós, e depois de dois meses a desativação, pois não tinha como mais funcionar. Veio os expurgos, o professor Ático foi preso. O Centro é desativado porque não tinha condições de seguir diante do ambiente fechado. E os professores que ficaram foram aproveitados para a recente Faculdade de Filosofia, que ficava ali na rua 20. Eu mesmo fui pra lá. Cheguei a dar aula lá. Estava estruturando a Faculdade de Filosofia. Porque… para se criar a Universidade, o pivô central é a Faculdade de Filosofia, a partir dela é que se cria…
Os professores que foram demitidos: professor Antônio Teixeira Neiva, de Antropologia, era um liberal, foi meu professor de Antropologia, professor Lena, professor Gilberto, professor Sérgio, Gilca.
Qual era o sentimento do senhor sobre tudo isso?
Eu senti uma perda grande. Eu sentia a grande perda que estava ocorrendo dentro da Universidade, justamente no momento que a Universidade estava criando um ano antes, dois anos antes, uma unidade diferenciada. O Centro de Estudos Brasileiros era uma ideia de Universidade diferenciada. A visão do professor Colemar, professor Colemar tinha uma visão futurista. De ver algo pra frente. Isso fazia parte da vaidade dele. Eu lembro que quando eu assisti a abertura em 1960 da Universidade Federal, da conferência que fez Darcy Ribeiro aqui em Goiânia, o professor Colemar ficou ao lado dele em todo momento. E sempre se colocando que era muito amigo de Darcy Ribeiro, quando na verdade a gente sabia que não tinha esse posicionamento tão grande. Mas ele tinha uma visão futurista. Já fazia avançar dentro da Universidade uma unidade pensante. E eu senti, não só eu,mas todos que tinham uma visão mais… a exemplo do professor Sérgio Paulo… Foi uma perda de uma visão mais interessante de formulação de uma Universidade…
Aí em 1965 forma a Faculdade de Filosofia, da Faculdade de Filosofia surge o primeiro concurso público federal, que eu fiz. Toda a Universidade fez concurso federal. Aí os aprovados passaram a lecionar na Faculdade de Filosofia, que depois será transferida para onde hoje é o prédio da Faculdade de Educação, no campus I. Ela sai dali da casa vizinha do Colemar e se forma… houve a criação do curso de Geografia, que as raízes foram o Centro de Estudos Brasileiros, mas a formação do curso mais abrangente se deu na Faculdade de Filosofia. Aí vem o concurso, e depois, mais na frente, em 1968, a criação dos dois Institutos: de Ciências Humanas e Letras; e Instituto de Química e geociências. Já existia a faculdade de Engenharia, já existia a faculdade de Farmácia, Odontologia.
Professor Orlando ele é um dos criadores da Universidade, ligado mais a Engenharia. A Engenharia foi um foco de resistência que nós tivemos na luta contra ditadura. Não foi a Engenharia como um todo, mas ela foi um foco de bastante resistência. Tanto é que ela foi visada, assim como o Centro de Estudos Brasileiros.
Depois de criados os Institutos, aí que passa a ter uma vigilância maior, mais ostensiva, e que se cria uma diferenciação de posicionamento de professores. Primeiro com a Faculdade de Educação, depois com a criação dos Institutos ficou… aí se criou, podemos falar, duas alas bem antagônicas… não muito antagônicas, mas contrárias… não é um antagonismo total né… então houve uma divisão daqueles professores que achavam que de certo modo o novo governo de caráter civil-militar estava caminhando certo, e a outra que se posicionou contra. Então aí que a gente tem uma presença de uma ditadura mais ostensiva dentro da Universidade. Passou a exercer tanto a nível dos Institutos, da Faculdade de Filosofia, da Faculdade de Engenharia, e também a nível das representações estudantis. Aí nós temos o que, os fechamentos, além do Centro de Estudos Brasileiros, o pessoal da sociologia havia criado a Associação, a entidade deles ligada à sociologia. Professor Itamir é uma pessoa que deve ser entrevistada. O fechamento dos grêmios estudantis. Passou a ter uma vigilância mais ostensiva do corpo dos professores e também dos funcionários da Universidade. E aí é que vai surgir os olheiros da ditadura. Isso pega principalmente com a criação do Centro de Estudos. Processo que vai de 1964 a 1968, aí você já tem… de 1964 a 1968, quando desaparece o centro e vem a faculdade de filosofia, nós começamos também o processo de movimentos de rua… Então nós tínhamos, por exemplo, o professor Maciel Farnésio, o padre Pereira, então a gente fazia… o movimento estudantil cresceu, cresceu bastante… então o que a gente vai ver nesse período de três anos de 65 a 68, passa haver uma opressão maior, pois organizamos movimento de ruas com passeatas, em 68 vamos lançar os professores, mas aí já estava dentro do Instituto, o Manifesto dos Professores.
O Manifesto dos Professores eu tive a honra de estar na cabeça dele, porque nós elaboramos o texto. Foi eu, professor Sérgio Paulo e Olavo de Castro, quem redigiu o Manifesto. E se você ver lá, nós tivemos mais de quatrocentas assinaturas. E eu faço a abertura do manifesto, a primeira assinatura é a minha. Mas nós que fizemos. Professor Olavo de Castro era ligado a parte de Sociologia, o professor Sérgio era de História, e eu como professor ligado mais a Geografia, mas também História e Sociologia. Então a gente faz o manifesto em que coloca a necessidade de manter a liberdade de ensino, de aperfeiçoar o ensino dentro da Universidade, resgatar o ensino que deveria tanto o professorado como a comunidade universitária: liberdade de ensino, resgate do ensino de qualidade, defender a escola pública, o ensino público gratuito e de qualidade. Isso tudo está no manifesto. Então… a gente lança o manifesto e a ditadura endurece mais. Começa um trabalho de… de quebra do movimento, tanto o movimento de rua - que nós fazíamos as passeatas, muitas delas tivemos a intervenção da polícia. Nós tínhamos lá no curso de Geografia e História, nós tínhamos levado um elemento também… Na época ele era ligado ao Partido Comunista, depois ele se afastou, o Manuel de Jesus, Isu, professor Isu, foi meu aluno. Levamos ele. Tivemos a passeata. Tivemos a repressão que houve na praça do Bandeirante, como nós estávamos todos agrupados, estava a presença do arcebispo também…
Ou seja, alguns professores também participavam das manifestações estudantis.
Participavam.
O manifesto foi lançado quando?
68
Mês?
Não me lembro… mas no manifesto tem a data. Outubro ou agosto. Foi lançado. Fecham. Tem uma vigilância grande.
Sobre os vigilantes…
Muitos professores eram ligados à Ditadura, que eram tipicamente ligados à Ditadura. Por exemplo, posso citar um elemento… agora mesmo eu cito, tenho que avançar mais. Mas o fato é o seguinte, ficou praticamente dentro do ambiente da universidade, principalmente dentro dessas duas faculdades, tanto da Engenharia como na Faculdade de Educação, depois no Instituto de Ciências Humanas e Letras, principalmente nesses… porque teve o Instituto de Química e Geociências também… Eu estava ligada aos dois, pois dava aula nos dois institutos. Teve a presença de elementos que ficavam do lado, digamos assim, do encaminhamento que o governo da ditadura estava conduzindo.
Falava-se da existência de vários seguidores. Como a vigilância estava muito grande, você tinha vigilância em todos os locais. Até nos banheiros, nos sanitários da Universidade tinham a presença dos olheiros do Rei, fazendo uma analogia ao império Persa, os olhos e ouvidos do rei estavam em toda parte.
E aí vem esse processo, e os alunos de Sociologia, a Sociologia era uma unidade avançado do ponto de vista político. Estava lá vários elementos importantes: estavam lá Itami, Pedro Wilson… Rita, que depois para fundação Getúlio Vargas. Teve a formatura dessa turma, eu fui o paraninfo e Padre Pereira o patrono. Foi exatamente no dia que foi assinado o AI-5, 13 de dezembro de 1968.
Essa turma... eram estudantes?
Sim, todos ligados à Faculdade de Sociologia. Formaram-se em 1968. Então eles tinham uma participação, tinham a entidade de Sociologia que a Ditadura fechou. A ditadura fechou também a entidade da Sociologia Goiana que tinha sede ali na Av Goiás.
Foi quando Sobral Pinto veio a Goiânia?
Sobral Pinto veio para a turma de Direito. Fez o pronunciamento. Foi preso e liberado. Você pode encontrar isso… se você estudou o arquivo do Dops, né, são nove pastas… Eu fiz um estudo de um ano no arquivo. Eu estudei as… São trezentas e tantas pastas e nove caixas. Eu procurei conhecer… queria ver a atuação do PCB dentro do arquivo do Dops. Mas a constatação que foi um arquivo lavado em todo o sentido. E lá é que você pode verificar que a Ditadura misturou muitos nomes de pessoas ligadas à esquerda com pessoas ligadas à direita também. Ela colocou tudo no mesmo saco. Até meu primo Bariani, que é desse Instituto Histórico e Geográfico, que mora aqui, que é daqui, primo primeiro meu, está lá no arquivo do Dops. Quando na verdade ele foi um homem… ele se diz numa entrevista como apolítico. Mas não existe homem apolítico. Desse que falou apolítico ele assumiu uma posição. O homem apolítico não existe. Não é que ele não tem ideologia. A partir do momento que ele se diz apolítico ele está assumindo a posição de um oponente. Então o Bariani estava lá por exemplo. Alguns padres estavam lá, que eram da…, né, Universidade Católica e foram colocados. Não tinham nada do ponto de vista… Eram padres até anticomunistas. Tinham padres avançados. Padre Pereira era avançado, vários eram… Amindé Badauê, era avançado, Ana Lúcia… depois foi importantíssima como professora de História. Até hoje, né, até hoje ela é muito ligada ao PT.
Professor, quando o senhor…
Mas vou dar um nome de uma pessoa, não vou dar muitos não, pra você colocar… Um dos elementos da época de… dentro dos Institutos, da Faculdade de Filosofia e dos Institutos, foi o professor Marcelo… Marcelo… esse representava, era um dos elementos da ditadura… tanto é assim… no Instituto de Ciências Humanas, ele lecionava no curso de Sociologia… ele foi… ele era… ele chegou a ser esmagador… Ele foi um dos responsáveis por mandar abrir novamente o processo que houve contra os elementos… os 147 elementos que foram arrolados num processo militar. Ele mandou desarquivar… tinha sido arquivado, ele mandou desarquivar.
147 elementos de onde?
Estavam ligados tanto a Celg como à Faculdade de Engenharia.
Seria um inquérito de investigação?
É. E o Marcelo era temido lá… os professores tinham um medo terrível dele. E eu… eu tive um enfrentamento com ele num processo lá na Faculdade de Educação, que eu fiz concurso, aquele concurso público federal, passei em primeiro lugar, e depois não aceitaram, quiseram me tirar, me afastar. E aí eu não aceitei. Foi pra reunião da congregação da Faculdade de Filosofia, foi criada uma comissão para julgar então, fazer um exame dos currículos dos professores envolvidos e… então foi criada a comissão, essa comissão tinha o professor Marcelo como o presidente, dona Gilca e o professor Neiva, Antônio Teodora da Silva Neiva.
Dona Gilca era quem?
Gilca Vasconcelos, professora de História, uma professora progressiva, sabe… Dona Gilca o marido dela tinha sido um elemento ligado ao PC lá em Belo Horizonte, ex-marido, que depois faleceu. Dona Gilca…
Aí essa comissão, na época o professor da Faculdade de Filosofia era o professor Egídio Turchi, o presidente da comissão foi designado, eu falei o professor Marcelo, mas não, foi designado o professor Neiva. Só que o professor Neiva tinha sido o meu professor por três anos de Antropologia. Então ele tinha um grande apreço por minha pessoa. Por outro lado, ele era muito ligado a um professor que entrou com o pedido - e eu não vou citar o nome, não há necessidade, que depois… é um elemento que pediu desculpas por ter se oposto a minha pessoa, porque na verdade ele queria permanecer na universidade, e tal, e que depois mais tarde foi aceito na Universidade. O fato é que eu no concurso público eu saí vencedor, ganhei a cadeira. O concurso foi em 1965, ano que se formou essa comissão também… Se você olhar a direção da Faculdade você vai encontrar as atas. E aí eu acabei ganhando e eles acabaram desistindo, pois o professor Neiva não chegou a fazer um relatório por escrito, a professora Gilca não compareceu, pois ela não queria se opor a minha pessoa, e o professor Marcelo apareceu e isto está registrado em ata, falou mil e uma besteiras, e eu me contrapus a ele e falei o dobro. E aí foi na época que eles acharam que eu iria ser preso, pois ele tinha um poder imenso, todo mundo tinha medo dele.
E o senhor não foi preso?
Não, vou ser preso mais na frente um pouquinho.
Então esse professor Marcelo era um exemplo.
Tem outros nomes?
Tem outros. Mas eu não quero colocar… ah… alguns estão ainda presentes… eu não vou colocar não, porque essa época não vai… não vai realmente ser levado a nada. Mas o fato é que havia esse processo realmente. Então você tem o arquivo do Dops. Tem uns textos que escrevi sobre o arquivo do Dops…
Por mais que a Universidade sofreu muita perseguição, a figura dos informantes impedindo a liberdade profissional de muitos professores, os expurgos, expulsões, vigilâncias, repressões, também foi um momento que a Universidade foi incentivada. Por exemplo, o senhor mesmo citou a criação dos institutos, dos centros, realmente a ditadura incentivou a Universidade?
Aí entra que eu tenho que colocar, que acho fundamental. Isso a gente coloca também em estudo. Na época que houve a presença, principalmente nos Institutos, eu cheguei a ser vice-diretor da Faculdade de Filosofia. E assumi minha vez na direção. Mas na época eu fiz o estudo dos acordos MEC-Usaid. Eu fiz o estudo, eram na época 16 acordos. Infelizmente eu perdi. Eu tinha o estudo dos 16 acordos. E o MEC-Usaid foi a política da Educação colocada dentro da Universidade, tanto é assim, que que eles fazem, eles acabam com as chamadas disciplinas politizantes, dentro da Universidade. Então diminuíram de forma substancial a carga horária das disciplinas de História, Geografia, a carga de Sociologia, eliminaram a Filosofia, pois tinham a filosofia até na escola média… Eu mesmo fiz um ano de Filosofia no Lyceu de Goiânia, onde estudei. Acabaram com a Filosofia, acabaram com o Latim, diminuiu a carga dessas disciplinas politizantes, e… introduziram Educação Moral e Cívica, com um ensino fragmentado na Universidade. Tanto é assim que aí que vem o posicionamento dessas unidades mais combativas, a Sociologia, a História (com essa divisão, que se criou uma divisão, tinham os professores de História que ficavam do lado e outros que a gente ficou dentro de um linha que…) Teve professor por exemplo que lecionava Política no curso de Sociologia que os alunos de Sociologia conseguiram tirar, pois eles não iam assistir às aulas. Ele ia dar aula e não foi um aluno. Saíam da sala todos os alunos. Pois ele era um professor ligado à Reação, à Ditadura, ele pertencia como um dos olheiros da Ditadura. A Ditadura funcionava um escritório da Ditadura, inicialmente, que era da polícia federal, era lá no prédio na rua 2, aquela que fica na esquina com a Goiás, era lá que funcionava. Eles fizeram, eles pegaram muitos também, fizeram com os estudantes, acabaram com as entidades e procuraram também depoimentos dos estudantes no sentido de incriminar os professores.
Eu mesmo tenho, quando eu fiz a pesquisa no arquivo do DOPS, eu descobri, alguns depoimentos que incriminam professores, feito por alunos da universidade, alunos informantes, mas era temerosa, a gente compreende isso né, eu próprio compreendi isso bem que teve alunos que colocou uma parte muito mentirosa a meu respeito, que eu fazia questão de fazer chamada, eu fui um dos professores que praticamente aboli a chamada na universidade, nunca fui preso a chamada; eu cheguei a dar prova na universidade totalmente livre, o aluno podia levar a prova pra casa e responder no dia seguinte, pesquisar o que quisesse, mas eu estruturava um tipo de pergunta, que fazia com que ele tivesse uma leitura múltipla, então é muito difícil um aluno chegar a tirar uma nota assim em um grau oito, devido a esse processo que eu fazia que envolvia várias leituras para se chegar a aquela pergunta, àquela formulação. A parte positiva foi o nosso posicionamento, incentiva de certa forma as áreas que poderiam serem, digamos assim, agentes cooptados;
Esse acordo, incentivava financeiramente essa relação?
Do ponto de vista financeiro eu não sei.
Pelo andamento da universidade na época, a criação dos institutos, tinha um ar de que a universidade estava a todo vapor, ou seja, sendo construída, construindo prédios, como é que era?
O problema é que, aí já se nota o seguinte, a universidade não tinha a dimensão que tem hoje, que você vê a dimensão da universidade hoje, quem faz curso, a amplitude da universidade e diga-se de passagem que foi no governo Dilma, a multiplicação, a universidade dobrou o número de unidades, pelo menos as unidades adquiriram cada uma o seu espaço, você vai hoje, todo ano eu faço palestra na universidade em várias unidades, na História, na Geografia, Ciências Sociais, ano passado mesmo eu fiz várias, você vê a multiplicação, antes não, eram menos unidades e a ditadura adotou uma tática, quando ela adotou essa política de impedir a politização do jovem, que essa política de redução de cargas de disciplinas politizantes, estava dentro de uma estratégia da ditadura militar, eu li dois documentos que saíram, um em 73 e outro em 75, quando houve as reuniões em Caracas e Montevidéu, eu recordo bem a de Montevidéu, liderada pelo general Fritz Manso, todos os generais da América Latina estavam reunidos em 75 em Montevidéu e uma das estratégias fundamentais foi que ele colocou, eu tenho esse documento, que é artigo, que foi exatamente impedir que a juventude crescesse no sentido da politização, tanto é verdade que se tinha, quando você pega a juventude da década de 60, que é a fundação da universidade e chega à juventude de hoje, você vê uma perda fundamental de conteúdo, de formação cultural, ideológica, científica…
Esse projeto deu certo?
Deu certo, eles conseguiram realmente anestesiar grande parte da juventude brasileira, isso foi uma estratégia colocada nessas conferências, infelizmente, foi um processo; outra coisa que eles utilizaram, quando se criou o Campus II, depois de 68, final da década de 60 foi criado o campus II, é uma estratégia militar, no sentido de desmobilizar a concentração dos estudantes, quebrar a unidade estudantil, não foram só em relação às ciências, as disciplinas politizantes, a essa redução de cargo sistemática e criar um estudo fragmentar de moral e cívica não, foi no sentido também de encurtar uma divisão territorial, espacial; porque antes quando a concentração era no campus I, ficava fácil o contato da comunidade estudantil universitária, com a comunidade civil, era só descer e chegar na praça, ou na Praça Cívica, ou na Praça Bandeirante, fazia caminhada, então várias caminhadas que fizemos de protesto foram desestruturadas pela violência policial e muitas delas tivemos que correr, esconder, muitos foram presos, professor Izu mesmo, foi preso em uma dessas, era professor de história da universidade, eu tinha colocado ele na minha casa em campinas, tinha dado uma ordem pra ele, porque ele pertencia na época ao PCB, falei: Não saia daqui que você não pode comparecer, e eu fui cedo, bem cedinho, fiquei de longe presenciando o comício que ia ter na praça do Bandeirante, quando é fé ele está lá no palanque fazendo, pegaram ele, aí foi terrível, porque ao pegar ele também, pegaram uma escola que ele tinha, onde tinha um curso que nós estávamos dando de filosofia, formação filosófica e partidária para estudantes do ensino médio.
A escola era particular?
Sim, era dele o cômodo, era no final da Goiás, perto da antiga estação.
Ele já era professor da UFG nessa época?
Ele era, aí prenderam, foi ruim porque prenderam também o pessoal nosso lá na escola e eles foram mandados para Juiz de Fora, aí nós conseguimos depois, através de um advogado nosso, um excelente advogado, e através dele que foi pra Juiz de Fora, conseguiu depois um Habeas Corpus, e conseguimos, e eles vieram, daqui de Goiânia uns foram pra fora do País, outros foram para fazendas, e só um que não quis sair que ficou lá em Juiz de Fora. Ele está vivo, está lá em Palmas.
É ruim falar o nome dele por quê?
Eu não vou falar não, deixa ele coitadinho, deixe ele, não quis sair… Ele achou que, queria ficar lá, não concordou, achou que tinha que ficar lá e ser julgado.
Ah, ele foi julgado? Concordou em ficar lá e participar do processo?
Foi. É… Foi julgado
Ele abraçou a causa da Ditadura?
É. Abraçou. Bom, então é isso… Bom agora vem, você falou que queria saber…
O senhor falou dessa história da fragmentação, da construção do campus II, e a minha dúvida é: tinha o CEB que eles desestruturaram, mas construíram o Instituto de Geografia, de Filosofia. O senhor considera isso uma concepção de Universidade fragmentada? Ou seja, o CEB que caminhava para unir esse conhecimento de forma mais interdisciplinar foi desestruturado e cada unidade separadamente foi construída. O senhor considera isso uma estratégia de fragmentação desse conhecimento universal?
O problema… a questão é a seguinte… A criação de cursos, assim, cada um dentro da sua perspectiva, né, na sua função de formação didática pedagógica e científica. Faculdade de Filosofia, faculdade de Educação, Instituto de Artes, Instituto… Geografia, História, Estudo de Química. Essa formação era importante no ponto de vista da estruturação da Universidade. A Universidade não poderia ser criada se não existissem essas unidades. Você não pode criar uma Universidade se não tiver aquelas cinco disciplinas obrigatórias: Geografia, por exemplo tinha que ter cinco disciplinas obrigatórias dentro do curso. Agora, a introdução do projeto MEC-Usaid que afastou praticamente a pedagogia brasileira pra colocar o modelo americano, que era um modelo superficial de formação de conteúdo. Ao invés de você formar o homem com conteúdo e com qualidade, você ia formar um… e a tendência era… depois veio a formação, que segue hoje, que é a formação de técnicos, de nível médio, né. Então não era aquela formação. Já quando você tem, você olha antes o Centro de Estudos Brasileiros, você tem uma visão cosmopolita. É uma visão de Brasil, e regional. Uma visão de Brasil, mas uma visão para construir uma unidade nacional do ponto de vista de qualificar profissionais dentro de respectivas áreas do conhecimento. Então era diferenciado.
Professor, AI-5, as grande manifestações e…
Eu fiquei muito satisfeito de ter sido escolhido pela Sociologia, fiz o meu discurso como paraninfo, e fizemos um discurso em busca da liberdade, em todos os sentidos… e… aí a gente nota, é preciso notar… a gente pensava que realmente a ditadura… com AI-5 foi totalmente… o AI-5 foi o ato que praticamente instituiu a ditadura total no Brasil, pois tirou todas as condições de liberdade em todos os sentidos: dos políticos. Aí nós tivemos os políticos sendo cassados, exilados, perdas de mandatos durante 10 anos, foi antes mas aí deu sequência. E a Ditadura investiu muito nesse processo que vai desencadear muito… que é a entrada principalmente, quando os Estados Unidos entrou nesse processo, que a gente vai verificar também aquela presença do governo Goulart que tinha um direcionamento, a gente sabe perfeitamente, né, ele tinha um direcionamento mais ligado a esse lado mais popular, populista, o governo do João Goulart. Nós do PCB tínhamos uma penetração grande dentro da estrutura, desde o governo Vargas, quando o próprio Luiz Carlos Prestes aceita participar do comício ao lado de Vargas, quando ele retorno, né, quando ele retorno Vargas aceita, era uma visão política, apesar de ter sido no governo Vargas que a companheira dele foi mandada, a Olga, foi entregue a Gestalt, mas era uma visão política. Tinha uma visão política mais avançada. Bom, e aí vem a… nós temos que ver o seguinte, a ditadura ela se implantou de tal forma que aí você vai ver, você tem um Castelo Branco, né, aí vai até a morte dele, com aquele choque de aviões, que muitos falam que foi proposital, outros falam que foi erro do piloto. Vem a subida do Costa e Silva, é editado o AI-5.
E como o senhor foi atingido por esse ato e como a Universidade foi atingida por esse ato?
Bom, eu ainda estava dentro da Universidade, atuando, estava no partido, sempre atuando no partido, nós tínhamos, né. Nessa época, a penetração da repressão e da ideologia da extrema-direita estava muito forte no Brasil, através da presença, né, quando os americanos realmente deram o golpe para depor o governo Goulart, tinha uma presença militar muito forte no Nordeste. Se calcula em cinco mil militares. Fernando Noronha seria escolhida como uma base também americana, já estavam presentes também os navios de guerra, no caso do golpe militar aqui no Brasil, civil-militar, que a gente tem que colocar, não pode deixar de colocar os civis, assim como alerta Mangabeira, né. Governador de Minas foi um dos que comandou já o envio de tropas rumo a Guanabara, né, o caso Lacerda na Guanabara, e tal. Então nós tivemos a presença muito forte da entrado do capital americano, né, financiando as instituições. Criando as instituições e financiando. O IBAD, o IPES, Instituto de Pesquisa, que era, praticamente tinha a orientação do Golbery Couto, o Ibad, Instituto que era da direita, e vários Institutos. Tinha aquele instituto popular, muito forte, foi a canalização de verbas na Igreja, não só na Igreja Católica mas na Igreja protestante, muito forte, em que eles fizeram então gráficas. Eu mesmo conheci gráficas que eles fizeram aqui em Campinas, onde eu morava, eu conheci gráfica de pastor protestante imprimindo propaganda anticomunista. Ideológica mesmo. Recebendo então essas, todo esse investimento em dólar, né. A Igreja, tanto que a Igreja e esses órgãos, eles investiram muito, grande parte da verba foi investidas no sentido de eleger, como acontece hoje, nós estamos na mesma coisa. Eleição de políticos. Mais de cem políticos, segundo consta, foram eleitos naquela época através do dólar, através dos investimentos que foram feitos pelo capital norte-americano, principalmente através das Igrejas. Investiram também nos sindicatos, quebrando a unidade sindical. E isso aconteceu, como mais tarde vai acontecer a quebra da unidade sindical, inclusive no governo Lula, nós vamos verificar isso… Então você vai verificando todo esse processo, e nós no Partido estávamos atuando contra isso. Nós tínhamos a consciência, não deixamos de atuar, só que o partido entrou na fase de crise. Aí que vem a fase também da desestruturação do partido e a criação de inúmeras é… entidades de esquerda, que praticamente tiveram como núcleo central o PCB, que foi sendo… Aí você vai ver Marighella, Lamarca, vai surgindo todo… né, são mais de vinte ao todo. Nesse livro aqui eu conto toda essa história, Cela 14 tem toda essa trajetória.
Queria muito saber a sua história pessoal nesse cenário. Veio o AI-5, o senhor era professor da UFG, o senhor fez um discurso como paraninfo da turma de Sociologia em 13 de dezembro, e aí a partir do AI-5, como foi para o senhor o fechamento do regime, como o senhor foi atingido?
Interessante. Eu não vou ser atingido ainda. O AI-5 ainda não me pegou. Ele vai pegar… Porque quando vem o AI-5, aí você tem… dentro da Universidade ele agudizou o processo, digamos de espionagem. Ele praticamente, a ditadura reforçou tudo o que tinha, em todo o sentido. O posicionamento. Começou a chamar diretor para depor, a chamar diretor para tentar apontar pessoas, utilizar professores para apontar pessoas no contexto da Universidade. Tudo isso aconteceu. O Marcelo mesmo, acho que é Caetano o sobrenome dele, Marcelo Caetano, me lembrei, tem vários professores, mas vou ficar nesse somente. Aí começaram a realmente a haver um processo de vigilância. E eu me mantendo dentro da Universidade, porque eu fui concursado, era o meu ganha pão, eu tinha 40 aulas, lecionava no curso de Geografia, História e Ciências Sociais. As unidades sendo fechadas em todo sentido, essa redução. Só que, é o seguinte, do meu ponto de vista, mesmo havendo redução, eu tenho a formação daquilo que eu vou ministrar. Eu nunca fiquei preso ao currículo, eu sempre tive muito a frente dos currículos, em todos os sentidos. Desde que eu fiz o curso, meu curso Universitário, eu estava a frente dos currículos. Nunca fiquei preso á currículo. Sempre estive à frente, com uma leitura bem a frente, e uma participação a nível de comunidade e movimentos ligados ao partido e ligados ás entidades, né. Eu fui operário. Doze anos eu fui marceneiro. Trabalhei em máquina de arroz cinco anos, então eu tinha consciência operária. Meus pais todos nós fomos operários. A minha casa em Campinas foi um refúgio. Quando a ditadura começou a apertar em todo o Brasil, e houve a desestruturação do PC, não só do PC, como de todos, começou a perseguição violenta a todos os partidos de esquerda. E o PCB, eu vou pegar o PCB pra ficar dentro da Universidade, porque eu tenho que colocar isso, ele foi uma fonte fundamental na minha formação. Nós tivemos a presença em nossa casa, que nós abrigamos, alguns por três meses, dois meses, uma semana, presença de vários elementos do PCB que depois foram mortos pela ditadura.
Lembra de alguns nomes professor?
Eu vou citar alguns só. Vou citar alguns nomes. Tivemos a presença por exemplo do Velho. O Velho foi um elemento tido como nosso praticamente secretário geral nacional.
Quem era o Velho?
Era o Velho. O apelido era Velho. Porque nós usamos assim. Tinha o Iran, o Iran era jornalista. Foi um elemento que nós tivemos. Nós tivemos um militar lá que era, era capitão do Exército. Ele ficou três meses, né, que tinha também saído, como Lamarca também deixou o quartel de Santos, ele também deixou, ficou… Então nós tivemos, a nossa casa, dos meus pais, sem que ninguém soubesse, na verdade depois foram sabendo aos poucos, foi um refúgio. A gente abrigou. Isso lá, eu fui recebendo uma formação, minha formação foi o curso de História, foi movimento de base, foi o partido PCB. Então eu tive uma formação… por isso que aqui você vai ter aqui minha formação de vida aqui. É lógico, tudo não. Vai ter dentro do contexto. Porque é muito mais do que isso, eu tive que simplificar.
Bem, e aí veio a universidade. Eu estou lá dentro da Universidade. Começou a queda dos elementos nossos, houve uma primeira grande queda em 1970 em Anápolis. Caiu um comitê nosso, gente importante. Daí começou a cair Trombas e Formoso. Anápolis fazia o pivô da ligação Goiânia, Anápolis, Trombas e Formoso. Então nós tínhamos, por exemplo, o que vinha de Trombas para Anápolis, nós tínhamos reuniões que a gente fazia, aí caiu lá.
Em 1970 foi quando foi criada também a Assessoria de Segurança e Informação na UFG. O senhor chegou a ter informação disso?
Não, eu fiquei sabendo mas eu nunca… Eu tive o seguinte, você sabe que eu fui guindado a vice-diretor da Faculdade de Filosofia, depois vai ser Instituto, junto com o professor Douglas, isso em 1968, foi na época do reitor Jerônimo Geraldo de Queiroz. E fui indicado pelo professor Jerônimo, que depois é taxado, né… Meu nome foi aceito pelo seguinte: eu tinha muita, assim, dentro do círculo de professores, eu era muito assim, digamos, respeitado, vou usar essa palavra, né. Todos os professores viam meu nível… minha coerência,né, a minha participação, o pessoal sabia da minha participação fora da Universidade. O fato é que eu fui guindado. Um ano. Depois, aí depois eu vou ser preso em 1972.
Então o senhor ficou como vice-diretor até 69?
É, foi só um ano. Saí porque acabou o mandato. Foi um mandato… Eu acho, eu não lembro bem, eu sei que eu saí, não fui tirado não. Foi… É que veio já em 72… é 72, eu fui preso em junho de 72.
O senhor foi preso primeiro ou o senhor foi demitido da UFG primeiro?
Não, em dezembro já começou a fase de… de… a fase… já começou a fechar o cerco a partir de dezembro de 1971. Aí entrou 1972, foi apertando o cerco, né, foram caindo muitos elementos do partido. Então praticamente acabou o partido sendo aberto aqui em Goiânia. Não só em Anápolis em 1970, depois Trombas, depois caiu… caiu aqui o comitê secundarista, depois o comitê universitário, e atingiu o regional. Eu era do comitê regional, secretário de Educação do PCB, quando eu caí.
O senhor era secretário de Educação do PCB quando foi preso, e o senhor ainda era professor universitário?
A demissão vem depois que vou preso. Vou preso. Vou para o 10º DC. Depois sou enviado a Brasília, lá ficou três, quatro meses. Depois saio, sou condenado a um ano. O advogado entrou, o advogado era o Rômulo Gonçalves, e pegou a defesa. Foi o mesmo advogado que pegou a defesa do juiz que veio, o Sobral Pinto. O Rômulo Gonçalves. Ele e o Jorge Jungmann. Aí nós fomos condenados e depois fomos cumprir o restante da pena no CEPAL. E aí houve o seguinte…
Esse restante da pena era quanto?
Foi pouco. Era 30 dias. Fiquei quarenta dias no cepal.
Ao todo o senhor ficou preso um ano?
Não, assim, dentro do contexto, eu fiquei preso praticamente, não chega a sete meses. Preso, né. Mas ficou dentro dum período de dois anos, aguardando. Só que aí entrou, quando saí da prisão do Cepal, a gente voltou, eu e um grupinho de cinco elementos, voltamos a voltar reestruturar o PCB. Aí o cerco apertou mais. Nessa época o professor… quando houve o julgamento, o doutor Rômulo falou o seguinte, olha vocês vão ficar libertos aguardando a ida para o Cepal, mas a recomendação é que você caia fora. Porque o juiz militar entrou na auditoria militar pedindo a condenação. E a condenação não vai ser menos de dois anos. Vocês serão condenados. Ele achou que o processo foi pouco. Aí então nessa época é que a gente preparou a fuga, de sair, eu e mais alguns.
Antes, de sair em fuga, quando saiu do Cepal e tentou reestruturar o PCB, o senhor voltou para UFG ou não tinha mais vínculo?
Não. Quando eu saí a UFG já aplicou toda a penalidade que me cabia na época do Farnese. Mas não culpo ele não. Montou aquele processo… processo falso porque na verdade era orientação do general, general, se não me engano, Segadas Viana, um general que ocupou aí, deu ordens no Brasil todo.
Não era vinculado a UFG?
Não. Mas ele deu ordens para… por exemplo essa ordem de ampliar a penalidade praticamente dev ter sido dele. Mas se criou um processo administrativo fajuto. Aí eu fiz o processo, antes de eu ser demitido, criaram-se esse processo adminstrativo. Um amigo meu que era do PCB montou o processo pra mim, e… o fato é que não tinha, dentro da Universidade eles não encontraram provas assim da minha atuação ideológica partidária. Tinha do ponto de vista ideológica, mas partidária não.
Não encontraram nada?
Não. Aí não adiantou esse processo e aplicaram em dezembro, não sei a data, o decreto 477, por cinco anos. Para professor foi aplicado cinco anos, e estudantes e funcionários, não sei se funcionários foi três anos ou cinco anos.
Qual foi o sentimento do senhor?
Perdi tudo.
O senhor lembra quando o senhor recebeu a informação? O que o senhor sentiu?
Não eu… eu sabia que eu seria tirado porque o reitor ele não tinha forças suficientes para se antepor a ditadura. Tanto que eu falei pra ele pessoalmente, é o Farnese. Eu conhecia a filha dele era amiga da minha filha. Chamava Vilma, eu acho. Farnese morreu há um tempo. E o irmão do Farnese, o Helder era altamente participante do movimento de democratização da universidade, era de movimento de rua, era ligado a mais ao… Helder Maciel, ele tem uma participação muito boa, ele era de formação, pastor, né, mas ele teve uma atuação muito boa, sempre teve um participação no movimento… nós fazíamos muitos movimentos conjuntos dentro da Universidade, então Farnese era irmão dele. Então eu tinha muita ligação com Helder. Aí eu… perdi tudo, me tiraram, apesar de a gente ter aquele decreto de, que foi, que era, que você tinha tantos anos você tinha direito, como chama o decreto?, que era uma lei que… de permanência vitalícia, você não pode ser demitido… mas não valeu nada, isso não funcionou nada, ditadura não olha isso, né. Ela não olhou nada disso, ela tirou toda… transgrediu tudo ainda mais com o AI-5.
E qual foi o sentimento do senhor?
Bom, agora vem o sentimento. O sentimento é de perda né, porque eu já era casado pela segunda vez, já tinha três filhos com a primeira mulher e um com a segunda, né, eu estava sem emprego, e aí… aí aconteceu o seguinte, a única coisa que eu tinha para receber era os… os direitos, né, os salários, férias, e recebi também uma ajuda de uns amigos meus na universidade federal, que sabia que eu sabia mexer com mapas, entelar mapas, aí passaram, me deram uns duzentos mapas para eu entrar, para ganhar algum dinheiro. Eu não pude mais ficar… Eu alugava uma casa, tive que deixar a casa e fui morar num quarto na casa da minha mãe. Eu a mulher e o filho. Os outros tinham casa própria, com a mãe deles. E aí, foi um dos primeiros trabalhos, enrolei uns duzentos mapas, isso foi bom que ganhei uns sobrinhos. Teve um outro professor da Universidade Católica, que o mês de setembro, que eu lecionava também na universidade Católica, eu mesmo tinha começado a lecionar quando fui preso no mês de julho, ele pegou a turma e terminou o mês e passou o salário pra mim.
Tentei… fui procurado pelo professor Isu: ele disse que queria me ajudar. Ele foi um dos proprietários do curso, como chama aquele que foi ministro? Aquele que foi famoso lá no Acre? Que fez o tratado lá? Instituto Rio Branco. Rio Branco que fez o tratado lá no Acre com o Brasil. Brasil ganhou o Acre da Bolívia, depois da luta que teve lá com Plácido de Castro que foi um grande herói nacional que lutou contra os bolivianos para manter o território. Então o Isu era um dos proprietários, o Nion Albernaz era um dos proprietários, Nion Albernaz era professor no Lyceu, eu fui professor no Lyceu 10 anos, conheci Nion Albernaz. Então o Isu foi propor pra mim pra eu escrever duas apostilas em forma de livro, para eu ganhar um dinheiro. Aí eu fiz essas apostilas, eu fiz dentro de dois meses de trabalho eu fiz duas apostilas, que eles ganharam dinheiro demais com elas, mas só me pagaram quinhentos, era quatro mil e quinhentos as duas, mas só recebi quinhentos. Eu ia lá pra receber, o Nion era tesoureiro, negou de toda forma, não tem dinheiro e tal… fizeram maior sacanagem comigo, Eu registrei tudo. Tenho ela registrada que era produto meu. Fui no cartório, registrei. O Isu depois, mais tarde, pediu desculpas porque não sabia que eu não ia receber e tal. Eu falei: eu caí numa fria. O Nion não paga mesmo. Ele e o tesoureiro do Instituto Rio Branco. E depois mais tarde quando eu regressei da Suécia…
Então o senhor foi para fora?
Bom, aí o seguinte, a ditadura apertou, eu estava organizando uma célula do partido de novo. Aí começou a apertar, colegas nossos começaram a sair do brasil. Então teve uns que foram para Suécia, uns que foram para Moscou e começou a sair. Aí o professor Rômulo levantou o negócio e falou vocês serão condenados, se vocês ficarem é certeza da condenação. Isso de fato ocorreu, os que ficaram foram condenados a dois anos a mais. Aí eu conversei com um dos elementos que estavam formando a célula também e falei “não, não vou ficar”, e ele também, ele tinha uma ligação com judeus, ele mexia com jóia, e tinha comunicação com judeus lá em são paulo, aí ele me procurou e falou olha, é o seguinte, eu tentei tirar o passaporte aqui não consegui, fui na secretaria, acompanhado do advogado, professor Lourenço, que é excelente advogado, o mesmo que tirou os meninos lá de Juiz de Fora, o mesmo que nós contratamos para tirar o dinheiro do Porfírio para Assembleia, que levou para mulher dele. E uma parte foi transformada em remédio, que foi lá para Trombas que mandamos. E aí o companheiro meu falou: eu não vou ficar de espécie nenhuma. Eu tenho um amigo judeu lá em são paulo que ele falou que ele arruma o passaporte, mas tem que pagar, três mil. Eu não tinha dinheiro, um irmão meu me ajudou, já faleceu há uns anos atrás, e me deu muita assistência. Os outros dois irmãos foram perseguidos também. Eram também do PCB. Um ficou três meses lá na mata do vão do Paraná escondido para não ser morto. Ele morava lá em Alvorada do Paraná. Fundou lá a Associação, depois os sindicatos dos camponeses, que tinha uma ligação muito forte com Brasília.
Bom, aí meus irmãos se esconderam, veio o golpe, e eu diante desse processo, vou falar do sentimento, o sentimento foi de perda realmente, mas como eu tinha consciência de sempre batalhar pra saída e eu tinha uma formação operária, então pra mim não tinha… quando eu fiz os mapas, entelamento de mapas, foi uma saída, quando eu escrevi os livros, outra saída. Quem me ensinou a fazer mapa foi até um rapaz que fez o curso de História e foi aluno meu. Depois ele esteve nos Estados Unidos e faleceu a pouco tempo. E… Chamava Elcio de Moura. Os irmãos dele e os pais eram donos daquela Ótica Brasil. Ele que me ensinou a entelar mapas.
Então sempre tive uma postura de enfrentamento, né… e a minha companheira nessa época também, mais tarde ela lecionava sociologia na católica ela vai também sair da Católica. Depois ela vai embora mais tarde, vai para Suécia… E aí eu, diante desse quadro eu tomei uma decisão, só que eu tinha uma sorte, alguns elementos, que não quiseram se identificar, fizeram uma cotização e arrecadaram uns sete mil reais. Eu paguei três mil no passaporte, para o judeu que chegou lá e pagou pra ele… e os nomes… Alguns nomes eu sei, um dos nomes que foram embora e que me deram o dinheiro foi Sérgio Paulo. Eu sei que padre Pereira foi outro. Eles nunca falaram nomes mas eu sei. Então através dessa ajuda e de uma ajuda do meu irmão Odilon… Eu tive que sair. Chegou em São Paulo eu dei o dinheiro para o judeu, imediatamente ele levou para o Rio de Janeiro. Era para nós estar no outro dia no RIo, tal hora, o apartamento x. Chegou lá, já estava um senhor de idade, que se apresentou como um elemento, nos encaminhou para o Dops do Rio de Janeiro para tirar a documentação. Tudo dentro do esquema. Ele era do Dops do Rio de Janeiro. Para você ver a influência ainda na época da ditadura, da luta antiditadura. O judeu fez por dinheiro. Mas tinha um esquema. Aí tirou, no mesmo dia às 16h recebemos o passaporte, né, acompanhados de boa viagem, felicidades.
O senhor deixou tudo, mulher e filhos?
Ai tive que deixar tudo, saí escondido à noite.
Foi bom ou ruim?
Não, aí é uma fuga terrível. Você deixa filhos. Aí que é o lado pior. E eu tinha um dos filhos, o filho que tinha com a última, por exemplo, Iuri Daniel, ele era um menino excelente, ele era porque ele faleceu depois, ele faleceu com 32 anos, formou em Engenharia, e faleceu, um erro médico. Não vou comentar não. Perdi ele. Mas era um menino fora de série. Gostava de pipa. Eu fazia pipa pra ele. Porque todos os brinquedos eu aprendi a fazer, né. E aí, tanto é assim, que escrevi um livro agora, que vou publicar esse ano, que se chama, Brincadeiras de Criança, que descrevo a brincadeira, mas que eu fabricava os brinquedos como as pessoas se manifestavam, bom, aí o sentimento é uma perda muito forte né, vai, depois dali a 4, quase 5 meses a mulher vai, então foi pra Paris.
Ele foi também o Yuri, ou ficou?
Não, ficou todos aí,
Para os avós?
Ficou com a mãe e a mãe morando com os avós.
Mas o senhor não falou que sua mulher foi quatro meses depois?
Não, foi depois, o yuri foi, não, eles vão, eles vão depois, né, vai o Yuri e o Tiago, eu deixei eu falei o Yuri só mas já tinha o Tiago e lá na Suécia eu tive ainda a Vanessa, que nasceu lá, três filhos também que com a primeira também tive três filhos e aí eu deixei e fui pra Paris, através de um amigo meu, professor da UFG, amicíssimo meu, ele já fez a tese lá de doutorado dele e ele já tinha uma relação muito grande em Paris, dentro de um “Foaiê”, que é uma república e eu fui parar nessa república, aí eu fiquei lá em Paris, depois eu tentei ir para União Soviética, entrei em contato com uns amigos meus, queria ir para Moscou, eu tinha amigos lá, mas acontece que os amigos de Moscou eles não atenderam, demorou pra atender e nesse inteirinho a minha companheira estava querendo vir e eu não podia abriga-la em Paris, não tinha condição nenhuma, porque eu morava em uma república em um quarto, né, então não tinha condições, já lá era totalmente cheio de tudo quanto é refugiado estavam lá, da America Latina toda, da África, da Índia, refugiado político, é um “Foiaê” político e aí eu falei: agora você não pode, tem que deixar mais pra frente, aí eu decidi depois, tive contato com a Suécia, que eu tinha outros amigos, com Lund, e aí eu recebi todas as informações, não, vem pra Lund, aqui tem condições e tal, etc. E aí acabei indo pra Lund, aí você tem toda a história, toda trajetória nesse livro.
E ficou lá até quando?
Fiquei lá até... voltei em primeiro de 1980, fiquei quase cinco anos, quatro, não chegou a cinco.
Depois quando o senhor voltou já nessa fase de abertura, o senhor voltou pra UFG?
Ah bom, aí quando eu voltei foi pra assumir o meu cargo, aqui no Brasil ficaram alguns professores, inclusive daqueles que me ajudaram, mandando informações, preparando o meu retorno para a universidade, veio a Lei da Anistia, eu aguardei, que ela é de 28 de agosto de 79, nessa época eu estava fazendo um curso de Arqueologia, na universidade de Lund, eu já tinha estudado quase três anos na universidade de Lund... (Anexo Corrompido)