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Universidade Federal de Goiás
José Alexandre Diniz

O paradoxo das coautorias em publicações acadêmicas

Em 11/04/19 17:58. Atualizada em 17/04/19 16:11.

Para o professor a prática poderá desencadear toda uma mudança na lógica da avaliação e na própria estrutura e dinâmica da produção científica mundial

José Alexandre Diniz

José Alexandre Felizola Diniz Filho*

A ciência vem se tornando cada mais complexa, criando a necessidade de integrar pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento e com diferentes formações a fim de resolver problemas teóricos e aplicados. Em diversas áreas de pesquisa está ficando cada vez mais claro que a fronteira do conhecimento está na interface entre essas áreas, ampliando a interdisciplinaridade em diferentes escalas. O intercâmbio entre pesquisadores de diferentes instituições e a formação de redes de pesquisa nacionais e internacionais tem sido incentivada pelas agências de fomento à pesquisa. Ao mesmo tempo, em diversos programas de pós-graduação (especialmente nas ciências naturais), espera-se dos discentes trabalhos cada vez mais sofisticados que, por sua vez, exigem a supervisão ou colaboração efetiva com diversos pesquisadores. Isso faz com que esses discentes, além de dominarem sua área do conhecimento para desenvolver pesquisa de ponta, desenvolvam habilidades de liderança e capacidade organizacional, importantes para sua formação e atuação profissional futura.

Como consequência desses incentivos à colaboração e do aumento de complexidade na ciência, espera-se que o número de coautorias nas publicações científicas, especialmente nos artigos publicados em periódicos científicos, aumente ao longo do tempo. De fato, esse padrão tem sido observado e existem hoje artigos publicados em revistas cientificas assinados por centenas de autores. Por exemplo, um trabalho publicado na “Scientometrics” em 2015, liderado pelo Dr. João Carlos Nabout, da Universidade Estadual de Goiás, mostra que, considerando as tendências temporais no número de autores, os artigos escritos por um único autor devem desaparecer na área de Ecologia por volta do ano de 2050.

Entretanto, há um ponto importante a se considerar na questão das coautorias, que de certa forma cria uma situação paradoxal para a atividade científica no século XXI. Cada vez mais a ciência passa a ser uma atividade profissional sujeita a avaliações de desempenho a partir de definições de mérito acadêmico e competência individual, dada a competição por vagas de emprego e recursos para financiar projetos de pesquisa e bolsas de estudo. Nesse contexto, os artigos com muitos autores passam a ser um problema e, infelizmente, passa a haver uma certa desconfiança nessas coautorias (eu diria que em geral de forma injusta), por duas razões principais.

Em primeiro lugar, existe um problema de integridade acadêmica, que aparece na forma de autorias “espúrias” ou “honoríficas”, que certamente não deveriam existir. Em geral, os periódicos científicos colocam, em suas orientações para os autores, critérios que devem ser seguidos para definir quem merece efetivamente coautoria em um trabalho científico. Apenas como exemplo, entende-se que, de modo geral, dar acesso à utilização de um equipamento ou a um laboratório não justificam a autoria. Deve sem dúvida haver um envolvimento intelectual ou operacional (i.e., em termos de obtenção ou análise de dados) para justificar uma autoria. Além disso, muitas revistas publicam qual a contribuição individual de cada autor no artigo.

Em segundo lugar, mesmo que idealmente excluídas as questões de integridade acadêmica, resta ainda o problema da avaliação de desempenho de um pesquisador individual a partir desses artigos com múltiplas coautorias. Em geral entende-se que o primeiro e o último autor recebem o maior crédito pelo artigo, pois seriam (de diferentes formas) os líderes do artigo ou do projeto. Mas e em relação aos demais autores? A tendência é que estes recebam menos crédito pelo artigo, mas sempre fica a questão de quanto seria essa redução e se essa redução na contribuição seria homogênea entre os muitos coautores. O problema, entretanto, é que esse tipo de avaliação pode desestimular as coautorias ou eventualmente acirrar disputas pelas posições de autor “principal”. Cria-se, portanto, uma situação paradoxal na dinâmica da produção científica, um conflito entre a tendência atual em direção à complexidade e interdisciplinaridade e a avaliação de mérito acadêmico individual.

Ainda não há uma resposta definitiva para esse conflito, mas dada a natureza da própria ciência, parece pouco provável que haja um retorno a autorias individuais. A solução, portanto, seria repensar os critérios de avaliação. De fato, por várias razões, de fato já existe uma tendência a substituir avaliações puramente quantitativas em grande escala, baseadas em métricas de números ou citações de artigos, por uma avaliação mais qualitativa da percepção do pesquisador sobre seu próprio trabalho (ou de grupos de pesquisa ou programas de pós-graduação). Isso pode ajudar no paradoxo criado pelas coautorias. Ainda há que se avaliar essas novas estratégias, mas sem dúvida o problema merece atenção e certamente poderá desencadear toda uma mudança na lógica da avaliação e na própria estrutura e dinâmica da produção científica mundial.

José Alexandre Felizola Diniz Filho, Departamento de Ecologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Goiás

 

Fonte: Secom UFG

Categorias: Artigo