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Participação de mulheres na Química é tema de painel no BrazMedChem
Sessão interativa questionou: por que tão poucas?
Mariza Fernandes
No segundo dia do BrazMedChem, maior evento sobre química medicinal da América Latina, os e as participantes do congresso fizeram uma pausa nos debates sobre questões técnicas do desenvolvimento de medicamentos para falar sobre um tema bastante recente na área: a participação de mulheres na ciência e o sexismo que permanece forte não apenas entre cientistas, mas em diversos contextos sociais.
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A sessão interativa “Mulheres na química medicinal, por que tão poucas?” convidou quatro pesquisadoras da área para debater o tema. A professora Vanderlan Bolzani, da Universidade de São Paulo (USP), iniciou sua conferência chamando a atenção para um dado alarmante: “Quando fui convidada para fazer essa fala, iniciei uma breve pesquisa e descobri que as mulheres na química medicinal representam menos de 20%”, afirmou. E lançou uma questão que permeou toda a sua conferência: “O que podemos fazer para mudar esse cenário?”.
Mudar a forma como nos vemos
Segundo Bolzani, a primeira medida a ser tomada é mudar a forma como as mulheres vêem a si mesmas. Essa fala foi reforçada pelas outras participantes da sessão interativa, que destacaram a importância de uma mudança cultural para que meninas sejam incentivadas a se interessar por ciências. “Na minha faculdade, não havia nenhuma mulher professora. Todos se pareciam com o estereótipo do cientista”, afirmou a canadense Sylvie Garneau-Tsodikova, da Universidade do Kentucky (USA), enquanto mostrava o desenho de um cientista representado por um homem branco, com cabelos lisos e brancos, usando um jaleco e óculos, exatamente como as crianças são acostumadas a ver nos desenhos animados.
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“Temos que ensinar às crianças que cientistas podem ser de diversas formas. Eliminar estereótipos. Existem diferentes formas de fazer ciência”, reforçou Bolzani. Outro ponto evidenciado pelas conferencistas é a necessidade de mudar os locais de trabalho para garantir a inclusão das mulheres. Algumas das sugestões apresentadas por Sylvie Garneau-Tsodikova são: promova as mulheres de sua equipe; convide mulheres para realizar palestras e conferências e nomeie mulheres para concorrer a prêmios. “Pare por um momento e pense no que você pode fazer”, convidou a pesquisadora.
Mudando nossos locais de trabalho
As propostas de Sylvie estão sendo aplicadas há alguns anos pela alemã Gunda I. George, que também participou da sessão interativa. A professora da Universidade de Minnesota (EUA) mostrou como o Journal of Medicinal Chemistry, revista na qual ela é editora-chefe, vem realizando uma série de ações de inclusão nos últimos tempos, como a inserção de mais mulheres como autoras e editoras das publicações.
A 9ª edição do BrazMedChem é presidida por uma mulher, a professora Carolina Horta, da Universidade Federal de Goiás (UFG), que em 2014 recebeu o prêmio Para Mulheres na Ciência, da L’Oreal-Unesco-ABC e, recentemente, foi eleita como membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências (ABC) para o período de 2016-2020. No evento, chamou a atenção a presença de crianças que acompanhavam suas mães e pais cientistas.
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A professora Rafaela Salgado Ferreira, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), disse que se sentiu tranquila para levar o filho, um bebê de poucos meses, para o congresso de quatro dias de duração em Pirenópolis. “Com certeza não é fácil conciliar, mas algumas iniciativas fazem toda a diferença. Por exemplo, nesse congresso, o hotel fornece contatos de babás, e foi por isso que eu consegui vir, porque assim eu consigo alternar entre participar do evento e ficar um pouco com ele”, disse.
Mudar nossa sociedade
Um aspecto bastante reforçado no debate foi que o combate ao sexismo ou discriminação de gênero não deve ser compreendido como uma pauta apenas das mulheres. É preciso que toda a sociedade se envolva. “Nós ainda temos uma diferença muito grande de participação entre homens e mulheres na ciência, e só vai melhorar a partir do debate”, afirmou Rafaela Salgado.
Vanderlan Bolzani lembrou da importância de que meninos também sejam incentivados a se interessar por atividades socialmente compreendidas como “femininas”, a exemplo de cuidar da casa e dos filhos. Quando a coordenadora da sessão abriu o debate para a plateia, pesquisadoras e pesquisadores de diferentes países relataram experiências como a licença paternidade de três meses e homens que decidem ocupar a função de pai “dono de casa” em tempo integral. "É preciso acabar com a cultura do rosa pra meninas e azul para meninos", afirmou a professora da USP.
Categorias: Humanidades