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Universidade Federal de Goiás
Abertura simposio cannabis

Simpósio debate uso e potencialidades da Cannabis

Em 06/12/19 16:08. Atualizada em 06/12/19 18:14.

Palestrante apresentou histórico e importância da maconha medicinal para tratamento de doenças

Gustavo Motta

A Universidade Federal de Goiás (UFG) está realizando a primeira edição do Simpósio de Cultivo de Cannabis sativa para Uso Medicinal no Cerrado. O evento teve início na última quinta-feira (5), com programação até sábado (7), e tem como objetivo ampliar o conhecimento sobre os tipos de produção, usos e potencialidades desse recurso popularmente conhecido como maconha. A iniciativa realiza atividades na Escola de Agronomia (EA/UFG), Câmpus Samambaia, e no Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCE), local que recebeu a abertura do evento.

A mesa de abertura teve presença da Vice-Reitora da UFG, Sandramara Matias Chaves, o Vice-Governador de Goiás, Lincoln Tejota, entre outros convidados. Os participantes da mesa foram recebidos pela Presidente do Simpósio, Abadia dos Reis Nascimento, e pelo Presidente da Associação Goiana de Apoio e Pesquisa à Cannabis Medicinal (Agape), Yuri Tejota - responsável pela primeira palestra do dia, quando apresentou um histórico sobre a planta.

Mesa seminário Cannabis
Mesa de abertura contou com representantes do poder público e sociedade civil (Fotos: Ana Fortunato)

 

História

O palestrante explicou que o uso da planta é milenar, sendo que os primeiros registros podem ser encontrados em pinturas rupestres pré-históricas. Já na Antiguidade, a Cannabis era conhecida por diferentes povos, como os trácios, gregos, egípcios e chineses, empregada com fins medicinais, e para a produção de fibras e azeites. “Havia também os casos em que se utilizava os efeitos psicoativos da planta para rituais religiosos, como faziam os antigos citas”, relata.

Quanto à cultura indiana, Yuri explicou que existe uma associação entre a maconha e o deus Shiva, que em algumas representações aparece com uma "visão baixa, o que para alguns pesquisadores seria a representação de alguém que consumiu a erva". No hinduísmo, ele é o deus responsável pela destruição e reconstrução de todas as coisas. Uma das criações dessa divindade teria sido a própria planta - resultante do encontro entre a saliva de Shiva e a superfície da terra.

Já no Oriente Médio, a comunidade judaica registra referências à Cannabis no texto bíblico quando se refere a óleos aromáticos. “Na Bíblia, a maconha é chamada de cálamo ou cana aromática, e aparece em algumas versões do texto, como no livro de Cantares de Salomão, capítulo 4, versículo 14”. Já a comunidade árabe promoveu o consumo por meio do haxixe, uma resina extraída da planta e consumida por seguidores do sufismo, uma vertente mística do islã.

No século 17, foram realizados estudos botânicos sobre a maconha, inclusive com uma recomendação do clérigo inglês Robert Burton sobre o tratamento da depressão (chamada na época de “melancolia”) por meio de chás feitos com a erva. Em 1794, o Edinburgh New Dispensary, um manual inglês de saúde, recomendava o uso de um óleo extraído da maconha para tratamento de tosses e até de incontinência urinária.

Criminalização

Conforme o palestrante, o uso da maconha começou a declinar em 1890, com a substituição da planta por outros compostos psicoativos que tinham a vantagem de ser aplicados de modo mais fácil: com agulhas. Além disso, os produtores de algodão nos Estados Unidos temiam a concorrência com a maconha, que tinha melhor aproveitamento na produção de fibras - tanto que, na década de 1940, o Departamento de Agricultura do país incentivou o cultivo da Cannabis (já ilegal) para a fabricação de cordas, mangueiras e outros acessórios utilizados em combate.

“Na década de 1930, Harry Anslinger se tornou um grande disseminador de falsas notícias sobre o uso da Cannabis”. Naquele tempo, a criminalização da droga atendia, além de interesses econômicos, a interesses racistas. “Ele iniciou uma campanha nos jornais que associava o consumo à esquizofrenia, violência, assassinatos e estupros, muitas vezes apresentando casos protagonizados por homens negros e latinos que teriam consumido a droga e praticado crimes”. Anslinger também foi responsável pela popularização do termo “marijuana”, como uma tentativa de associar a suposta onda de violência aos imigrantes, cuja maioria tinha o espanhol como língua nativa.

Ciência e descriminalização

Em 1963, o químico israelense Raphael Mechoulan descobriu o canabidiol (CBD), um dos principais compostos na estrutura da Cannabis. O CBD é base para a fabricação de remédios para o tratamento da esclerose múltipla e câncer, entre outras doenças. No ano seguinte, foi isolado o tetrahidrocanabinol (THC), identificado como o princípio psicoativo da maconha. Já em 1980, com o apoio de pesquisadores da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, o cientista comprovou o uso da Cannabis para o tratamento da epilepsia.

“Israel é uma referência quando o assunto é pesquisas sobre o desempenho da maconha na melhora da qualidade de vida das pessoas”, conta Yuri Tejota. O país também libera o uso medicinal da maconha desde 1999. Por isso, o palestrante destacou a importância da ciência para se superar preconceitos e pensamentos retrógrados que, no Brasil, “dificultam o tratamento de milhares de pessoas que estão lutando pelo direito à vida”. 

Nos Estados Unidos, 33 unidades federativas aprovaram o uso medicinal da Cannabis, enquanto o uso recreativo já é permitido em 11. “Apoiar o cultivo da maconha é lutar pela nossa soberania nacional, para que os necessitados aqui não fiquem dependentes de políticas e taxas estrangeiras para exportar medicamentos”, apontou. Uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou na última terça (3) a venda de produtos à base da planta, mas vetou o cultivo, que pode ser realizado apenas com autorização judicial.

O uso da Cannabis pode ser empregado para o tratamento de doenças, mas também pode colaborar com a indústria de tecidos, cosméticos, óleos, papéis, entre outras. Devido à proibição, as famílias que precisam utilizar a planta por motivos de saúde têm apenas duas opções: apelar para a permissão da justiça sobre o cultivo; ou exportar medicamentos à base do CDB. No entanto, o custo anual para adquirir esses produtos pode chegar até 10 mil dólares por paciente. “Esse custo poderia ser diminuído, caso fosse possível a produção no Brasil. Isso também permitiria a criação de empregos e recolhimento de impostos pelo governo”, apontou.

Yuri Tejota
Yuri Tejota: produção permite criação de novos empregos e recolhimento de mais impostos

 

Mesa de abertura

Yuri Tejota participou da mesa de abertura do simpósio, que contou com a presença de outros representantes da sociedade civil e do poder público: o Superintendente Federal de Agricultura, José Eduardo de França; o Conselheiro do TCE, Sebastião Tejota; o representante da Secretaria de Estado de Saúde, Fernando de Jesus; os vereadores Lucas Kitão, Gustavo Cruvinel e Priscilla Tejota; o Deputado Estadual Rubens Marques; o Diretor Científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), Marcos Fernando Arriel; e a Chefe de Gabinete na Presidência da Emater, Rose Cruvinel.

Representando a UFG, estiveram presentes a Vice-Reitora, Sandramara Matias Chaves, o Diretor da Escola de Agronomia (EA/UFG), Marcos Gomes da Cunha, e a Presidente do evento, Abadia dos Reis Nascimento. Completando a mesa, o simpósio recebeu o Vice-Governador de Goiás, Lincoln Tejota, que destacou a importância da iniciativa: “o conhecimento é resultado da ousadia de pessoas que desafiaram ideias conservadoras - por isso, contamos sempre com o apoio das universidades para a promoção de pesquisas e realização de eventos que discutam a melhoria em nossa qualidade de vida”.

Lincoln Tejota
Licoln Tejota: "conhecimento é resultado da ousadia de pessoas que desafiaram ideias conservadoras"

Abadia dos Reis destacou que a Universidade tem como dever “educar, pesquisar e difundir a ciência, por meio da troca de debates e experiências - o que nos propomos a fazer nesse simpósio”. Professora do Curso de Agronomia na EA/UFG, ela conta que percebeu uma escassez de abordagens na área sobre o cultivo da planta, sendo esse um dos grandes motivos para a realização do evento. “Estamos realizando uma parceria com a Universidade de São Paulo (USP) com foco na produção da Cannabis”, destacou.

Evento

O I Simpósio de Cultivo de Cannabis sativa para Uso Medicinal no Cerrado conta com oficinas, palestras e mesas-redondas, com programação até sábado (7). O evento foi idealizado e coordenado pelas professoras Abadia dos Reis Nascimento e Patrícia Guimarães Santos Melo, da EA/UFG, junto com a Associação Goiana de Apoio e Pesquisa à Cannabis Medicinal (Agape).

Fonte: Secom/UFG

Categorias: saúde