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Universidade Federal de Goiás
Marta Quintiliano

PANORAMA

Em 25/08/20 13:34. Atualizada em 25/08/20 13:38.

Comunidades Negras Quilombolas e a Covid -19

Marta Quintiliano*

Marta Quintiliano

Os quilombos são espaços de coletividade, cultivo da terra, preservação da memória, lugar de existência e preservação da identidade. No entanto, o que comumente se escuta é que os quilombos foram construídos por negros que ‘fugiram’ atribuindo a essas populações um adjetivo detrativo, ao passo que nós entendemos o quilombo como um espaço de resistência as violências impostas ao longo dos anos.
Parafraseando a pesquisadora Beatriz Nascimento quilombo é um espaço onde mulheres e homens se recusaram ser propriedade de outros homens. Logo, somos descendentes de guerreiras/os que criavam diversas estratégias de sobrevivências, afetividade para se protegerem nas matas dos escravocratas. Lugar de liberdade, de respiro.
Segundo dados da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), existem cerca de seis mil comunidades negras
quilombolas entre rurais e as urbanas. Sendo que apenas 2.847 são certificadas, localizadas no Norte (442), Centro Oeste (131), Sul (175), Nordeste (1.724) e Sudeste (375), menos da metade da quantidade de comunidades existentes no Brasil.
Com a situação pandêmica que o país vem vivenciando as comunidades em áreas de interesse do Estado Brasileiro, juntamente aos latifundiários, vêm sofrendo ataques violentos com tentativas frequentes de expulsão de seus territórios. No território Kalunga há poucos meses houve um desmatamento ilegal, cerca de mil hectares, e sem a devida autorização da comunidade, isso nos mostra o quanto a branquitude não respeita as populações negras que residem nesse território compreendendo que não existiria uma punição para tal ato. Essas violências com o acréscimo da pandemia têm ceifado vidas indígenas e negras quilombolas em todo território brasileiro. As perdas são incalculáveis pois, cada vida são como nossas bibliotecas, são nossos guiasespirituais que estão partindo por conta de um estado genocida.
Não existem estratégias para frear o avanço dos vírus em nossos territórios. As táticas partem dos próprios povos que tentam se proteger com barreiras sanitárias, ou escolhendo uma pessoa da comunidade para a função de fazer as compras, fechando os pontos turísticos, fazendo vakinhas virtuais para a compra de cestas básicas, confecções de máscaras, álcool em gel e as informações sobre a letalidade do vírus.
Portanto, sabemos que isso é muito pouco perante a realidade das comunidades negras quilombolas, indígenas, cigana e outras mais. São necessárias políticas que assegurem a vida, ou ficarão apenas nas #vidasnegrasimportam quando na verdade a nossa vida continua não valendo nada para o estado brasileiro.
A volta das aulas de forma remota explicita que continuamos falhando como seres humanos. Já pararam para pensar quantas crianças, jovens e adultos ficaram de fora dessa corrida injusta?
Na Universidade Federal de Goiás existem cerca de 400 estudantes entre indígenas e negros quilombolas que estão no ensino regular em diversos cursos oferecidos pelas instituições, alguns destes estudantes foram infectados pelo vírus e conseguiram recuperar, mas um estudante indígena do povo awê, Hilário Ab Awê Predzawe, do curso de pedagogia, infelizmente acabou falecendo. O que me resta são os questionamentos de quanto vale o sentimento do “outro”? A vida? E o nosso psicológico com tantas perdas, faz sentido para a comunidade acadêmica? Não venham com resposta respostas rápidas.
A impressão que eu tenho é que as bolhas estão cada vez mais fechadas, não permitindo o contato real com as realidades dos sujeitos, falta afeto, empatia, escuta atenta. Espero que essa pandemia ensine que nem tudo cabe nas normas da ABNT, no Lattes.

Marta Quintiliano é da Comunidade Vó Rita - Trindade-Goiás. Formada em Relações Públicas, Mestre em Antropologia Social, pesquisa Afroafeto e Cura. Participa da Coletiva PQUI, Guiné, Mulheres indígenas e quilombolas

O Jornal UFG não endossa as opiniões dos artigos, de inteira responsabilidade de seus autores.

Fonte: Secom UFG

Categorias: colunistas FCS