INTEGRIDADE ACADÊMICA
Fake News e Integridade Acadêmica: onde está o problema?
Tatiana Duque Martins*
Nós todos estamos sendo constantemente bombardeados sobre os perigos das Fake News. As notícias que recebemos procuram nos alertar para o fato de que precisamos ter o cuidado de checar as informações, buscando pela verdade, mais porque as Fake News viralizam com uma velocidade incrível, devido ao sensacionalismo de suas manchetes do que por causa dos prejuízos que causam. Seu intuito, então, é de aproveitar o momento e alcançar, no menor espaço de tempo, o maior número de pessoas, de modo a criar uma forma de pensar que não pode ser mais alterada. Por isso, conta com a demora de algum retruque.
Não é claro para o público o efeito real e imediato das Fake News e muito menos de seu efeito nos registros acadêmicos, que são desconhecidos ou mesmo ignorados pela sociedade.
Especialmente nesse momento de pandemia, Fake News ganham viés de informação científica e esbanjam o uso do “não tem comprovação científica” ou “ comprovado cientificamente”, mas ninguém entende de fato do que se trata a comprovação científica. É importante, então, entender como as Fake News afetam a confiabilidade da ciência e a sua perpetuidade.
É importante lembrar que os escritos científicos não são leitura para leigos, para sua verificação, é necessário ter a leitura crítica realizada por pessoas conhecedoras dos temas desses escritos científicos, de modo a apontar os erros e acertos. Isso é do que se trata a autorregulação da comunidade científica. O problema é que raramente essas análises chegam ao público e, quando chegam, notícias Fake já viralizaram e já tiveram sucesso no seu intuito.
Para esclarecer, vou usar um exemplo. Nos últimos meses, volta e meia surge nas redes sociais comparações da situação pandêmica da COVID-19 com a da H1N1, ou gripe espanhola de 1918. Estima-se que 50 milhões (10% dos infectados) de vidas foram perdidas na pandemia da gripe espanhola que vigorou durante a primeira guerra mundial, originando-se nos campos militares nos Estados Unidos, que, por questões estratégicas de proteção de seus exércitos, não emitiu alertas sobre a doença. A Espanha, que era um país neutro, divulgou a contaminação, dando nome à gripe que rapidamente se espalhou. No Brasil, na época, foram perdidas 35 mil vidas.
Pela falta de tratamento e de conhecimento sobre o que causava a gripe, o tratamento foi o isolamento social. Ela atacou em três ondas, tendo sido bastante letal em sua segunda onda e, em seguida quase desapareceu, o que foi atribuído à capacidade dos médicos em tratar a pneumonia que o vírus causava. Realmente, foi uma pandemia que causou grandes perdas e deixou legado.
Mas, em 2009, quando a H1N1 atacou novamente, a empresa Novartis surgiu com uma vacina no dia seguinte ao anúncio de pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Apesar disso, oficialmente, a H1N1 vitimou cerca de 18,5 mil pessoas entre abril de 2009 e agosto de 2010. Mesmo com os resultados publicados no estudo de Viboud e Simonsen de 2012, que estima que esse número esteja ao menos 10 vezes maior, seu efeitos não se parecem, nem de perto, com os efeito que a COVID-19 está gerando. ( C. Viboud, L. Simonsen. Global mortality of 2009 pandemic influenza A H1N1. The Lancet Infectious Diseases. 12(9), 651-653, 2012.)
A COVID-19 teve uma contaminação bastante mais rápida que a da pandemia originada durante a 1ª grande guerra, não se considera equivalentemente mortal, mas já ceifou 911.282 vidas (dados de 11/09/2020), representando 3,2% do número de infectados. O vírus causador da doença está sendo, dia-a-dia, melhor compreendido, o que amplia as possibilidades de se ter, em um período muito mais curto de tempo, um tratamento ou vacina. A doença não é uma gripe, mas causa a morte, principalmente por atacar as vias respiratórias e sobrecarregar a função cardíaca.
O que se pode aprender com alguma comparação de fundo científico é que as estratégias de defesa, tanto no início do século passado quanto nesse, podem não ter sido as melhores, que talvez proteger os mais susceptíveis aos efeitos graves fosse a estratégia mais acertada, mas principalmente, que a politização das doenças sempre levarão a impactos ainda mais profundos nas áreas social e econômica, por ignorar o bem estar da população mundial e priorizar os interesses regionais.
O que ocorre, então, é que comparações sem fundo de informação, só têm o objetivo de viralizar desinformação, mirando sempre um efeito de interesse de um grupo específico, mas nunca da população. Essas Fake News não podem nortear o nosso comportamento frente à COVID-19, nesse momento. A comunidade científica deveria se atentar para o fato de que precisa se comunicar com a sociedade, pois seus tempos, diferentes dos tempos das Fake News, podem causar um prejuízo duradouro, que é a perda da confiabilidade na ciência.
Quanto à pandemia atual, temos que nos conscientizar de que não há medicamento de eficácia comprovada para a COVID-19 até o presente momento, que essa não se trata de uma gripe como a H1N1, que a vacina não está disponível desde o dia seguinte do anúncio de pandemia e que nós não temos ainda as dimensões dessa doença, pois os números reais de contaminados e mortos poderão ser conhecidos, talvez, daqui a anos.
Tatiana Duque Martins é professora da UFG e coordenadora do Comitê de Integridade Acadêmica - UFG
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Fonte: Secom UFG
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