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Universidade Federal de Goiás
masculinidade saudável

Espaços de escuta podem auxiliar homens na busca de uma masculinidade mais saudável

Em 20/11/20 14:50. Atualizada em 23/11/20 12:13.

Lucas Amaral discute a construção da masculinidade em nossa sociedade e como transformá-la para uma cultura de paz e equidade de gênero

Kharen Stecca

No dia 25 de novembro o Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor (SIASS), vai abordar durante seus encontros semanais no Youtube da UFG Oficial o tema: Comunicação emocional na construção de masculinidades saudáveis. O evento será realizado às 17 horas e terá a presença do professor Dr. Lucas Amaral do Centro Universitário de Brasília. Cientista Político, Lucas estuda as interfaces entre ciências sociais, psicologia e direitos humanos sobre gênero, violência e masculinidades e vai falar sobre a construção de masculinidades saudáveis que gerem cultura de paz e equidade de gênero. Em entrevista ao Jornal UFG ele trouxe uma prévia do que será discutido no evento. “Nenhum homem consegue desempenhar o papel masculino de acordo com esse modelo hegemônico 100%. Mas, em alguma medida, ao incorporar essas ideias, todos tentam - conscientes disso ou não”, avalia o professor. E é nessa tentativa que os problemas surgem: “A masculinidade hegemônica gera uma pressão incessante de termos que provar que somos homens com H maiúsculo!”, ressalta Lucas. Para ele o caminho para mudança é a escuta: “os homens precisam de espaços de escuta e sensibilização para identificarem seus sentimentos, suas necessidades e conseguir dialogar sobre isso, sabendo fazer pedidos”. Acompanhe a entrevista completa no Jornal UFG:

Lucas Amaral
Lucas Amaral participa do evento organizado pelo Siass sobre masculinidades saudáveis

 

O que é a masculinidade saudável? Porque é tão difícil para o homem assumir esses papéis menos estereotipados?

Lucas Amaral - As masculinidades são padrões culturais sobre a forma de ser e se expressar como homens na sociedade. Infelizmente, o padrão mais comum de masculinidade nos diz que homem é: o contrário de tudo o que se espera das mulheres (o que envolve auto-cuidado e cuidado); ou deveria ser sempre heterossexual, logo, homens gays são rebaixados e perseguidos; praticantes eficazes dos "3 Ps: “o provedor, o produtor e o protetor” !
Esses discursos, significados e ações constroem o que chamamos de masculinidade hegemônica, um modelo de masculinidade que se tornou geral e normativa na nossa sociedade contemporânea. O modelo não é fixo no tempo e em diferentes localidades. Mas no mundo contemporâneo ele permeia nosso imaginário sobre o que é ser homem.
Nenhum homem consegue desempenhar o papel masculino de acordo com esse modelo 100%. Mas, em alguma medida, ao incorporar essas ideias, todos tentam - conscientes disso ou não. Uma masculinidade saudável, ao meu ver, seria um conjunto de discursos, significados e práticas que rompe com esse modelo normativo de masculinidade, partindo do pressuposto de que o cuidado é uma dimensão ética universal.

masculinidade saudável

É importante, no entanto, entender a pluralidade de masculinidades e suas condições específicas. Precisamos reconhecer as diferenças entre diferentes lugares que os homens ocupam em nossa sociedade. Entender que um homem morador de rua tem condições distintas de cuidado do que um homem de classe média alta, por exemplo, é fundamental para que possamos tornar esta "masculinidade saudável" viável para os homens contemporâneos. Não existe, portanto, um tipo ideal de masculinidade saudável.
De todo modo, cuidar e cuidar-se deveria ser uma parte fundamental do cotidiano da vida de qualquer pessoa e ao meu ver essas são ações que uma masculinidade saudável requer!

Como a masculinidade que existe hoje na sociedade provoca problemas para os homens e para a sociedade como um todo?

Lucas Amaral - A maioria dos homens crescem escutando frases como: “homem não chora"; “homem que é homem é forte"; “homem é quem manda"; “falar de sentimentos é frescura"; etc… Além disso, espera-se que todo o homem seja “o homem dos 3 Ps”: o Provedor, o Produtor e o Protetor.
Como consequência, temos que: se a pessoa não provê, por estar desempregado, deprimido, em crise, não é homem! Se a pessoa não faz, carrega as coisas, conserta tudo, cria e constrói, não é homem! Se a pessoa não protege, muitas vezes se metendo em brigas desnecessárias para isso, não é homem! A masculinidade hegemônica gera uma pressão incessante de termos que provar que somos homens com H maiúsculo! Como consequência a pressão por exercerem papéis exigidos e o fato de não cuidarem de si, os homens vivem diante de grandes riscos. Assim, os homens são um público vulnerável em termos de saúde pública!
Diversas estatísticas apontam que homens morrem muito mais do que mulheres em decorrência de acidentes e doenças evitáveis diversas, problemas estomacais, cardíacos e pulmonares. No contexto da COVID-19, por exemplo, em muitos países, inclusive no Brasil, a maioria dos óbitos são masculinos e os principais fatores são comportamentais.
No que tange à saúde mental, especificamente, os homens são os que mais cometem suicídio no país, cerca de quatro vezes mais do que as mulheres.Temos também um alto índice de depressão masculina vivenciada em consequência do desemprego ou de crises econômicas. O mal-estar é derivado, principalmente, da expectativa de reprodução da performance do “provedor”.
Observa-se, enfim, nas estatísticas que homens são as maiores vítimas de acidentes de trânsito ou mesmo mortes derivadas de violência, ambas estatísticas sendo o resultado de uma série de expectativas associadas a masculina, como a de performar uma “virilidade corajosa”.
Além do que já foi dito, a associação entre masculinidade e violência gera como consequência altos índices de violência contra mulheres e pessoas LGBTQIA+ cometidas por homens, bem como altos índices de agressões e homicídios masculinos. Primeiro, o modelo normativo de masculinidade se assenta na negação a tudo o que é feminino. Uma pesquisa recente mostra que o principal xingamento que se faz a um homem, segundo diferentes gerações, é ser chamado de “mulherzinha”. Isso já mostra que ser homem não é ser mulher; a negação do que é ser mulher é muito forte na nossa cultura. Até o século XIX o corpo feminino, principalmente o aparelho reprodutor, não era conhecido de uma maneira profunda pela anatomia; existia uma série de hipóteses de que o órgão genital feminino era, na verdade, a ausência do órgão genital masculino, ou seja, era um pênis invertido: o pênis como referência.
Então a negação da mulher e, segundo, a negação de toda e qualquer pessoa que tem relações que fogem à heteronormatividade são fundantes da masculinidade hegemônica. Assim, ser homem, coletivamente, já passa por uma violência, que é a ideia de uma identidade masculina negar muitas outras para existir como tal. Esse discurso do homem não ser uma mulher e não ser um gay é tão forte que fez com que uma série de pessoas fossem discriminadas, violentadas, invisibilizadas na história ocidental, o que persiste até os dias de hoje. Não à toa, o Brasil é o 5o país do mundo com maior taxa de feminicídios e ocupa a liderança do Brasil nas estatísticas de violência a pessoas trans e no mundo.

Como mudar a comunicação para construir masculinidades mais saudáveis?

Lucas Amaral - No universo masculino temos grandes problemas com a comunicação. Muitas biografias de homens no Brasil são marcadas pela ausência parental total. Estima-se que 5,5 milhões de pais não assumam seus filhos anualmente. Isso afeta homens e mulheres, claro. No universo masculino, no entanto, mesmo com pais presentes fisicamente, nem sempre se experimenta, a presença afetiva, pois muitos pais assumem que seus filhos devem passar por iniciações simbólicas para se tornar "Homens" (com H maiúsculo), o que envolve não serem femininos, muito menos homossexuais.
Assim, a criação de muitos é marcada por uma ausência de comunicação com a figura paterna. Sem contar o fato de que muitos homens crescem vendo as figuras masculinas como exemplos de risco, traições ou comportamento sexual ativo publicamente, alcoolismo, drogadição, violência física, trabalho ou dinheiro. Lógico que não precisamos generalizar, mas são tendências significativas da nossa cultura.
A identidade masculina é associada à violência na nossa cultura. A comunicação entra nessa ideia porque se a identidade masculina já está enraizada na violência e na negação dos outros, a consequência disso é o que a gente chama na literatura de gênero de autocentramento masculino, a ideia de que o homem se coloca, nas suas relações como o padrão de referência.
É óbvio que isso tem um impacto profundo na comunicação. A tendência é esse homem não estar muito aberto para um diálogo, não se responsabilizar pelo que sente ou pelo que necessita. Existe, ainda, uma dificuldade muito grande de identificar sentimentos no universo masculino, pois desde criança somos orientados a ter um comportamento “heróico”, “guerreiro”, austero, rígido.
E então: como mudar a comunicação para construir masculinidades mais saudáveis? Ao meu ver, os homens precisam de espaços de escuta e sensibilização para identificarem seus sentimentos, suas necessidades e conseguir dialogar sobre isso, sabendo fazer pedidos. Sugiro fortemente a psicoterapia como caminho de diálogo e auto-investigação para aqueles homens que podem arcar com isso. A participação em rodas de partilha e de vivências terapêuticas exclusivas para homens é um caminho muito profícuo também. Tenho acompanhado centenas de homens e vejo que se abrir, compartilhar vivências desafiadoras e explorar a exposição da vulnerabilidade com outros homens é fundamental.
De um modo geral, masculinidades saudáveis envolvem a percepção da necessidade de entrarmos em contato com a famosa força - que muito bem traz Brené Brown quando fala de empatia - que é a força da vulnerabilidade, que significa entender que como humano ninguém está imune a vivências difíceis e nem a sentimentos negativos. Entrar em contato, assumir, tomar posse e se comunicar a partir disso tem sido algo que está em operação.
Além de abrir mão do medo da vulnerabilidade, é preciso ensinarmos e aprendermos a homens a pedirem ajuda e não terem medo de expressar os seus afetos. Trata-se de um primeiro passo para rompermos o famoso silêncio dos homens! Sempre convido os homens a experimentar essas ações e perceber que não vai doer; pelo contrário. Os resultados desta abertura são maravilhosos!

O que as mulheres podem fazer para auxiliar nessa trajetória?

Lucas Amaral - Creio que sem as mulheres e os movimentos feministas não estaríamos hoje pautando a possibilidade de construção de masculinidades saudáveis, não teríamos tantos avanços com os grupos reflexivos para autores de violência doméstica, e não teríamos tantas pesquisa no âmbito das interseccionalidades sobre gênero, raça e sexualidade sobre masculinidades. Portanto, as mulheres já auxiliam e muito!

No entanto, creio que dois grandes auxílios cotidianos são: a exposição ativa de limites nas relações entre homens e mulheres no que tange ao cuidado. Mulheres podem e devem abrir mão do encargo histórico do cuidado masculino, se o quiserem. Desta forma, muitos homens sentem-se deslocados e instigados a se cuidar, mesmo que rompendo sua memória de subjetivação na qual não foram ensinados a se cuidar. O segundo auxilio, ao meu ver, seria o estímulo a que homens participem de grupos de homens e façam terapia para olhar para o seu próprio desleixo consigo mesmos e para seus padrões de comportamento que lhes fazem mal.

 

Fonte: Secom UFG

Categorias: Entrevista SIASS Propessoas Saúde