
“É uma instituição cada vez mais atuante, madura, presente, relevante e de excelência”, diz reitor
Edward Madureira aponta destaque da Universidade mesmo diante do desafio do financiamento
Ana Paula Vieira
No dia 14 de dezembro de 2020, a UFG completa 60 anos. Atualmente, tem 19.195 estudantes matriculados em 100 cursos de graduação (98 presenciais e 2 a distância), 66 programas de pós-graduação que abrangem 61 cursos de mestrado e 42 de doutorado, mais de 1.500 ações de extensão em andamento, quase mil projetos de pesquisa em desenvolvimento, cerca de 2.200 técnicos-administrativos e aproximadamente 1.900 docentes em exercício. Em meio a uma pandemia mundial, o aniversário será marcado pela inauguração da maior obra da história da UFG: o novo prédio do Hospital das Clínicas, unidade com 600 leitos para atendimento 100% via Sistema Único de Saúde (SUS) e campo de formação de profissionais de saúde para todo o estado.
O reitor da UFG, Edward Madureira, destaca a ousadia e importância dos pioneiros que participaram da construção da UFG: “A Universidade atinge essa maturidade pela sua história, pelas pessoas que construíram desde a sua concepção, toda essa cultura universitária, que construiu os marcos regulatórios que foram sendo aprimorados com o tempo. A marca da Universidade é o rigor, o amor à instituição, o compromisso e idealismo das pessoas que ousaram fazer uma universidade de excelência em pleno Cerrado”.
Em meio a essa evolução e tantos motivos para celebrar, na opinião do reitor, a UFG e a universidade brasileira enfrentam desafios como a luta por financiamento justo, principalmente diante do corte de 17,5% previsto para as universidades federais no Projeto de Lei Orçamentária Anual para 2021. Em entrevista ao Jornal UFG, Edward Madureira apontou essa contradição: de um lado a relevância da UFG e seu destaque na sociedade e, do outro, a busca pelo respeito à autonomia, à diversidade e por financiamento para a instituição.
A UFG está completando 60 anos em 14 de dezembro. Como avalia o momento atual da instituição?
Edward Madureira - Temos duas formas de analisar esse momento: podemos avaliar a UFG do ponto de vista de sua relevância, de sua excelência, do seu papel social e podemos também avaliar esse momento do ponto de vista das condições impostas pela conjuntura política que vivemos. Se olharmos pela conjuntura política, ligada ao financiamento, vivemos uma crise sem precedentes porque o orçamento da Universidade está congelado há quatro anos, uma Universidade que nesses quatro anos não parou de crescer; tem novos laboratórios, cursos de pós-graduação, uma multiplicação muito grande de atividades e todas elas com impacto direto no custeio da instituição. Se observarmos nossos contratos, além de precisar ampliá-los para fazer face às novas ações, eles também sofrem uma correção de valor de acordo com índices estabelecidos no próprio contrato. Dessa forma haverá um aprofundamento das dificuldades do ponto de vista do financiamento. Para agravar tudo isso, o projeto de Lei Orçamentária da União prevê um corte de 17,5% nos recursos para a as despesas discricionárias, impactando em todos os itens de custeio e de capital, inclusive no Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), com reflexo direto na permanência e êxito dos estudantes em vulnerabilidade social.. Por essa ótica, a Universidade vive uma crise muito grave. Por outro lado, é uma Universidade madura, presente, comprometida com a sociedade. O comportamento da instituição na pandemia tem sido exemplar e decisivo, subsidiando gestores municipais e estaduais a tomarem decisões, atendendo as pessoas, criando soluções para o enfrentamento da pandemia. É uma Universidade em movimento, com pesquisas de relevância, projetos de extensão importantíssimos para a vida das pessoas, cada vez mais participativa nas políticas públicas de maneira geral, contribuindo decisivamente com Legislativo, Judiciário, Ministério Público. Uma instituição cada vez mais atuante, madura, presente, relevante. Então vivemos essa contradição: por um lado a dificuldade de financiamento nos ameaça, mas por outro lado a UFG é provedora de soluções, solidária e com extraordinário papel na sociedade.
"Vivemos essa contradição: por um lado a dificuldade de financiamento nos ameaça, mas por outro lado a UFG é provedora de soluções, solidária e com extraordinário papel na sociedade."
Esse aniversário ocorre em meio a uma pandemia mundial. Como esse momento pode impactar o futuro?
Edward Madureira - Definitivamente, assim como o mundo, as pessoas, as relações não serão as mesmas depois da pandemia, a universidade também não será a mesma. Ela está aprendendo muito com a pandemia, se mostrou capaz de responder muito rapidamente. Vejo uma Universidade muito mais atuante e muito mais próxima da sociedade, mas internamente acredito que ela fará reflexões muito profundas sobre seu próprio funcionamento. O ensino remoto parte da nova realidade. Caminhamos a largos passos para um sistema mais híbrido, com atividades presenciais combinadas com a distância. Possibilidades surgirão dessa nova realidade e agora cabe fazer uma análise cuidadosa dessa época que estamos vivendo e tirar o melhor da experiência vivida e das possibilidades percebidas em um processo contínuo de aprimoramento da universidade. Já conhecemos boa parte das dificuldades, gargalos, vantagens, desvantagens. É uma possibilidade concreta de avaliar essa situação e tirar ensinamentos. Uma nova universidade surge a partir disso.
Qual seria uma dessas possibilidades para o futuro?
Edward Madureira - Eu chamo atenção para as possibilidades de integração entre instituições. Nossos eventos ganharam uma dinâmica completamente distinta, contamos com personalidades do mundo todo contribuindo. Eu tenho certeza que isso vai chegar à sala de aula. Daqui a pouco teremos estudantes da UFG assistindo aula de um professor da Federal de Santa Maria, da federal do Amapá ou da própria USP, que é de outro sistema. Por que não? São possibilidades inimagináveis de integração e avanço nessa relação também em outros aspectos como pós, pesquisa, extensão, cultura. Eu sempre digo que nós temos 69 universidades mais 38 institutos federais, mais dois Cefets. Somando, são 109 instituições com o mesmo mantenedor e com uma força de trabalho extraordinária mas, além disso, com necessidades muito parecidas. Todas essas 109 instituições dependem de suporte, por exemplo, no armazenamento de dados e processamento de programas e sistemas. Eu pergunto sempre: faz sentido termos 109 data centers no país? Ou seria possível ter uma meia dúzia de data centers muito mais robustos, com a redundância necessária, dando segurança, funcionando de forma compartilhada? Nossas compras precisam ser individualizadas ou podemos fazer um grande registro de preços e comprar mais barato? Então todas essas possibilidades de integração, inclusive é uma das questões que eu estou trazendo na Andifes [Edward Madureira é o atual presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior - Andifes] para justamente provocar as pessoas a pensarem em tudo isso. Então sem dúvida teremos uma nova universidade, muito mais dinâmica, muito mais inclusiva, com muito menos assimetrias e muito mais efetiva no seu papel de formação, de produção de conhecimento e social.
"É um marco na história da UFG, um sonho de gerações e que temos o privilégio de entregar no aniversário de 60 anos."
Também estamos inaugurando um novo Hospital, que já até foi usado no combate à pandemia de Covid-19. Desse ponto de vista, qual é a importância da UFG para a sociedade?
Edward Madureira - Esse hospital é um sonho sonhado há gerações de professores da área de saúde, de trabalhadores do Hospital das Clínicas, de gestores do HC, de gestores da Universidade. É uma conquista extraordinária para a saúde, para a ciência brasileira, com algumas características que precisamos ressaltar. É um hospital pensado para atender com dignidade e qualidade as pessoas da nossa sociedade. 100% SUS. Temos enfermarias da mais alta qualidade com apenas dois leitos, trazendo conforto para o paciente e acompanhante. São 35 salas de cirurgia em dois pavimentos, que permitem fazer por dia mais de uma centena de cirurgias de média e alta complexidade. Imagine a resolutividade que um Hospital desse traz. Ele praticamente quadruplica os leitos de UTI do antigo HC, saindo de 20 para 78, aumentando quase quatro vezes. Mais do que dobramos os 260 leitos, vamos pra 600 nesse hospital. Sem contar as possibilidades de novas frentes de serviços, outras especialidades que poderão ser contempladas ali. Temos no novo HC um instrumento de formação, de assistência, que terá impacto em toda a região. Não temos um hospital desse porte em Goiás. São pouquíssimos hospitais universitários no país com esse porte; entre os que pertencem a universidades mesmo creio que seja o maior do país. Temos um quadro de altíssimo nível. Existe a possibilidade concreta, segundo uma visita do Secretário de Atenção Especializada do Ministério da Saúde, de se montar aqui um centro de transplantes multivisceral que seria o primeiro do país, dadas as condições de controle de infecção; temos ali uma central de material de esterilização que vai ser a mais bem equipada e a maior do país. Ali temos condições de fazer a medicina de altíssima complexidade, com altíssima qualidade, atendendo a população. É um marco na história da UFG, um sonho de gerações e que temos o privilégio de entregar no aniversário de 60 anos.
"Enquanto dirigentes, precisamos usar nossa energia e a competência instalada na universidade para que ela contribua para a construção do país, e não para termos que destinar boa parte do nosso tempo para correr atrás de recursos para pagar conta de energia e assim por diante."
Na sua opinião, quais são os principais desafios que a UFG tem para o futuro?
Edward Madureira - Temos o desafio do financiamento. Precisamos garantir um financiamento justo para as universidades brasileiras como um todo. Elas desempenham um papel essencial não só na formação de profissionais. As universidades são responsáveis pela maior parte do conhecimento novo produzido no país. O financiamento é fundamental. Enquanto dirigentes, precisamos usar nossa energia e a competência instalada na universidade para que ela contribua para a construção do país, e não para termos que destinar boa parte do nosso tempo para correr atrás de recursos para pagar conta de energia e assim por diante. Esperamos também que a universidade seja respeitada na diversidade, autonomia; esperamos que a ciência seja respeitada, seja valorizada, porque sem ciência não tem enfrentamento de pandemia, não tem desenvolvimento tecnológico. Precisamos resgatar o respeito à autonomia; não é por acaso que está escrito no artigo 207 da Constituição. Ela tem que produzir o conhecimento e passar por esse crivo crítico que é próprio da Universidade. E por isso ela precisa estabelecer suas próprias regras, ter orçamento justo, ter um regime especial para aquisição de insumos e equipamentos porque aqui se adquire aquele material que vai fazer toda a diferença na tecnologia revolucionária de amanhã. E esse docente precisa da liberdade de pensamento, de expressão; é preciso que o ambiente universitário seja respeitado. É preciso que consigamos enfrentar esse momento de ataque às universidades com muita responsabilidade, muito próximos da sociedade. Espero amanhã uma universidade cada vez mais relevante socialmente, cada vez mais pautada pela excelência, pelo compromisso social, pela redução das desigualdades e pela produção daquela ciência que vai transformar o mundo. E não é só aquela ciência que produz tecnologia de ponta, mas também a que produz o pensamento, a compreensão da sociedade, as políticas públicas que reduzem desigualdades e constroem os direitos humanos. É essa universidade reflexiva que precisa ser preservada.
Fonte: Secom UFG
Categorias: UFG 60 anos Entrevista Humanidades