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Universidade Federal de Goiás
Mirna Anaquiri

Mulher e cientista, muito prazer

Em 08/03/21 12:14. Atualizada em 08/03/21 13:20.

Pesquisadoras da UFG relatam suas jornadas pessoais e a importância de valorizar as mulheres na ciência

Talita Prudente (PRPG)

Cada pessoa sabe a dor e a delícia de ser o que é. Ser mulher e cientista é desafiante, encantador, e, acima de tudo, necessário. Isso é perceptível ao conhecer as histórias e as ideias das pesquisadoras Mirna Kambeba Omágua Yetê Anaquiri (FAV), Luciene Dias (FIC e FCS), Cristiana Toscano (IPTSP) e Mara Rúbia da Rocha (EA), profissionais de áreas diferentes mas que, juntas, somam à consolidação de centros de pesquisa repletos de representatividade feminina.

“A ciência de qualidade é produzida a partir da multiplicidade e da multiculturalidade. Como somos plurais e múltiplas, uma vez que não há mulher, mas sim mulheres, também nossas demandas são múltiplas. A principal delas é o fim do machismo, da misoginia e de todas as formas de preconceito”, destaca Luciene Dias, doutora em Antropologia Social e professora dos programas de pós-graduação em Comunicação e Performances Culturais.

Entrevista Luciene Dias

Luciene trabalha com pesquisas que envolvam relações étnico-raciais, construções de gênero e sexualidades, hierarquias de classe e outros pertencimentos, sempre com foco na construção do respeito às diferenças. A pesquisadora analisa narrativas de pessoas que sofrem preconceitos, seja pela raça/etnia, condição social ou orientação sexual, em busca de estratégias de reconhecimento e empoderamento de corpos subalternizados e inferiorizados por parte da sociedade.

Mulher negra, ela conta que quando adentrou no universo científico estava carregada de dúvidas e vontade de entender o mundo e se reconheceu como pesquisadora dentro dos Estudos Culturais. “Me considero uma pesquisadora multidisciplinar, que tenta repensar a teoria e acredita que ela cura. A ciência entra na minha vida por essa busca para que as pessoas sejam felizes, pelo bem estar humano. Pensar nisso, a partir das ciências humanas é fantástico! Trabalho cientificamente para combater o racismo, a pobreza, a misoginia...”.

“Toda construção do corpo e da moral é histórica e minha relação com o mundo passa pelo reconhecimento dessa historicidade”, ressalta Luciene ao relatar que já sofreu preconceito de gênero dentro da academia, assim como outras mulheres, cis e trans, que, na sociedade de forma geral, tiveram o seu potencial reduzido ou já foram inviabilizadas através de atitudes machistas. “Uma mulher que denuncia e esbraveja situações do tipo não é uma mulher histérica. Precisamos promover ações concretas de enfrentamento à misoginia na universidade, com políticas públicas, ações anti-racistas, redes de apoio e sororidade”.

 

72% dos materiais produzidos no Brasil são de autoria feminina, de acordo com a Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI). Os dados contrastam com a porcentagem de ocupação feminina na Academia Brasileira de Ciência (14%) e com a quantidade de bolsas Produtividade em Pesquisa (PQ) destinada a mulheres (36% do total).

Apenas 15% das bolsistas do CNPq são negras, de acordo com dados de 2016. E apenas 3% das bolsistas de Produtividade de Pesquisa (PQ) são mulheres negras.

 

Além do sexismo, o racismo, a desigualdade e a meritocracia são outros obstáculos enfrentados por mulheres negras, indígenas e quilombolas dentro da academia. Mirna Kambeba Omágua Yetê Anaquiri, originária dos povos Kambeba, do Amazonas, ingressou na UFG em 2009, através da primeira ação afirmativa para entrada de alunos indígenas na graduação da universidade. Em 2016, com a abertura da reserva de vagas para povos originários na pós-graduação, começou a trilhar seu caminho no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, onde é doutoranda atualmente.

Mirna Anaquiri

Mirna conseguiu terminar o mestrado pois teve acesso à bolsa da CAPES durante os dois anos de estudo. Nesse período, ela escreveu a dissertação "Que memórias me atravessam: meu percurso como estudante indígena”, na qual aborda a metodologia autobiográfica, sobre como alunos, alunas, professores e professoras podem aprender e ensinar a partir de suas próprias histórias.

Segundo Mirna, as cotas são muito importantes para o ingresso dos povos originários na universidade, por uma reparação social diante do contexto histórico brasileiro. Porém, ela lembra da necessidade das políticas de permanência na pós-graduação. “Elas são urgentes para que as mulheres indígenas possam iniciar e finalizar suas pesquisas científicas, como bolsas e acesso à Casa do Estudante”.

Mirna ainda traz à tona a questão da representatividade feminina indígena nos referenciais teóricos da ciência produzida nas academias. “Sempre que eu pego um plano de aula, meus olhos vão diretamente nos referenciais, eu fico curiosa para saber a partir de quais autores e autoras as professoras e professores querem dialogar e infelizmente não tenho encontrado essas referências dos povos originários”, relata ao contar que espera ansiosa por aulas com professoras indígenas e incentivos para cientistas indígenas nos concursos federais. “A gente tem se organizado, estudado, pesquisado, escrito, publicado dissertações… o nosso conhecimento também constrói a ciência, também constrói a universidade”.

Apoio familiar

“As dificuldades no caminho não deveriam ser empecilho para o sonho de adquirir conhecimento e transformar o mundo”, opina Cristiana Toscano sobre o desafio de optar pela carreira científica hoje no Brasil. Doutora em Epidemiologia e Chefe do departamento de Saúde Coletiva do IPTSP-UFG, Cristiana conta que sua vontade de desbravar o mundo começou quando era criança e o espírito de pesquisadora apenas se consolidou durante a faculdade de medicina.

Ao lembrar do apoio que recebeu dos pais, Cristiana relatou a importância da educação básica e da quebra de estereótipos machistas ainda na infância. “É muito importante que as crianças e meninas sejam educadas no sentido de serem estimuladas e nunca tolhidas em relação a algum caminho a seguir, seja ele o de cientista ou não. O preconceito começa no “isso não é coisa de mulher”, colocado pela sociedade e até pela família na cabeça das meninas. Mulheres podem ocupar qualquer cargo e desempenhar qualquer função. Falta maturidade da sociedade ao cogitar o contrário”.

Os estudos de Cristiana foram destaque mundial no combate à pandemia do novo coronavírus. A pesquisadora é a única brasileira integrante do Grupo Estratégico Internacional de Experts em Vacinas e Vacinação (SAGE – Strategic Advisory Group of Experts for vaccines and vaccination) da Organização Mundial da Saúde (OMS) em seu Grupo de Trabalho de Vacinas para COVID-19. “Nós, mulheres cientistas, enfrentamos uma jornada tripla. Em tempos de pandemia, comunicar a ciência para a sociedade e para subsidiar decisões de saúde pública tem sido uma jornada quádrupla”.

Cristiana Toscano

Toscano contou que, atualmente, sua equipe de pesquisa na UFG possui mais mulheres do que homens e destacou o desempenho e a dedicação das pesquisadoras brasileiras na busca de soluções para a pandemia da COVID-19. Ela frisou que as mulheres conseguem agregar ao processo de trabalho a capacidade de tocar o lado humano das pessoas. “Durante a pandemia tivemos diversos exemplos de líderes mulheres que apresentaram desempenho extraordinário, exatamente por isso: sensibilidade e empatia ao tomar decisões difíceis com implicações na saúde, economia e outras áreas da sociedade”.

Mãe, esposa e filha, Cristiana também comentou sobre a carga de trabalho na gestão da casa e da família, que em geral recai majoritariamente sobre as mulheres. “A estrutura e apoio familiar influencia muito a vida de mulheres cientistas. O compartilhamento das tarefas não profissionais, em casa, deveria acontecer de maneira natural. Outra questão importante para o equilíbrio é ter uma válvula de escape, como atividades de lazer e convívio familiar”.

Exatas

Dados recentes do CNPq apontam que as mulheres são cerca de 54% dos estudantes de doutorado no Brasil. A maioria delas participa nas áreas de artes, biológicas, humanas, saúde e ciências sociais aplicadas. Mara Rúbia da Rocha, docente nos Programas de Pós-Graduação em Agronomia e em Genética e Melhoramento de Plantas da UFG, representa as pesquisadoras que escolheram pela Ciências Exatas e da Terra.

Ainda na graduação, Mara participou de um projeto de pesquisa como bolsista de Iniciação Científica, sob orientação da professora Valquíria da Rocha Santos Veloso. A partir daí, ela não largou mais o ambiente científico e hoje é bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq.

Mara se orgulha ao contar que antigos professores se tornaram colegas de trabalho, e seus alunos tiveram um papel fundamental ao longo de sua jornada. “Sempre tive paixão pela pesquisa e a UFG me possibilitou construir uma carreira com equilíbrio entre ensino, pesquisa, extensão e administração. Assim, o ambiente de trabalho sempre foi de muito respeito, estímulo e crescimento coletivo, e tive a felicidade de não ter tido experiências de preconceito ou empecilho por ser mulher. Meu trabalho sempre foi valorizado e reconhecido”.

Mara Rúbia da Rocha

Ao ser questionada como é ser mulher e fazer ciência em uma área com predominância masculina, Mara ressalta que, quando se tem equidade de gênero, nem se pensa sobre o assunto e que na academia, muitas vezes, o trabalho das mulheres recebe até mais destaque..”. Há mais dificuldade e preconceito em algumas áreas de atuação da Agronomia, como aquelas que exigem muitas viagens, trabalho de campo, contato com produtores rurais. Muitas vezes ouvi relatos de ex-alunas sobre empresas que não contratam mulheres. O que é uma pena, porque é uma questão de perfil, pois as mulheres têm plena capacidade para estas atividades”.

A linha de pesquisa de Mara aborda a Nematologia Agrícola, um campo dentro da Fitopatologia que estuda as doenças das plantas causadas pelos nematoides. Os projetos da pesquisadora em andamento têm como foco o manejo dos nematoides com vistas a reduzir os prejuízos às culturas agrícolas (soja, milho, feijão, algodão, cana-de-açúcar) por meio do controle biológico e da resistência genética.

“No dia da mulher eu acho muito importante ressaltar a luta de todas as mulheres que nos precederam e que abriram os caminhos para nós. Isto não pode ser esquecido pois sabemos que num passado não tão distante a mulher nem era considerada como um “ser pensante”. Ainda temos muito que avançar e consolidar o que foi conquistado até hoje. Para isso, temos que continuar nos valorizando, aceitando desafios, não fugindo das batalhas e sendo proativas”, finaliza a pesquisadora.

Fonte: PRPG

Categorias: Homenagem PRPG Institucional