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Universidade Federal de Goiás
Moema de Castro e Silva Olival

Moema de Castro e Silva Olival, a literatura, o ensino e a saudade

Em 26/03/21 12:35. Atualizada em 26/03/21 13:40.

Professora emérita que participou da criação da Faculdade de Letras (FL) deixa seu legado na cultura goiana e nacional

Carolina Melo

Moema de Castro e Silva Olival

Entre as memórias históricas dos corredores da Faculdade de Letras (FL), e da própria Universidade Federal de Goiás (UFG), vai estar sempre presente a imagem da professora, crítica literária e escritora Moema de Castro e Silva Olival, que, entre tantos predicados, destacava-se pela elegância, erudição e generosidade. No espaço acadêmico, tinha a fama que a antecedia e a aura das grandes figuras intelectuais da cátedra. Testemunha da fundação da UFG e uma das protagonistas da criação da então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, a professora Moema fez a passagem aos 88 anos no dia 20 de março, no simbolismo da mudança da estação e da chegada dos ventos de outono. Deixa um imenso legado que se soma aos livros publicados, às críticas literárias, às poesias, contos, pesquisas e aos inúmeros professores formados na Faculdade de Letras.

Filha da professora e escritora Genezy de Castro e Silva e do fundador da Universidade e primeiro reitor da UFG, Colemar Natal e Silva, Moema de Castro e Silva Olival acompanhou de perto os bastidores da criação da universidade pública em Goiás. Inclusive, fez questão de fazer o resgate dessa história com a publicação de livros de memórias. Mas a sua carreira não ficou à sombra do histórico ilustre do seu pai. Formada em Filosofia pela Faculdade Santa Úrsula (RJ), participou da primeira seleção de professores da UFG, por meio de concurso de títulos, e foi contratada em outubro de 1961, no primeiro ano efetivo da Universidade. 

Moema de Castro e Silva Olival foi a primeira professora da Universidade a se doutorar, tendo realizado sua pós-graduação na Universidade de São Paulo (USP), onde estudou a obra de Bernardo Élis. Fez parte do grupo pioneiro de professores que criaram a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras em 1962 e, anos depois, esteve à frente da implantação do Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da Faculdade de Letras (FL), onde atuou como coordenadora. Também fundou e foi a primeira coordenadora do Centro de Estudos Portugueses da Universidade. Por tanto, recebeu o título de professora emérita concedido pela UFG.

Moema e Turchi
Maria Zaira Turchi conheceu Moema quando ainda era uma menina. Tornaram-se colegas e estiveram presentes no evento de comemoração dos 50 anos da FL 

O trabalho dedicado à literatura especialmente goiana fez com que a poeta, contista e crítica literária ocupasse no final dos anos 1990 a cadeira número quatro da Academia Goiana de Letras (AGL), tendo como patrono o poeta Antônio Félix de Bulhões Jardim. A atual sede da Academia Goiana de Letras era um lugar repleto de memórias afetivas para Moema. Foi ali, naquela casa, que no passado era de seu pai, Colemar Natal e Silva, fundador da AGL, que Moema nasceu e passou boa parte da infância. Não à toa, nas primeiras quintas-feiras de cada mês, lá estava ela, sentada na primeira fila, com sua presença marcante e atuante. “Moema tinha um carinho especial com aquela casa onde passou boa parte de sua vida”, lembra o amigo e poeta goiano, Miguel Jorge, também membro da AGL.

Como fruto de sua carreira profissional, colheu muitas homenagens e conquistas. Tornou-se membro também da Academia Brasileira de Filologia, da União Brasileira de Escritores (secção Goás), do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás. E chegou a receber, do presidente de Portugal, Mário Soares, a comenda da Ordem ao Mérito pela contribuição à divulgação da Língua Portuguesa no Brasil. Pelo trabalho enquanto crítica literária, foi agraciada com o troféu Tiokô, conferido pela União Brasileira de Escritores (UBE-GO), e o prêmio Clara Ramos, da UBE-RJ. 

“Moema de Castro e Silva Olival nos deixa uma fortuna crítica muito preciosa sobre a literatura, sobre nossos autores, e as obras produzidas em Goiás. Certamente, é um nome importantíssimo para a UFG, para a crítica literária feita no nosso estado, e que nos projeta para um cenário de reconhecimento nacional e inclusive internacional", afirma a professora da UFG e ex-diretora da FL, Maria Zaira Turchi, que, quando ainda era uma menina, conheceu a professora Moema nos tempos em que a Faculdade de Letras era um sonho a ser conquistado, depois também foi sua aluna e chegou a ser sua colega profissional na Universidade.

Moema e Francisco
Professores Moema de Castro e Silva Olival e Francisco Joé Quaresma

O reconhecimento da professora Moema pelo trabalho prestado à crítica literária é unânime. Assim como afirma a escritora e ex-presidenta da AGL, Lêda Selma, “Moema era uma crítica de expressivo brilho, fonte de pesquisas para amantes e estudiosos da literatura, além de contista e poetisa. Uma referência na cultura em Goiás. O conjunto de sua obra, em especial, na crítica, enriquece a literatura, pelo  conteúdo de valor inestimável, que dá visibilidade aos autores e ao seu notável trabalho. Sua atuação nas letras é marcada pelo timbre da seriedade, da dedicação, do estudo continuado e da honestidade intelectual”.

Pela sua importância, o atual secretário de Relações Internacionais da UFG, Francisco Joé Quaresma de Figueiredo, quando ocupava o cargo de diretor da Faculdade de Letras quis homenageá-la dando seu nome à Biblioteca Setorial da FL. Mas não teve sucesso, devido a uma lei que proíbe que nomes de pessoas vivas sejam dados a locais públicos. “Irei sugerir ao Conselho Diretor da Faculdade de Letras para que possamos homenageá-la”, disse.

Sons, tons e dom

As palavras e as cores eram duas paixões de Moema de Castro Silva Olival, que se somavam ao gosto pela literatura goiana. A unificação entre os sons e os tons das palavras era explorada em suas próprias poesias e nas aulas de Estilística que ministrava na FL, com a utilização de poetas goianos. “E as aulas eram ótimas, a professora Moema era muito dedicada, muito séria. Eu me lembro de estudarmos com ela o potencial expressivo dos fonemas, o potencial expressivo das vogais. De estudarmos as cores e os sons das vogais. Então trabalhávamos muito com claridade, escuridão, a partir das vogais, e eu achava essa discussão linda”, recorda a ex-aluna Mônica Veloso Borges, professora do Núcleo Takinahaky de formação Superior Indígena e do Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da FL. 

O estudo da Estilística, assim como recorda professora Mônica, era realizado a partir dos poemas de autores nacionais, como Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meireles, e também de escritores goianos, como Hugo de Carvalho Ramos e Bernardo Élis. Com suas escolhas bibliográficas, a professora Moema incentivava o prazer pela leitura de obras regionais. “Então, Carmo Bernardes eu conheci a partir das aulas dela. Eu fui gostar mesmo de ler literatura goiana a partir de suas aulas”, afirma professora Mônica. “Era como se fosse uma cátedra, pois a disciplina era a professora Moema”, lembra o professor da UFG e diretor da Editora UFG, Anselmo Pessoa Neto. “Em sala de aula, era a simpatia, a educação e a fineza nos modos”, que geravam também a apreciação e admiração dos alunos, afirma professor Anselmo.

Moema, Miguel Jorge e Nelly
Professora Moema com seu amigo e poeta Miguel Jorge e a crítica literária da USP, Nelly Novaes Coelho

O amigo e poeta Miguel Jorge guarda com carinho um momento peculiar. O dia em que Moema de Castro e Silva Olival lhe pediu para declamar aos membros da AGL um poema dela, o mais famoso: O Grito. “Fiz com imenso prazer. Sabia que o poema iria despertar a atenção de todos, de um modo perfeitamente claro, pois há nele sentimentos do homem comum, e a unificação que se observa entre poesia e artes plásticas. Quero dizer, a palavra e as cores”.

Certa feita, recorda Miguel Jorge, ele perguntou à amiga se a crítica literária era valorizada hoje, assim como já foi ontem. No que ela respondeu: “A Crítica é hoje uma disciplina complexa, uma vez que opera sobre valores científicos, estéticos, filosóficos, que dirigem o homem e a linguagem que o expressa. A Crítica é ciência e é arte. Ciência no momento da análise. Arte no momento da intuição e da síntese”. A resposta da professora Moema de Castro e Silva Olival reflete sua acurácia e paixão pela prática profissional, reflete toda sua dedicação ao conhecimento acadêmico, à arte e ao ensino. Ela deixa como legado sua obra, foram 14 livros de ensaios críticos, e também “sua luta diária pelo avanço de nossa cultura, sua linha disposta na elaboração de um verso, sua linguagem ousada na escrita de um conto, e a sua consciência absolutamente correta quando se tratava de elaborar uma crítica literária”, afirma Miguel Jorge.

Ao ser questionado, por escrito, se gostaria de dizer mais alguma coisa na homenagem à professora Moema de Castro e Silva Olival, o poeta goiano Miguel Jorge respondeu sobre o enorme vazio deixado pela sua partida. E também se inspirou e, como resposta, escreveu um poema dedicado a ela:

Que para o mar, o azul está sempre próximo,

Em ondas. E quando se avista o mar, se avista sozinho

Em sua imensidão de ondas. Talvez, vez por outra,

Moema e Miguel Jorge
Miguel Jorge e Moema de Castro e Silva Olival

um navio. A alma de uma pessoa querida que parte.

Haverá, sim, outro lado do azul

O que a gente não vê, mas sente.

Às vezes pode surgir num repente, mas

É somente alguns clarões no espaço.

A vida nos encanta, ou, talvez, nos deixa

Encantados. Ou no dizer de uma amiga;

"Certas pessoas não combinam bem em

Morrer"

Haverá, então, muitas luzes no espaço,

E uma estrela diferenciada que nos avista

De longe. E lá que a vista existe, resiste em

Noites veladas, de muitos sonhos

(Miguel Jorge, 23/03/2021, em resposta a partida da professora, crítica literária, poeta e contista Moema de Castro e Silva Olival)

Fonte: Secom-UFG

Categorias: Homenagem Institucional