PORQUE O ESTADO IMPORTA
O Sistema Público de Saúde: Porque o SUS importa
Tadeu Alencar Arrais*
Jaquelinne Neves de Oliveira*
Observatório do Estado Social Brasileiro
É manhã de sábado. A tarefa de Helena é levar Douglas ao posto de saúde em Manacapuru, no Amazonas. É o “Dia D” da Campanha Nacional de Vacinação contra Poliomielite e Sarampo. Em 2019 foram aplicadas 12 milhões de doses de poliomielite e 1 milhão doses de tetra viral.
À 4.260 quilômetros dali, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, no Hospital Universitário, a guria Ana veio ao mundo pelas mãos de médicos e enfermeiras. Entre janeiro de 2010 e outubro de 2020, foram realizados, em ambulatórios e hospitais públicos, mais de 12,3 milhões partos.
Em Goiânia, Geralda, professora aposentada, repete a rotina de retirar medicamentos na Central Estadual de Medicamentos de Alto Custo Juarez Barbosa. Como ela, milhares de brasileiros acometidos por doenças como esclerose múltipla, HIV, alzheimer, epilepsia, esquizofrenia, hepatite viral B e C, entre outras doenças, são beneficiados com a retirada de medicamentos gratuitos.
Em Porto Franco, no Maranhão, o SAMU é acionado, diariamente, para atendimentos de urgência no corredor da BR-010. Nas ocorrências atendidas pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência estão, entre outras, traumas decorrentes de acidentes, problemas cardiorrespiratórios, queimaduras, crises hipertensivas. As unidades móveis de atendimento, terrestres, aquáticas ou aéreas, estão presentes em 1.668 municípios brasileiros.
No Itaim Paulista, em São Paulo, Pedro retira medicamentos para hipertensão e diabetes em farmácias vinculadas ao programa Aqui Tem Farmácia Popular. A qualidade de vida de milhões de brasileiros de baixa renda, como Pedro, é garantida por esse programa de acesso a medicamentos.
Helena, Douglas, Ana, Geralda e Pedro pertencem a grupos sociais distintos e residem em lugares com realidades sociais diferentes. O que os une não é, apenas, o fato de serem brasileiros. Todos eles, assim como os outros 212 milhões de brasileiros, de algum modo, foram ou estão protegidos por um sistema público de saúde conhecido como SUS.
O SUS surgiu com a Constituição de 1988. A democratização seria incompleta sem o SUS. Foi isso que o constituinte imaginou quando, no Artigo 196 da Constituição Federal, estabeleceu a saúde como direito de todos e dever do Estado. A lei, abstrata, foi tomando corpo, domando a geografia desse país continental e formando um dos mais complexos sistemas de saúde pública do planeta.
O tripé desse sistema poder ser resumido por três princípios:
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A Integralidade, que pressupõe a garantia de políticas de assistência a saúde articuladas com ações e serviços preventivos e curativos, no campo individual e coletivo.
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A Universalidade, que pressupõe o acesso a saúde em todos os níveis de assistência, seja nos programas de saúde da família, seja na prevenção ou mesmo nos atendimentos médicos-ambulatoriais.
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A Gratuidade, que pressupõe que todos, independentemente do local de nascimento, sem preconceitos e privilégios de classe, estarão protegidos pelo sistema.
Só é possível compreender esse tripé quando consideramos que vivemos em um país extenso, populoso e desigual. A desigualdade social amplia, sobremaneira, a diversidade de situações de risco à saúde. Segundo o IBGE, em 2019, 8,9 milhões de pessoas ficaram internadas em hospitais, por intermédio do SUS, por 24 horas ou mais. Isso equivale a 64,6% do total das internações registradas no Brasil. Esse percentual na região nordeste foi de 77,8% e na região Norte 76,2%.
A mesma pesquisa aponta que apenas 28,5% da população do pais possuía, em 2019, algum plano de saúde médico ou odontológico. As diferenças regionais também saltam os olhos, uma vez que a região Norte apresentou 14,7% e a região Nordeste 16,6% de pessoas com plano de saúde. O fato de possuir plano de saúde, no entanto, não significa que esse indivíduo não tenha demandado os serviços do SUS, bastando para isso recordar da distribuição de medicamentos de auto custo, das campanhas de vacinação, dos atendimentos de urgência nas rodovias brasileiras ou mesmo os serviços da vigilância sanitária. Todos estamos, de alguma forma, cobertos pelo guarda-chuva do SUS.
O Brasil de 2021, no entanto, é muito diferente do Brasil de 2019. A redução da renda, o aumento da pobreza e a pandemia da COVID-19 aumentaram as demandas pelos serviços do Sistema Único de Saúde. No início de janeiro de 2021 haviam 7,9 milhões de casos registrados e mais de 200 mil óbitos acumulados. O combate a Pandemia, em várias frentes, tem sido protagonizado pelo SUS. O financiamento das pesquisas, a ampliação da rede de atendimento, a aquisição de insumos e equipamento e, principalmente, a dedicação dos servidores públicos, especialmente da área da saúde, a despeito do obscurantismo que ronda o país, tem feito a diferença.
Mas reconhecer a importância do SUS, nesse momento sensível de nossa história política e sanitária, não basta. É preciso dizer que o SUS é o maior ativo da democracia brasileira. Representa a democracia porque está presente nos lugares de mais difícil acesso, gerando expectativa de cidadania para a gente que vive nas periferias das metrópoles, nos barrancos dos rios da Amazônia, nas áreas rurais do Maranhão, nas Aldeias indígenas do Pará, nos pequenos povoados da Campanha Gaúcha, entre tantos outros espaços marcados, historicamente, pela negligencia política dos governantes.
A defesa do SUS simboliza o desejo por justiça social do geógrafo e médico Josué de Castro, silenciado pela ditadura militar e a quem dedicamos uma série de vídeos adjetivada de Geografia do SUS. Lembrem-se. Se o Estado Social Importa é, também, porque o SUS existe!
Para mais informações
Plataformas de Dados do Observatório do Estado Social Brasileiro
http://obsestadosocial.com.br/
https://observatorio.spatialize.com.br/#/
Canal Porque o Estado Importa
https://www.youtube.com/channel/UCuZDu3jkiPMfxYTmfzVzKWw
* Tadeu Alencar Arrais é professor da UFG, pesquisador do CNPq e coordenador do Observatorio do Estado Social e Jaquelinne Neves de Oliveira é arquiteta e urbanista, pesquisadora do Observatório do Estado Social Brasileiro, bolsista de Apoio Técnico a Pesquisa do CNPq - Nível 1A
Fonte: Secom-UFG
Categorias: colunistas IESA