Covid-19: a importância da informação correta no enfrentamento à pandemia
A virologista e professora da UFG, Menira Souza, aponta cuidados e medidas para combater a doença
Luciana Santal
Desde dezembro de 2019, a expressão “covid-19” passou a fazer parte do vocabulário popular como referência à doença provocada pelo vírus SARS-CoV-2, identificado pela primeira vez em Wuhan, a 7ª maior cidade da China. Os casos aumentaram em vários países ao mesmo tempo e levou o mundo à pandemia pelo coronavírus, que perdura até hoje com números assustadores, principalmente no Brasil. Durante esse tempo, muitas descobertas foram feitas em relação ao vírus, mas as informações podem não chegar às pessoas da forma correta, já que o assunto ainda é muito recente para todos.
Para esclarecer alguns pontos importantes sobre a covid-19, o Jornal UFG conversou com a professora da Universidade Federal de Goiás, Menira Souza, que é biomédica virologista e atua, voluntariamente, na rede de laboratórios de diagnóstico da covid-19, em parceria com a professora Fabíola Souza Fiaccadori, coordenando e trabalhando na execução dos testes laboratoriais no LABCOVID, instalado no Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública (IPTSP)/UFG.
Quais medidas são eficazes para nos protegermos contra a covid-19?
Menira Souza - O distanciamento social, a utilização de máscaras, a higienização correta das mãos e a vacinação são de extrema importância, não somente para o indivíduo, mas para toda a sociedade. Países como Nova Zelândia e Vietnã, que implementaram essas medidas desde o início da pandemia, ou que, ao longo dela, perceberam a importância dessas medidas, como Portugal e Reino Unido, tiveram bons resultados, com a redução do número de infectados, casos graves e óbitos.
Por que o distanciamento social é importante para conter o avanço da pandemia?
Menira Souza - O SARS-CoV-2 é um vírus: precisa de uma célula viva para se replicar e se perpetuar na natureza. Ele é transmitido de uma pessoa (infectada) para outra (suscetível), principalmente pela via respiratória, através de gotículas de saliva ou aerossóis que contêm as partículas virais. Também pode ser transmitido pelo contato com objetos e superfícies contaminadas. Por essa razão, ao evitarmos o contato com outras pessoas, estamos nos protegendo, mas também ajudando na diminuição da circulação do vírus, pois uma pessoa pode transmitir o vírus por vários dias, para mais de uma pessoa. O distanciamento social também minimiza o surgimento de novas variantes do vírus, que podem ser mais transmissíveis e patogênicas (causarem quadros mais graves da doença) e assim piorar o quadro da pandemia, com a superlotação de leitos de UTI e exaustão de profissionais da saúde. Por exemplo, países que estavam em situação crítica e que adotaram o lockdown por no mínimo 14 dias, com fiscalização da circulação de pessoas, tiveram um resultado muito bom no controle da pandemia. Mas para que surta o efeito desejado, toda a população deve aderir às regras. Governantes, organizações não-governamentais, iniciativa privada e a sociedade como um todo devem contribuir fornecendo condições para que a população siga essas medidas restritivas, pois parte do problema é que, para garantir a sobrevivência sua e de sua família, os brasileiros saem para trabalhar, entram em contato com outras pessoas e utilizam, muitas vezes, o transporte público, que é um local propício para a disseminação viral.
Qual a maneira correta de usar máscaras para que as pessoas fiquem mais protegidas?
Menira Souza - O ideal é que todos estejam de máscara em ambientes com mais de uma pessoa, e mesmo assim, que seja respeitada a distância mínima de 1,5 metros de distância de uma pessoa para a outra. Atualmente, com a circulação de novas variantes do vírus, máscaras que conferem maior poder de proteção, como as N-95 e Pff2 (sem válvula), são recomendadas para o uso em ambiente fechado em que haja circulação de pessoas. Essas máscaras podem ser reutilizadas, se for feito um período de “descanso” do uso da mesma máscara, de pelo menos três dias. É importante observar se essas máscaras têm aprovação de agências regulatórias brasileiras, como o Inmetro, pois muitas são importadas. As máscaras cirúrgicas também conferem boa proteção, mas devem ser trocadas a cada duas ou quatro horas, dependendo do ambiente e se elas ficaram úmidas ou não. As máscaras de pano podem ser usadas, se tiverem no mínimo duas camadas de tecidos apropriados, e não podem apresentar furos ou rasgos. As máscaras de pano devem ser substituídas quando tiverem sido lavadas muitas vezes. De preferência, usar duas máscaras de pano ou uma cirúrgica e uma de pano, para conferir maior proteção. O ajuste da máscara no rosto também é muito importante. Ela deve tapar completamente o nariz e a boca e não deve permitir o escape de ar quando exalamos. O modo com que manipulamos a máscara também é importante. Sempre devemos pegar pelas alças, nunca pela frente da máscara. E devemos lavar bem as mãos ou fazer a higienização com álcool a 70% ou álcool em gel antes de colocar ou tirar as máscaras, bem como após retirarmos a máscara do rosto. Sempre devemos usar máscaras, mesmo em locais abertos, pois, o momento de maior exposição ao vírus é quando estamos sem máscara, já que partículas do vírus podem ficar suspensas no ar por algum tempo e nos infectar.
E o jeito certo de lavar as mãos?
Menira Souza - A higienização das mãos deve ser feita com água e sabão, molhando as mãos antes e esfregando bem todas as partes da mão, inclusive as pontas dos dedos e os punhos, sempre com fricção e fluxo de água abundante para enxágue. Em casa, não é necessário usar álcool em gel, basta lavar as mãos: ao chegar em casa, antes de se alimentar ou preparar os alimentos e sempre que tocar superfícies ou objetos que muitas pessoas da casa sempre tocam. Se a pessoa precisar sair de casa e não puder lavar as mãos, aí sim é importante o uso do álcool a 70% ou do álcool em gel. Essa concentração evita com que o álcool evapore muito rápido e permite que ele aja sobre a camada externa do vírus (envelope lipídico) e faça sua inativação (“matando o vírus”).
Por que se diz que o Brasil está se tornando um celeiro de novas variantes?
Menira Souza - O negacionismo (ato de recusar e negar uma realidade cientificamente comprovada), vacinação lenta (principalmente porque o Governo Federal/Ministério da Saúde não se organizou e negociou a compra de vacinas com antecedência) e a falta de distanciamento social são alguns dos fatores que fazem com que o Brasil seja visto como um “celeiro” para novas variantes que podem impactar não só o nosso país, mas o mundo. E para se falar sobre as variantes virais é importante entender o que são mutações. O genoma é como um texto e as mutações acontecem como se as letras deste texto fossem trocadas, deletadas, duplicadas ou retiradas à medida com que o vírus vai se reproduzindo, ou fazendo cópias dele mesmo, gerando assim novas partículas. Esse texto é então traduzido em aminoácidos, que são as moléculas que formam as proteínas virais. Cada aminoácido é formado por três letras. Então, se há a troca de uma letra, pode ser que o tipo de aminoácido ou suas características sejam modificados. Essa alteração pode levar a mudanças nas proteínas e ter consequências maiores como, por exemplo, uma melhor ligação do vírus ao receptor na célula (facilita a entrada do vírus nas células/infecção), uma melhor disseminação do vírus no corpo (doença mais grave) ou mesmo um escape de anticorpos/vacinas.
E por que as mutações acontecem?
Menira Souza - As mutações fazem parte do processo natural de replicação e evolução dos vírus. Muitas acontecem ao acaso e nem sempre são benéficas para a manutenção daquela espécie de vírus na natureza. Em alguns casos, podem conferir vantagens evolutivas sobre o vírus original. O coronavírus tem um genoma composto por RNA (ácido ribonucléico). A enzima que esse vírus usa para se replicar não corrige o que erra e, com isso, as mutações vão ocorrendo naturalmente. Este é um processo de mutação. O outro, que pode levar a mutações ao longo do tempo, origina-se na pressão que o próprio sistema imune (anticorpos resultantes da infecção pelo vírus ou vacinação) e antivirais podem exercer sobre o vírus.
Como se chamam as novas variantes do coronavírus e em que lugar foram identificadas pela primeira vez?
Menira Souza - As variantes são um pouco diferentes do vírus original. Atualmente as variantes circulantes mais comuns (que são reconhecidas pela OMS), ou que tem chamado mais a atenção são as: B1.1.7, que emergiu no Reino Unido e já se espalhou para mais de 70 países; a B1.1351, que surgiu na África do Sul; e P.1, a variante identificada primeiramente em Manaus que parece já ser predominante em vários países da América Latina, inclusive no Brasil. As variantes possuem várias mutações e algumas possuem mutações em comum. A variante P1 tem três mutações genéticas principais que causam mais preocupação aos cientistas. Dentre elas, há uma mutação, N501Y, que é comum à da variante do Reino Unido e permite que o vírus se ligue com mais facilidade ao receptor do novo coronavírus nas células humanas.
As mutações tornaram o vírus mais “agressivo” e transmissível?
Menira Souza - Existem alguns estudos in vitro (realizados em condições laboratoriais usando células em cultura) que demonstram que algumas variantes infectam mais as células e se replicam melhor. Estudos realizados no Reino Unido apontam para uma maior transmissibilidade da nova variante, bem como a ocorrência de um maior número de internações. Mas é importante reforçar que, para que se tenha um melhor entendimento do real impacto das variantes na transmissibilidade do vírus e na gravidade da doença, ainda é necessário o desenvolvimento e conclusão de mais pesquisas, tanto nas áreas de sequenciamento de amostras clínicas obtidas de pessoas infectadas (que apresentem quadro clínico diferente), bem como estudos realizados em laboratório que confrontem o soro de pessoas que foram infectadas/vacinadas com as diferentes variantes que são realizados in vitro, além de observações clínicas e epidemiológicas sobre número de infectados com as variantes e quadro clínico associados a essas infecções.
As vacinas serão eficazes mesmo contra essas variantes?
Menira Souza - Até o momento, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que as vacinas aprovadas para uso possuem eficácia, principalmente contra doença grave. Entretanto, deve ser observado que, para que sejam eficazes, as vacinas devem ser administradas no número de doses e intervalo recomendados, respeitando ainda o tempo de pelo menos 2 a 3 semanas após a última dose recomendada. Outro ponto é que existem diferentes vacinas: algumas vacinas utilizam pedaços menores da proteína Spike (de superfície do vírus) ou feitas tendo como objetivo a produção de um pequeno pedaço do RNA mensageiro viral (um pedaço, por exemplo, da proteína de superfície spike). Essas vacinas poderiam ser mais afetadas que a Coronavac, por exemplo, que é feita do vírus inativado (como se fosse um “pedaço” maior do vírus). Mas para avaliar isso são necessários mais estudos, principalmente no contexto atual do surgimento de novas variantes. Ao nos vacinarmos, protegemos não só a nós mesmos, mas também toda a sociedade. Somente após a vacinação de um grande percentual da população (mais de 70%), haverá redução na circulação do vírus, o que impactará positivamente no controle da pandemia.
Quais os cuidados que devem ser tomados após a pessoa ter recebido a vacina?
Menira Souza - O distanciamento social, a utilização de máscaras da forma correta e a higienização das mãos são cuidados que devem continuar, mesmo após termos sido vacinados com o número de doses recomendado. Quando recebemos a primeira dose da vacina, o sistema imune é estimulado, mas, para todas as vacinas aprovadas para uso no Brasil, somente após o intervalo de pelo menos 2 a 3 semanas após termos recebido a segunda dose é que podemos nos considerar devidamente vacinados. A exceção é a vacina da Janssen (aprovada para uso emergencial), que é administrada em somente uma dose. Portanto, é muito importante que as pessoas tomem os mesmos cuidados entre as doses, que voltem para tomar a segunda dose e que, mesmo após a segunda dose, continuem se protegendo e, consequentemente, aos outros também. Além disso, devo reforçar que as vacinas não protegem totalmente contra a infecção, assim, pessoas vacinadas poderiam se infectar pelo SARS-CoV-2, bem como abrigar o vírus no trato respiratório e funcionar como potenciais transmissores do vírus para outros.
Fonte: Secom UFG