PORQUE O ESTADO IMPORTA
Desigualdade de renda e auxílio emergencial – o destino que vem do berço
Leandro Lima*
Juheina Lacerda Viana*
Há uma inequívoca relação entre a desigualdade social e a desigualdade de renda. É a renda de um indivíduo ou grupo familiar que permite o consumo diário de bens e serviços. A diferença no volume de renda mensal, somada à variação dos preços, definirá a quantidade e a qualidade dos bens e serviços consumidos. Em Aracaju, o valor da cesta básica, em setembro de 2020, atingiu R$ 426 e em Florianópolis, R$ 582. Se somarmos o custo médio da tarifa de ônibus que alcançou, nas capitais, o valor de R$ 4,10, então teremos um custo adicional de R$ 164,00 mensais.
Apenas a cesta básica e o transporte poderá comprometer mais de 70% do Salário Mínimo. No Brasil, 27 milhões de trabalhadores recebem até um Salário Mínimo e outros 14 milhões estão desempregados. Isso significa que mais da metade da população economicamente ativa sobrevive com baixos ou nenhum rendimento formal. Haviam, em agosto de 2020, 39,7 milhões de pessoas com renda per capita mensal de até R$ 89,00. É a extrema pobreza, uma vez que a renda da pobreza se situa entre R$ 89,01 até R$ 178, grupo que concentra outros 8,7 milhões de pessoas.
É importante, tendo em conta essa realidade, compreender a dinâmica de formação da renda. A renda de um indivíduo ou grupo familiar pode ser proveniente do trabalho. Esse mesmo grupo de indivíduos pode ou não possuir rendas originárias de alugueis ou arrendamentos de propriedade. Lucros e aplicações financeiras compõem uma fração mais restrita da renda. As aposentadorias, as pensões e as transferências de renda direta fazem parte do que podemos chamar de renda pública.
No caso dos bilionários, é comum que a herança, e não o trabalho, seja o principal fator de formação de sua renda. Sua riqueza não provém do trabalho, mas da hereditariedade, ou, dito de outro modo, do berço. Relatório da OXFAN-Brasil calcula que um indivíduo que recebe 1 Salário Mínimo demoraria 19 anos para obter a renda média mensal do 0,1% mais rico da população brasileira.
Por esse ângulo, a doutrina da meritocracia cai por terra e o nosso neoliberalismo revela sua epiderme aristocrática. É importante, no entanto, nos deter um pouco mais sobre o rendimento do trabalho. O valor do rendimento médio real do trabalho formal, em 2020, segundo o IBGE, foi de R$ R$ 2.354,00 para os homens e R$ 1.938 para as mulheres. O trabalhador negro recebeu R$ 855,00 a menos que um trabalhador branco. A diferença no rendimento médio de um trabalhador negro que atua no mercado informal para um trabalhador branco que atua mercado formal foi de R$ 1.593,00. As mulheres, em todos os cortes, recebem menos que os homens. Nosso mercado de trabalho traduz, além de nossa herança escravocrata, uma espantosa distinção de gênero. Aqui, o destino de pobres, negros e mulheres, provem de um berço pouco esplandecente.
As experiências históricas ensinam que o combate da desigualdade de renda sempre exigiu ação do Estado Social. O Brasil, entre 1991 e 2010, assistiu uma inédita redução da desigualdade social. Estudo do IPEA, intitulado de A década inclusiva, aponta que o aumento na equidade, pela ótica da variável renda, respondeu para ampliação da renda do trabalho, seguida da previdência, do Bolsa Família e do BPC. Em comum, todos esses segmentos tiverem determinante influência das políticas públicas.
Além do crescimento do desemprego e da desigualdade de renda, registrado a partir de 2014, a crise de saúde pública, resultante da pandemia, tornou dramática a situação dos mais vulneráveis. A pandemia provocou redução da renda, aumento do desemprego e desarticulação de sistemas produtivos. O Auxílio Emergencial, como medida de transferência de renda direta, nasceu da necessidade de intervenção do Estado diante de uma situação de excepcionalidade. Em agosto, segundo o IBGE, 43,9% dos domicílios receberem Auxílio Emergencial no valor médio de R$ 901,00. As cincos primeiras parcelas do Auxilio Emergencial custaram 213 bilhões. Entre 2004 e 2019, o Bolsa Família custou 278 bilhões. Cinco meses de Auxilio Emergencial custou 76,6% do total pago em 15 anos do Programa Bolsa Família, cujo valor médio, por família, em agosto de 2020, atingiu R$ 191,00. Mas não se assuste. Só em 2019, o governo destinou 980 bilhões para o serviço e refinanciamento da dívida interna.
Enfim, é preciso entender que as políticas de transferência de renda fazem parte da natureza solidária do Estado Social. Políticas dessa natureza, em par com políticas que promovam o emprego, a saúde e a educação, nos fazem acreditar que o destino nem sempre virá do berço. Lembre-se: quanto mais o destino depender do berço, mais a ação do Estado Importará.
Para mais informações:
Plataformas de Dados do Observatório do Estado Social Brasileiro
http://obsestadosocial.com.br/
https://observatorio.spatialize.com.br/#/
Canal Porque o Estado Importa
https://www.youtube.com/channel/UCuZDu3jkiPMfxYTmfzVzKWw
* Leandro Lima é professor adjunto do IESA e integrante do Observatório do Estado Social Brasileiro
* Juheina Lacerda Viana é doutoranda em Geografia pelo IESA e integrante do Observatório do Estado Social Brasileiro
Fonte: Secom-UFG
Categorias: colunistas IESA