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Universidade Federal de Goiás
PORQUE O ESTADO IMPORTA

PORQUE O ESTADO IMPORTA

Em 12/05/21 09:22. Atualizada em 12/05/21 09:22.

Estado social e o neoliberalismo

Tathiana Rodrigues Salgado*

Jaquelinne Neves de Oliveira*

 

Estar protegido não é um estado natural.

Robert Castel, La inseguridad social, p.21.

 

O Estado Social é um arranjo político, no âmbito da arena estatal, caracterizado pela legitimação dos direitos sociais. Esse arranjo político demanda a destinação de recursos para a área social e se materializa a partir da cessão de benefícios previdenciários para idosos, dos programas de transferência de renda destinados aos mais vulneráveis, na ação protetiva aos trabalhadores e desempregados, na oferta de vagas em creches e escolas públicas, assim como no financiamento dos sistemas públicos de saúde.

 Seu nascimento não resultou da vontade política das elites nacionais, mas da luta dos trabalhadores europeus. Surgiu no final do século XIX, na Alemanha de Bismarck, quando foram instituídos os seguros vinculados aos acidentes de trabalho, a invalidez e a velhice.

Em 1935, nos Estados Unidos, surgiu a Lei do Seguro Social, permitindo subsídios no campo da saúde, assistência financeira aos idosos carentes e seguro-desemprego.

Pouco depois, em 1942, foi apresentado, no Parlamento Britânico, o Plano Beveridge que reestruturava o seguro social, com metas para combater a miséria, com foco nos idosos, nas mulheres e nas crianças.

A Lei de do Seguro Social e o Plano Beveridge representaram uma evolução em relação ao modelo constituído à época de Bismarck, justamente por colocar a ampliação e a universalização dos sistemas protetivos no centro da discussão política. Esse modelo foi generalizado para a Europa e transplantado, de modo diferencial, para alguns países da América Latina.

Essa matriz de intervenção implicou na ampliação das funções do Estado na sociedade. O Estado, como outrora, não se encarregava mais apenas da guerra ou da preservação do soberano. Essa mudança deve ser compreendida a partir do cenário político internacional. Eventos como a I Guerra Mundial, a Revolução Russa, a Crise de 1929 e a II Guerra Mundial, ampliaram os conflitos políticos nacionais, assim como os embates ideológicos. O debate político volta-se para a natureza da intervenção Estatal, colocando de lados opostos as doutrinas liberais e as experiências descritas como socialistas. O Estado Social ganha ossatura nesse campo de tensão política e de aumento da desigualdade social.

A tensão também traduziu a disputa pelo orçamento público e, tanto ontem como hoje, pode ser simplificada pela seguinte interrogação: quem pagará pelos serviços públicos e pelas políticas protetivas do Estado Social?

Países como a Suécia, a França, a Alemanha, o Reino Unido e os Estados Unidos, a partir de 1920, ampliaram as receitas tributárias. Nos Estados Unidos, em 1900, a receita tributária representou 6% da renda nacional, passando para 17% em 1930 e 30% em 1970. No Reino Unido, no mesmo período, o percentual foi de 10%, 21% e 30%, respectivamente.

A ascensão das receitas permitiu o financiamento do Estado Social. Em 1870, segundo Thomas Pikkety, as despesas sociais na Europa representaram menos de 5% da renda nacional. A partir de 1920 a situação muda com progressivos aumentos de despesas relacionadas a educação, saúde, previdência e assistência social.   

Na década de 1940, países como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e França aumentaram significativamente os impostos sobre a renda e sobre as heranças. O surgimento e elevação progressiva desses impostos, até a década de 1970, financiaram o Estado Social.  

Esse modelo de atendimento das demandas sociais começa a ser criticado, com mais ênfase, a partir da década de 1970. A matriz  da crítica foi sintetizada, anos depois, pelo chamado Consenso de Washington. Ali, o receituário político para os Estados nacionais passava pela adoção de reformas estruturais, pelas privatizações e pela obsessão pelo superávit primário. O objetivo, na gangorra orçamentária, era transferir recursos e ativos públicos para o mercado financeiro. As despesas sociais passam a ser compreendidas como onerosas e ineficientes. Austeridade passa a ser a forma de dizer que os grupos mais vulneráveis não terão lugar no Estado Mínimo.

A propaganda neoliberal oculta a associação entre o mercado e estado, demonstrada pelos regimes de compras públicas ou mesmo pelas diferentes formas de financiamento da produção e remuneração do mercado financeiro. A separação entre mercado e estado, por essa ótica, é artificial. A eficiência da doutrina passa por afirmar o protagonismo do indivíduo em um mercado meritocrático, o que é necessário para bloquear a construção de ambientes políticos fora da atmosfera da competição individual e corporativa. 

Mas o neoliberalismo não se opõe ao Estado. Seu inimigo é, sem dúvida, um regime de solidariedade política que chamamos de democracia. No jogo do mercado não há fair play e a regra para interpretá-lo é muito simples.

Quanto mais forte for o Estado Social, mais perto estaremos da democracia e mais distante do neoliberalismo. 

É por tudo isso que o Estado Social Importa!

         

Para mais informações:

Plataformas de Dados do Observatório do Estado Social Brasileiro

http://obsestadosocial.com.br/

https://observatorio.spatialize.com.br/#/

 

Canal Porque o Estado Importa

https://www.youtube.com/channel/UCuZDu3jkiPMfxYTmfzVzKWw

 

*Tathiana Rodrigues Salgado é doutora em Geografia, docente da Universidade Estadual de Goiás, Unidade de Porangatu e coordenadora do Observatório do Estado Social Brasileiro. Email: tathiana.salgado@ueg.br

*Jaquelinne Neves de Oliveira é discente do Programa de Pós-graduação em Geografia da UEG, campus Cora Coralina, e integrante do Observatório do Estado Social Brasileiro.

Fonte: Secom-UFG

Categorias: colunistas Porque o Estado Importa IESA