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Universidade Federal de Goiás
Edgar Franco

Professor da UFG lança coletânea de HQs inspirada na pandemia

Em 18/05/21 12:52. Atualizada em 25/05/21 09:35.

Realidade hipertecnológica e o ataque à conservação do meio ambiente também estão entre as temáticas

Carolina Melo

Capa Renovaceno

O Brasil chegou a triste marca de 400 mil pessoas mortas pela covid-19 e a sua população ainda exercita os novos ditames que orientam as relações sociais, ou seja, o isolamento e o distanciamento. Os noticiários também dão conta de que, ao lado desse cenário, as narrativas anticiência ainda são alimentadas, e projetos políticos avançam contra a preservação dos biomas nacionais. Foi em cima dessa realidade, “que parece um roteiro de ficção científica”, que o professor da Faculdade de Artes Visuais (FAV) da UFG e quadrinista, Edgar Silveira Franco, buscou inspiração para a sua mais recente produção, o álbum de histórias em quadrinhos (HQ) Renovaceno, lançado esse mês. Com tiragem limitada, o trabalho apresenta 13 HQs curtas do Ciberpajé, nome artístico do professor, em 68 páginas. 

“O álbum trata desse momento dramático que estamos vivendo somado ao debate da aceleração hipertecnológica. Ao mesmo tempo, estamos sendo governados pela anti-intelectualidade. Estamos vivendo uma distopia. Assistimos ao noticiário e parece que estamos dentro de um roteiro de ficção científica, de um surrealismo absurdo”, afirma o autor. A ferida é coletiva e, especialmente, subjetiva. O professor Edgar Franco sentiu de perto o significado da perda e dos rituais de passagem durante a pandemia. Seu pai, Dimas Franco, morreu aos 80 anos em decorrência da covid-19 em agosto de 2020. O autor também vivenciou a perda de uma prima e de dois grandes amigos acometidos pela doença. A dor se refez na arte e se manifesta como parte da obra do autor. 

“Trouxe para o álbum essa experiência. Estive com meu pai durante todo o enfrentamento. Estava com ele quando a crise respiratória se manifestou e quando ele entrou para ser intubado, onde ficou por três dias. Vivenciei o enterro com o caixão fechado. E era como se eu estivesse sendo enterrado, pois, querendo ou não, você se coloca no lugar, naquele momento. Estamos em meio a uma pandemia onde todos correm risco. Eu era apaixonado pelo meu pai. Perdi o meu maior mentor. O meu amigo, com quem conversava, inclusive, sobre os destinos da humanidade. Espero superar isso e carregar a memória dele de forma positiva”.

A abertura da coletânea de HQs, o intróito, é inspirada na experiência pessoal de Edgar Franco. “A morte de meu pai me fez pensar no meu próprio enterro. E nesse meu enterro como uma forma simbólica de reconexão com o planeta. Na HQ conecto minha mão a uma raiz, no solo, e sou tragado pela terra, integrando-me ao planeta como um organismo vivo. Dentro desse ovo, do casulo, no útero da Terra, transmuto-me e me transformo numa criatura alada, luciferiana no sentido de ser o portador da luz que tem o entendimento e a compreensão, e pode questionar o estabelecido, no caso, o poder global. É como se a transformação começasse na autotransformação”, conta.

Introíto

Numa realidade em que Edgar Franco acredita não haver mais espaço para a poesia, ele, ainda assim, conseguiu transformar em arte a sua própria dor. A obra segue a linha de uma narrativa de ficção científica inspirada “nas questões contemporâneas e relacionadas à pandemia. Trata-se de uma poética da relação do homem com a natureza”. O título é inspirado no livro “Novaceno” do cientista inglês James Lovelock, que, após uma produção literária pessimista sobre o futuro da humanidade e da biosfera, traz uma perspectiva mais esperançosa. No livro, Lovelock apresenta um eminente novo mundo de coexistência entre as inteligências artificiais avançadas e o ser humano em defesa da sobrevivência na Terra. Em “Renovaceno”, Edgar Franco (Ciberpajé) vislumbra o que vem após o Novaceno. 

“O que faço é pensar no retorno da eutopia, no momento em que estamos vivendo uma distopia. Em um tempo em que milhares de pessoas abandonaram seus corpos orgânicos por novas interfaces robóticas, imaginei um futuro em que a transferência da consciência humana para chips de computador é possível, em que a bioengenharia avançou de tal forma que a hibridização genética entre humanos, animais e vegetais se torna possível. E esses seres antropomórficos remetem às figuras mitológicas”. Nas reflexões geradas pelas histórias em quadrinhos, o que vem depois do Novaceno são cenários positivos e negativos para a humanidade. E essa construção reflete, em muitos aspectos, os modos de sentir da atualidade.  

Dualismo do sentir

Tomo 3 Renovaceno

Assim como percebe Edgar Franco, o indivíduo contemporâneo trafega entre duas sensações: de um lado, a experiência do “agora” e, de outro, a sua relação com o passado e com o futuro, que gera muita tristeza e ansiedade. De acordo com o autor, o álbum de quadrinhos traz o dualismo dessas duas percepções a partir da construção do que seria o Renovaceno. Há reflexões que vislumbram um futuro otimista, onde a espécie humana, após a sua auto-extinção, renasce no planeta como um ser luminoso, apesar de sua complexidade; e também um futuro pessimista, “mas no sentido de que o fim da humanidade poderia ser bom para Gaia, para o planeta Terra”. 

A percepção negativa, nas palavras do autor, “vem dessas experiências recentes traumáticas com a morte de meu maior mentor, meu maior interlocutor cultural, minha maior conexão desde a infância. É uma morte insuperável. É uma dor insuportável que vem da pandemia. E, nela, a gente sempre acaba buscando culpados, e eu acho que se não fosse esse governo com essa necropolítica talvez meu pai estivesse aqui. Tem o fato e a ansiedade de eu não estar vacinado, minha esposa não estar vacinada. Então, a sensação é a de que a humanidade faliu”.

Por outro lado, continua Edgar Franco, “vem o outro dia, vejo minha mulher, meus animais, saboreio uma boa comida, vivencio o agora. A vida é a poesia do instante”. De acordo com ele, a perspectiva otimista de algumas das histórias em quadrinhos nasce de algo que vem experimentando na vida, que vem tentando cultuar, que é a experiência do “agora”. “Estar no ‘agora’, estar com saúde, na minha casa, morando com meu sobrinho e minha esposa que são pessoas que amo, dando as minhas aulas. Assim, consigo ter um prazer e consigo sentir que a vida vale a pena. Se penso no passado ou no futuro, fico triste. Mas tento focar no ‘agora’. O ato criativo é vivenciar a experiência do instante. A minha positividade vem no sentido de que é possível ser alegre no agora”.

Tomo 01 Renovaceno

As 13 HQs curtas de Ciberpajé são divididas em um intróito chamado Transbinários e três capítulos intitulados: Transbiológicos, Transdigitais e Transcendentes. As narrativas curtas tratam sobre os processos tecnológicos, as modificações genéticas e a transgenia, levantam o debate sobre as relações digitais e o relacionamento do homem e sua memória com as inteligências artificiais e trazem reflexões sobre a busca transcendental do ser humano, a busca por outros formas de existência que não a biológica. “Ao apresentar a obra assim, na verdade, estou tentando racionalizar um pouco sobre o que é apresentado nas histórias em quadrinhos de uma forma mais poética e filosófica. O objetivo é estimular a reflexão sobre o momento traumático causado pela nossa desconexão com a natureza”, afirma o autor.

Professor Edgar Franco coordena há 11 anos o Grupo de Pesquisa Cria_Ciber (CNPq), ligado ao Programa de Pós-graduação em Arte e Cultura Visual da Faculdade de Artes Visuais da UFG. O grupo  se dedica às produções artísticas transmídias de seus integrantes e às reflexões sobre os impactos dos avanços tecnológicos recentes no panorama sociocultural e ambiental, e na perspectiva transcendente. O álbum Renovaceno, segundo o professor, é um dos resultados artísticos dessas pesquisas.

 

Fonte: Secom-UFG

Categorias: Arte e Cultura fav destaque