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Universidade Federal de Goiás
PORQUE O ESTADO IMPORTA

PORQUE O ESTADO IMPORTA

Em 19/05/21 09:34. Atualizada em 19/05/21 09:39.

A desestruturação do PAA e o retorno do Brasil ao mapa da fome

Ana Luísa Aragão*

Adriano Rodrigues de Oliveira*

Quando se trata de fome e pobreza em nosso país é inconcebível não correlacionar a produção de alimentos às políticas de financiamento da produção e aquisição de alimentos que amparam o setor agropecuário. O setor agropecuário, ao contrário do que comumente se apregoa, não é composto por um bloco único, sendo marcado pela sua diversidade socioprodutiva, caracterizada de um lado por uma agricultura familiar/camponesa, com a produção de alimentos principalmente destinada ao mercado interno, e agricultura empresarial/agronegócio que se dedica à produção de commodities com destino maior ao mercado externo. Tais grupos sociais no âmbito do modelo de mercado neoliberal ganham destaque também pelas distintas condições de reprodução e financiamento das atividades agropecuárias.

O modelo neoliberal que se opõe ao modelo de Estado Social (SALGADO; OLIVEIRA, 2021) encontrou, nos últimos anos, ambiente propício para conduzir, dentre outras coisas, arranjos políticos que ampliam concessões de créditos e recursos estatais para a produção de commodities em detrimento às políticas de aquisição e distribuição de alimentos. Os dados referentes ao Plano Agrícola e Pecuário de 2020/20021 apresentados pelo BNDES são capazes de ilustrar, por exemplo, a distribuição da adesão aos programas agrícolas no país. Os dados mostram que, enquanto a agricultura familiar dispôs de R$ 2.656,8 milhões para 39.022 beneficiários, os demais produtores rurais tiveram R$ 12.503,4 milhões aprovados para 23.967 beneficiários.

Nas últimas décadas, para além de considerarmos a estrutura fundiária brasileira, que denota a manutenção da concentração de terras nas mãos de poucos, esses números refletem também o direcionamento da governança do Estado que apresenta nitidamente momentos distintos. Em um primeiro momento, uma tentativa de conciliação que deu amplas condições a agricultura empresarial e ainda permitiu políticas sociais para o segmento da agricultura familiar e um outro momento caracterizado por um período pós-golpe que acentuou a corrosão do Estado Social resultando na aprovação de medidas que desestruturam arranjos criados a partir de políticas sociais que até então vinham apresentando bons resultados, como é o caso do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

Muito embora a defesa do Estado Social se faça presente no debate para a garantia da democracia, sabemos que há um conjunto de intencionalidades que rege todo o sistema político no qual se materializa nas decisões políticas estatais. Nesse sentido, debater o problema da fome, que volta a assombrar o nosso país, perpassa por compreender processos políticos decisórios que, ao longo do tempo encontrariam um momento de ebulição, agora manifesto na pandemia da covid-19.

Diversos arranjos e conjuntos de decisões políticas neoliberais conduziram o país a um caos social, reinserindo-o no vexatório mapa da fome, do qual deixara de fazer parte em 2014, dada à ampliação do Programa Bolsa Família bem como a estruturação de outras políticas públicas que subsidiam o Estado Social Brasileiro, como outras transferências de renda (diretas e indiretas) e políticas públicas de fomento à produção de alimentos, como, por exemplo, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Se observarmos as Leis Orçamentárias Anuais (LOAs) é possível constatar como o percurso, que vinha sendo traçado, permitiu condições de segurança alimentar e nutricional para a população a partir do consumo de produtos oriundos da agricultura familiar, permitindo também a redução da pobreza rural com a geração de renda decorrente da criação dos mercados institucionais para as famílias produtoras.

Gráfico porque o estado importa

De 2016 para 2017 tivemos uma redução abrupta no PAA, equivalente a 46%. E, se considerarmos a média de valor das propostas entre os anos de 2010 e 2016 (R$ 276.963.004,22) veremos que, no que se refere à essa política pública, a redução para 2017, 2018 e 2019 foi ainda maior, sendo de 62%, 77% e 86%, respectivamente. Tais desajustes, que envolvem tanto o direcionamento de recursos, políticas e créditos para um segmento em detrimento a outro, foram responsáveis não apenas pela redução de recursos para a produção de alimentos pela agricultura familiar, mas também para o aprofundamento da pobreza rural e da insegurança alimentar no Brasil. Nesse sentido, vínhamos caminhando para um desastre iminente, se considerarmos por exemplo, que a LOA para 2020 previa, para os mesmos programas selecionados, cerca de 63% do valor disponibilizado no ano anterior (Brasil, 2019). A tragédia anunciada encontrou um elemento que potencializou a tragédia da fome no Brasil: a pandemia da covid-19.

A conjuntura pandêmica forçou o atual governo à edição da Medida Provisória 957/2020, que destinou R$500 milhões para que o Ministério da Cidadania atuasse no arrefecimento da crise alimentar que assola a população em situação de vulnerabilidade social. Deste volume, aproximadamente R$223 milhões foram referentes a propostas submetidas à CONAB destinados ao PAA, de forma emergencial. Sabemos, contudo, que tal medida emergencial, se inscreve muito mais em um aceno populista para assegurar a manutenção da popularidade do governo do que o retorno à trajetória da valorização do Estado Social que foi interrompida em abril de 2016 e sedimentada com a pá de cal representada pela Emenda Constitucional n° 95/2016.

Fontes:

Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) – Dados sobre Crédito Rural - Desempenho Operacional - https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/onde-atuamos/agropecuaria/credito-rural-desempenho-operacional

Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) – Dados sobre o Programa de Aquisição de Alimentos – Dados fornecidos via Lei de Acesso à Informação, em breve disponíveis no https://observatorio.spatialize.com.br/#/

BRASIL. Lei de Diretrizes Orçamentárias (2010). Lei n° 12.214, de 26 de janeiro de 2010. Disponível em: < https://www2.camara.leg.br/orcamento-da-uniao/leis-orcamentarias/loa/2010/texto-da-lei/lei>. Acesso em: 10 mai de 2021.

BRASIL. Lei de Diretrizes Orçamentárias (2013). Lei n° 12.798, de 04 de abril

Para mais informações:

Plataformas de Dados do Observatório do Estado Social Brasileiro

http://obsestadosocial.com.br/

https://observatorio.spatialize.com.br/#/

Canal Porque o Estado Importa

https://www.youtube.com/channel/UCuZDu3jkiPMfxYTmfzVzKWw

 

* Ana Luísa Aragão é professora do Instituto Federal Goiano – Campus – Posse, doutoranda em Geografia pela UFG/IESA. Email: ana.aragao@ifgoiano.edu.br

* Adriano Rodrigues de Oliveira é professor associado do IESA, integrante do Observatório do Estado Social Brasileiro. Email: adriano.oliveira@ufg.br

 

Fonte: Secom-UFG

Categorias: colunistas Porque o Estado Importa IESA