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Universidade Federal de Goiás
Marcos Vinicius Araújo

Pesquisadores sintetizam nanopartícula que pode tratar câncer

Em 19/05/21 15:12. Atualizada em 19/05/21 15:17.

O nanocarreador trimodal é capaz de gerar e monitorar calor em tempo real durante terapia térmica contra o câncer 

Helenice Ferreira, da Assessoria de Comunicação da Fapeg

O câncer é uma das principais causas de mortalidade no mundo. O Ministério da Saúde prevê que até 2030, surjam cerca de 21,4 milhões de novos casos e 13,2 milhões de mortes relacionadas com a doença no Brasil. A detecção precoce e o tratamento efetivo são fundamentais para salvar vidas. Atualmente, a grande esperança vem da nanotecnologia.

Um grupo de pesquisadores do Instituto de Física da Universidade Federal de Goiás (UFG), liderado pelo professor Andris Bakuzis, sintetizou uma nanopartícula magnética feita de materiais chamados teranósticos – com aplicações simultâneas em tratamento e em diagnóstico do câncer, com mínima toxicidade que está gerando uma grande expectativa para futuras aplicações. “Estamos aprimorando ainda mais esse sistema para fazer estudos in vivo, inclusive em modelo tumoral metastático”, ressalta o pesquisador. As pesquisas são realizadas junto ao Núcleo de Nanomedicina Térmica, que é um projeto financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg).

A equipe desenvolveu um nanocarreador multifuncional à base de óxido de ferro dopado com zinco e manganês visando aplicação no tratamento, em condições clínicas, por hipertemia magnética (HM) – tratamento oncológico que usa o calor para destruir as células-alvo com câncer. O calor na HM é gerado por nanopartículas quando submetidas à ação de campo magnético alternado. As nanopartículas foram recobertas com sílica e contêm em sua matriz íons de neodímio (Nd). A nanopartícula magnética multifuncional pode gerar e monitorar calor (em tempo real) durante a terapia térmica. O tamanho do nanocarreador é da ordem de 100 nm, muito menor que a espessura de um fio de cabelo (aproximadamente 50.000 nm). 1 nm é 1 bilhão de vezes menor que 1 metro (1nm = 10-9 m).

Os autores demonstraram que essa nova nanoestrutura tem aplicações interessantes também em terapia fototérmica (na primeira janela biológica – irradiação não-ionizante em 800 nm) – o que possibilita aplicações mais profundas no corpo do paciente, assim como tem potencial para monitoramento da entrega de calor de forma não invasiva por meio de nanotermometria luminescente. O grupo está trabalhando, pensando também no tratamento de pacientes metastáticos. Os pesquisadores estão investigando aplicações do material diretamente no tumor e outras aplicações no sistema circulatório (sangue), “inclusive com sofisticadas estratégias de camuflagem, recobrindo a superfície de nanopartículas com membranas de eritrócitos para carrear agentes terapêuticos para sítio-alvo”, diz Andris Bakuzis.

“Desenvolvemos uma nova nanopartícula que tem potencial para ser usada como um termômetro, ou seja, pode monitorar essa entrega de calor”, destaca Bakuzis. Para ele, esse é um importante avanço, porque demonstra que esse tipo de nanocarreador multifuncional sintetizado pode ser utilizado em nanotermometria luminescente, o que permite o monitoramento dessas nanoterapias térmicas, de forma não-invasiva. “Espera-se com isso aumentar a eficiência desse tratamento que depende dessa dose térmica para o sucesso do monitoramento”, explica ele.

“Vacina”

Andris Bakuzis explica que esse tratamento pode gerar uma ativação do sistema imune do paciente, levando a um efeito semelhante a uma vacinação, o que é chamado de “in-situ vaccination”, que pode ser realizado com as nanopartículas. O grupo do professor Bakuzis conta com estudos avançados neste sentido, mas ainda sem publicações.

“Nosso grupo está tentando entender como ativar a resposta imunológica por meio do controle dessa temperatura. Curiosamente, a ideia é que um tratamento local pode ativar o sistema imunológico, permitindo o reconhecimento de células tumorais pelo sistema imune do paciente. Nesse caso as células T aprendem a reconhecer o tumor, e ao encontrá-lo em outras regiões ataca o mesmo. Na literatura chamamos esse fenômeno de efeito abscopal”. Segundo ele, a tese já está finalizada, mas o artigo ainda está em preparação.

O professor espera que a pesquisa desenvolvida pela sua equipe seja consolidada nacionalmente e internacionalmente, aumentando a inserção do grupo e do estado de Goiás na área da nanomedicina oncológica mundialmente. Entre ações do grupo está a organização de eventos na área, como por exemplo o II Advanced School on Nanomedicine e o Workshop on Nanomedicine and Immunotherapy do Brazilian Breast Cancer Symposium, que serão realizados de forma remota em maio, eventos que contam com a participação de três renomados pesquisadores internacionais (vide informações no www.if.ufg.br).

O professor comemora ainda a oportunidade de contribuir com a formação de profissionais qualificados, especialistas nesta promissora técnica de nanomedicina. “Esperamos que este resultado fortaleça a pesquisa e o conhecimento para o tratamento oncológico, contribuindo de forma efetiva no combate dessa doença que constitui um grave problema de saúde pública em todo o mundo”, conclui.

Marcos Vinicius Araújo
Marcus Vinícius Araújo

 

O artigo

No dia 4 de fevereiro foi publicado um artigo sobre a nova nanopartícula (nanocarreador) na ACS Appl Nano Materials, assinado pelos pesquisadores Marcus Vinícius Araújo, Ailton A. Sousa Junior, Navadeep Shrivastava, Sebastião A. Mendanha, Ricardo Costa De Santana, e Andris F. Bakuzis.  https://pubs.acs.org/doi/abs/10.1021/acsanm.1c00027 . O trabalho faz parte da tese de doutorado do discente do Programa de Pós-Graduação em Física (PPG-FIS), Marcus Vinícius Aráujo (que será defendida no início de agosto). “O interessante desse novo trabalho publicado na ACS Appl Nano Materials é que ele pode resolver problemas que outros tipos de materiais não conseguiram anteriormente”, revela Andris Bakuzis. Por exemplo, detectar se a terapia térmica está matando apenas as células tumorais, e não tecidos sadios próximos. O aluno também está desenvolvendo uma nanopartícula semelhante à essa do artigo para diagnóstico usando tomógrafo de fluorescência molecular (TFM).

Entendendo o tratamento

A equipe trabalha em uma área chamada nanomedicina térmica utilizando a nanotecnologia para o tratamento de câncer usando calor. “Fazemos isso com duas modalidades e já temos resultados em pequenos animais onde já conseguimos curar tumores primários”.

A nova nanoestrutura contendo nanopartículas magnéticas visa aplicação por hipertemia magnética e por terapia fototérmica. Duas novas modalidades de tratamento usando a nanotecnologia que prometem revolucionar o tratamento do câncer, tendo potencial para se tornar uma terapia única, comenta o pesquisador. Andris Bakuzis explica que a hipertemia magnética consiste na geração de calor via a interação de nanopartículas magnéticas com campo magnético alternado. “Basicamente as nanopartículas podem ser imaginadas como pequenos ímãs, que interagem com o campo magnético. Essa “rotação dos imãs” pode gerar calor somente nas células tumorais se for feita de forma adequada”. A outra nanoterapia térmica é a terapia fototérmica. “Nesse caso incide-se laser no tumor que contém as nanopartículas. Se faz isso de tal forma que a luz do laser não aquece o tecido sadio, mas interage com as nanopartículas, que absorvem essa energia e geram calor matando apenas as células tumorais”, descreve o pesquisador. Em ambos os casos, destaca Bakuzis, o calor é localizado apenas na região onde estão as nanopartículas. “Portanto, você pode, em princípio, tratar apenas o tumor. Isso é bem diferente da quimioterapia que afeta o corpo todo, levando a significativos efeitos colaterais”, aponta.

Em resumo, o pesquisador diz: “o campo magnético interage com nanopartículas magnéticas e gera calor. Laser, com capacidade de penetração numa certa profundidade dentro do corpo do paciente, interage com as NPs e gera calor. O calor, aumenta a temperatura e mata as células tumorais. Esse mesmo calor pode ser utilizado para acionar o sistema imunólogico. O grupo está trabalhando para desenvolver nanopartículas que façam isso de forma eficiente, pensando no tratamento inclusive de pacientes metastáticos”. As nanoterapias térmicas, em princípio, servem para qualquer tipo de câncer.

Dois artigos já publicados pelo grupo, com estudos in vivo já demonstraram que a tecnologia desenvolvida já permite controlar tumores primários. A equipe está finalizando outros estudos para demonstrar a aplicação para pacientes metastáticos. “Já temos resultados, ainda não publicados, para o efeito abscopal usando uma nanoterapia térmica, diz o pesquisador”.

Fomento

“Esses estudos custam caro e, portanto, precisam de apoio financeiro. O ponto é que esse grupo vem recebendo apoio da Fapeg, e sem ele não estaríamos progredindo nessas novas terapias contra o câncer”, diz o pesquisador.

O trabalho contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) via projeto do professor Andris Bakuzis fomentado pela chamada pública do Programa de Apoio a Núcleos Emergentes (Pronem/Fapeg/CNPq) intitulado “Núcleo de Nanomedicina Térmica”. O financiamento foi de R$ 143.000,00. O Núcleo possui uma equipe multidisciplinar e conta com a participação da professora Elisângela Lacerda do Instituto de Ciências Biológicas da UFG. Bakuzis desenvolve importantes pesquisas em nanociência e nanotecnologia em Goiás. No passado liderou uma das Redes de pesquisa do Pró-Centro-Oeste. Neste projeto a Fapeg, juntamente com o CNPq, financiou a aquisição de um tomógrafo de fluorescência molecular (TFM) para as pesquisas. Na época o financiamento das duas agências foi no valor de R$ 1,5 milhão. Este equipamento agora está sendo transferido para o CNanoMed (Centro de Pesquisa Integrada em Nanomedicina) que fica localizado no Parque Tecnológico Samambaia na UFG.

O CNanoMed foi criado recentemente pela UFG após aprovação de financiamento no Edital CT-INFRA-Nanotecnologia da Finep, no valor de R$ 3 milhões. O CNanoMed é um centro multiusuário voltado a pesquisas pré-clínicas e no momento está instalando um equipamento de imagem de ressonância magnética para pequenos animais. CNanoMed irá apoiar estudos pré-clínicos de pesquisadores do estado de Goiás e Brasil visando auxiliar a translação clínica, inclusive de nanomedicamentos.

Caracterização da morfologia

A morfologia da nanopartícula teranóstica foi caracterizada no Laboratório Multiusuário de Microscopia de Alta Resolução (LabMic) e no Centro Regional para o Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (CRTI) da UFG, que integram o Sistema de Laboratórios de Suporte e Pesquisa em Nanociência e Nanotecnologia (SLNano-UFG), que também conta com apoio da Fapeg.

Com o apoio do Governo de Goiás, por meio da Fapeg, o Sistema de Laboratórios de Suporte e Pesquisa em Nanociência e Nanotecnologia (SLNano), da Universidade Federal de Goiás (UFG) passou a integrar, em 2019, o Sistema Nacional de Laboratórios em Nanotecnologias (SisNANO), do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). O SLNano/ UFG, aprovado na categoria Laboratórios Associados passou a disponibilizar, no mínimo, 20% do seu tempo de uso, em horas, e sua estrutura laboratorial, equipamentos e expertise a usuários externos, tanto públicos quanto privados. Os laboratórios atendem a demandas de várias empresas e ICTs brasileiras. Somente o CRTI já atendeu a demandas de mais de 270 empresas em todo o país e a mais de 30 ICTs. O projeto SisNano/SLNano UFG tem vigência até 2023.

O coordenador do projeto goiano selecionado por meio da Chamada Pública CNPq/MCTIC nº 18/2019, o pró-reitor de Pesquisa e Inovação da UFG, Jesiel Freitas Carvalho, explica que, quatro estruturas laboratoriais compõem o SLNano UFG: o Centro Regional para o Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (CRTI), Laboratório Multiusuário de Microscopia de Alta Resolução da UFG (LabMic), Laboratório Multiusuário de Computação de Alto Desempenho (LaMCAD) e Centro de PD&I em Produtos Farmacêuticos (FarmaTec). Para pró-reitor, “a parceria com a Fapeg está na raiz do sucesso dessa iniciativa”. O projeto do SLNano/UFG conta com apoio adicional da Fapeg no valor R$ 3,5 milhões.

Fonte: Fapeg

Categorias: Tecnologia IF