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Universidade Federal de Goiás
PANORAMA

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Em 18/06/21 15:41. Atualizada em 14/07/21 16:23.

Acolher para evoluirmos: uma sociedade em prol dos refugiados

Luísa Lage e Laís Thomaz*

PANORAMA

Desde o ano 2000, a Organização das Nações Unidas (ONU) celebra – em 20 de junho – o “Dia Mundial dos Refugiados”, status atribuído a pessoas forçadas a se deslocar. A cada ano, em torno dessa data, ela divulga um relatório com informações acerca dos deslocados no mundo, conjunto que alcança cerca de 3% da população planetária (hoje estimada em mais de 7,5 bilhões de pessoas) e também abarca os migrantes econômicos, os migrantes ambientais, os apátridas e os asilados políticos. Os números dos deslocamentos forçados são cada vez mais alarmantes: mais de 80 milhões de pessoas, por exemplo, vivem em situação de refúgio, o maior contingente de todos os tempos.

Embora a questão dos refugiados seja tão antiga quanto a história da humanidade, como lembra Luiz Paulo Barreto, somente durante a Antiguidade Clássica a busca por refúgio tornou-se tema político. Não por acaso, aliás, está na Grécia antiga a origem etimológica da palavra “asilo”, que surge da junção da partícula “a” (denotativa de negação) ao termo “sylao”, com o sentido de “retirar ou extrair”: asylon significava, portanto, a proteção às pessoas que procuravam abrigo em outras cidades por motivos diversos, entre eles a perseguição.

A partir do século XX, o problema dos refugiados passa a ser visto como uma questão de política internacional. Os horrores perpetrados durante as duas guerras mundiais levam a sociedade mundial a refletir sobre a necessidade de mobilizar-se para proteger a dignidade de cada ser humano. Entre as várias iniciativas adotadas com esse propósito, merece destaque o compromisso da Carta de criação da ONU de 1945 com a defesa dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, materializado na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de 1948. A Declaração constitui-se no primeiro instrumento de proteção e promoção dos direitos das pessoas em situação de vulnerabilidade internacional, visto que consagra o direito de migrar, geralmente relegado no caso dos deslocamentos forçados. 

No intuito de dar uma resposta mais satisfatória a esse desafio, a ONU criou, em 1951, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), órgão originalmente voltado a amparar os milhares de europeus que se viam em situações de risco no pós-guerra, conforme disposto na Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, daquele mesmo ano. Poucos anos depois, entretanto, o mandato do ACNUR foi expandido com base no Protocolo Adicional à Convenção, de 1967, e em outros instrumentos de âmbito regional, que ampliam o conceito de refugiado para além das fronteiras da Europa e dele retiram a limitação temporal.

O fato é que os refugiados sempre foram os mais vulneráveis entre os vulneráveis. Expulsos da pátria por conflitos internos, externos ou perseguições - e mais atualmente por desastres climáticos - eles geralmente recebem tratamento discriminatório no país em que buscam um recomeço, sofrendo estigma de todo tipo. Pelo ingresso “ilegal” no país, são criminalizados e, não raro deportados para os países de origem. Na melhor das hipóteses, passam a viver em um campo de refugiados, situados em determinado território e isolados do mundo. Daí a pertinência da afirmação de Zygmund Bauman: “os refugiados não mudam de lugar; perdem seu lugar na terra”. São eternos deslocados. 

Apesar de a legislação de refúgio no Brasil apresentar um perfil protetivo e humanitário, ainda se mostra necessário a melhor estruturação de políticas públicas a longo prazo nessa temática, a fim de reduzir a distância entre as previsões normativas e a realidade dos refugiados no País. Tais ações – no entendimento de atores-chave da sociedade civil e do governo federal, como expresso no livreto Política de Refúgio do Brasil Consolidada – devem priorizar quatro áreas, a saber: articulação administrativa para a acolhida dos refugiados, promoção de desenvolvimento local liderado por eles, sua inserção laboral e fomento à participação da iniciativa privada na integração dos refugiados. De acordo com o ACNUR  e com o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), um dos principais desafios dessa implementação é adotar soluções sustentáveis, complementares e duradouras, além de reforçar o compromisso do Estado com o reassentamento e integração local.

O recém-lançado painel interativo sobre interiorização da Plataforma R4V - Resposta a Venezuelanos junto ao Ministério da Cidadania e Operação Acolhida demonstram que, desde 2018, cerca de 600 municípios brasileiros interiorizaram mais de 52 mil venezuelanos refugiados que entraram por Roraima na Operação Acolhida. A análise feita pelo Banco Mundial e o ACNUR sugere que, no Brasil, os refugiados e migrantes venezuelanos enfrentam ainda muitos desafios para se integrarem ao sistema educacional, aos programas de proteção social e ao mercado de trabalho formal. Em relatório do Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento (PNUD) fica evidente que para recuperarmos o desenvolvimento global, é essencial considerar que os migrantes e refugiados são parte essencial desta solução.

Sem o fortalecimento do Conare, a construção de qualquer política estruturada enfrentará dificuldades. É preciso que haja investimento na estrutura da instituição, pois havendo quadro de funcionários e previsão orçamentária a instituição alcançará mais autonomia para desenvolver programas de longo prazo, podendo construir uma política de refúgio mais sólida. Sendo assim, necessário que o sistema de refúgio seja fortalecido para que as políticas públicas voltadas especificamente para esse grupo sejam efetivamente realizadas.

Tendo em vista a realidade dos refugiados, que possamos investir não apenas em políticas públicas, mas também em um olhar mais humanizado para essa parcela da população. É necessário construir pontes e não muros, para que um novo mundo seja possível, como dito na I Declaração de Rivas. Assim, que as fronteiras deixem de ser espaços de impunidade e passem a ser de acolhimento. Que sejamos colo e não cercas.

 

Luísa Lage é Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Membra da Cátedra Sérgio Vieira de Mello (CSVM-UFG)

Laís Thomaz é Doutora em Relações Internacionais. Professora da Universidade Federal de Goiás (UFG). Responsável pelas Relações Institucionais da Cátedra Sérgio Vieira de Mello (CSVM-UFG) csvm@ufg.br

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Fonte: Secom UFG

Categorias: colunistas FCS