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Universidade Federal de Goiás
Lisbeth

Mais de uma década se passou….

Em 05/07/21 10:44. Atualizada em 05/07/21 16:56.

Lisbeth Oliveira*

Lisbeth

Até hoje me pergunto por que não dei ouvidos àquela mensagem clara que trazia Lucas Cardoso  Fortuna, ex-aluno do Curso de Jornalismo e militante dos direitos LGBTs na UFG,  que em 18 de novembro de 2012 foi assassinado, deixando-nos de certa forma órfãos. Como todas as manhãs antes do início das aulas no Câmpus Samambaia, Lucas entrava no meu gabinete acadêmico, ansioso por “colocar a conversa em dia”. Conversávamos desde nossas angústias pessoais até os últimos acontecimentos políticos, econômicos e culturais, além dos problemas do curso de Jornalismo, como a formação e o exercício profissional. Ele era inquieto, de pensamento lógico e sagaz. Com ele eu tinha interlocução perfeita, coisa rara hoje em dia. Nem sempre eu conseguia dar a ele a atenção que merecia. Apesar de chegar bem antes das oito depois de levar Sol de Luna para a escola, eu precisava correr contra o tempo para providenciar os últimos preparativos de sala-de-aula.

Mas vamos aos fatos. Depois do abraço (sim, naquele tempo era possível!), Lucas já começou dando o recado: meu pai (Avelino Mendes Fortuna, funcionário da Celg na época) disse que a Celg está construindo e está prestes a colocar em funcionamento³ uma Usina Termelétrica aqui pertinho do Câmpus. Não é longe de onde você mora, disse. Confesso que inicialmente não percebi a gravidade da notícia. Talvez por não conhecer nem de longe as consequências nefastas e duradouras para o meio ambiente e para nós moradores, de uma produção de energia dessa natureza. 

Nossa matriz energética era predominantemente baseada nas hidrelétricas. Essas, sim, traziam consequências ambientais irreparáveis e impactos em comunidades indígenas e quilombolas. Sobre essas eu era capaz de me indignar muito e discutir por horas.

Mal sabia eu que anos depois estaria vivendo o pesadelo da poluição, principalmente sonora, tão de perto. A Usina Termelétrica Xavantes começou a funcionar movida a Diesel (pasmem!) no início dos anos 2000 e desde então os moradores do entorno do Câmpus Samambaia não conseguem impedir seu funcionamento. Sua concessão é renovada automaticamente pelo governo federal. Nós da população afetada 24 horas por dia, raramente conseguimos trazer o órgão fiscalizador municipal (a AMMA) para medição de ruídos e constatação de que a lei vem sendo descumprida pela usina, e, esse aspecto legal é apenas um dos tantos outros aspectos do problema maior de saúde que vive a população dos bairros limítrofes à área da Usina (Nossa Morada, Shangry-lá I e II, Morada dos Ipês, Alice Barbosa, Antônio Barbosa, Itatiaia, Morada do Bosque entre outros). 

Agora, mais que nunca, a população precisa “ficar em casa”, trabalhando ou esperando a tragédia sanitária passar e, agora mais que nunca, os ruídos têm se tornado ininterruptos e intensamente insuportáveis. 

Os moradores já cansados de anotar protocolos de reclamação junto à AMMA, experimentaram no dia 24.6.2021 uma leve sensação de "alívio" ou pelo menos de “fomos ouvidos”, quando finalmente a Usina Termelétrica Xavantes foi multada em R$ 30 mil. A usina não parou e isso não fez nem “cócegas” na empresa, disse uma moradora descontente com o valor da multa e com o desconhecimento do destino desse dinheiro. O auditor fiscal da AMMA admitiu em seu documento de vistoria que o “valor é justo e que não afeta as finanças da empresa, que por sinal é Sociedade Anônima, portadora de grande capital”. Admitiu também “que a poluição sonora por ela gerada afeta não só a denunciante” (uma moradora do Bairro Paraíso), “mas toda uma comunidade que tem o sossego prejudicado diuturnamente”. 

Segundo o Relatório Usinas Termoelétricas e a Crise no Setor Elétrico Brasileiro pela COVID-19, produzido em julho de 2020 pelo Instituto Clima e Sociedade (iCS) e pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC)¹, no cenário otimista de recuperação da economia após a COVID-19, há uma sobreoferta estrutural de energia contratada no SIN (Sistema Interligado Nacional). E ela vai durar até 2024: “A sobreoferta já existia em 2019, mas foi magnificada pela brutal queda na demanda provocada pela pandemia”. 

Paradoxalmente, no início de junho recebemos estarrecidos a notícia de que o governo iria contratar energia mais cara das termelétricas sob alegação desta ser a saída para enfrentar a piora da crise hídrica. Recentemente o Movimento dos Jornalistas Livres chamou a atenção para a farsa da crise hídrica no setor elétrico². O Ministério das Minas e Energia sustenta este discurso e através da Portaria Normativa n° 13, de 2 de junho de 2021, permitiu que usinas termelétricas sem contrato e movidas a partir da queima de carvão, óleo diesel e biomassa pudessem entrar em ação. Antes, só era permitido o acionamento de usinas termelétricas sem contrato movidas a gás natural.  A nova regra agrava ainda mais o cenário e desconhece o lado do consumidor e morador de áreas urbanas onde usinas termelétricas já estão instaladas e em funcionamento. Este consumidor e cidadão já não aguenta mais ficar à mercê de um mercado que continuará “sobrecontratado em níveis muito acima do equilíbrio oferta - demanda”, segundo o Relatório citado. E conclui: “…o reflexo será um aumento das tarifas pelo fato de custos, fixos e variáveis, serem divididos para uma base menor de consumidores. Além disso, o custo do socorro ao setor elétrico será pago através das contas mensais de eletricidade, muito provavelmente ainda na vigência da pandemia”.

Não precisamos de grandes análises econômicas para saber que como cidadãos e consumidores estamos sendo ludibriados há anos: não fomos consultados sobre a matriz energética que gostaríamos de ter, não estamos pagando um preço justo pelos serviços que recebemos, não somos respeitados nem dentro de nossa casa, não gostaríamos de ter um fornecedor de energia que continuasse poluindo e nos adoecendo coletivamente.

A esperada mudança de postura da Usina Termelétrica Xavantes não aconteceu nem depois da infração, nem depois de inúmeras reuniões com vereadores, deputados e outros de “nossos representantes”. Pelo contrário, a usina mantém seu funcionamento dia e noite, nos atormentando sem tréguas. A população num quase último suspiro, reivindica o fechamento definitivo da usina e está recolhendo assinaturas no abaixo-assinado Avaaz para ser entregue ao Ministério Público de Goiás:  https://bityli.com/4QzWz

Contamos com sua solidariedade!

Links com mais informações:

 1 https://idec.org.br/sites/default/files/relatorio_tecnico_portfolio_energia_final_web_2.pdf

Acessado em 1.7.2021

 

2  https://jornalistaslivres.org/a-farsa-da-crise-hidrica-no-setor-eletrico/

Acessado em 1.7.2021

 

3 https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/06/07/crise-hidrica-governo-libera-acionar-mais-usinas-termeletricas-sem-contrato.ghtml

Acessado em 1.7.2021

 

*Lisbeth Oliveira é professora da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal de Goiás

 

O Jornal UFG não endossa as opiniões dos artigos e colunas, de inteira responsabilidade de seus autores.

Fonte: Secom UFG

Categorias: artigo Fic