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Universidade Federal de Goiás
Stéphanie Araújo

PANORAMA

Em 26/07/21 10:20. Atualizada em 26/07/21 10:24.

Não é fácil quebrar o silêncio

Stéphanie Araújo*

Ter consciência da importância da denúncia não facilita o ato para mulheres vítimas de violência

A pandemia da covid-19 realçou as extremas desigualdades no âmbito da saúde, educação, condições básicas de saneamento e trabalho, entretanto não foi ‘apenas’ isso. A crise sanitária também acendeu alertas para as circunstâncias nas quais mulheres de todo o país precisam lidar diariamente, principalmente dentro de casa. Sofrer algum tipo de violência de gênero no Brasil é doloroso não só pelo ato em si, mas pela sequência de violências institucionais e sociais que seguem a partir daquele momento, e impedem que mulheres vítimas se sintam protegidas novamente — se é que em algum momento puderam se sentir assim— e estar presa em casa fez com que quebrar o silêncio se tornasse ainda mais difícil.

Embora a quarentena seja a maneira mais segura de se manter protegido contra o vírus e minimizar os efeitos da crise sanitária, a medida criou um paralelo da insegurança a mulheres que já sofriam violência e precisavam ter que conviver todo o seu tempo dentro de casa com seus agressores. Como é o caso de Goiânia, que de acordo com o Boletim Epidemiológico de Violência Contra as Mulheres e Feminicídio, publicado pela Prefeitura de Goiânia, a maioria das violências contra a mulher ocorreu na residência, representando 84% das notificações de 2019 para 2020.

No ano de 2020, no princípio da pandemia, o número de casos de violência contra a mulher pareceu diminuir, considerando o baixo número de denúncias comparado ao mesmo período do ano anterior, de  1.346 notificações, contra 1.038 em 2020, elevando as preocupações das autoridades com relação a subnotificação que a pandemia estaria gerando, visto que existem diversos fatores que podem impedir uma mulher de realizar o boletim nessas circunstâncias. 

Quais são os fatores que impedem as mulheres de denunciar de fato? Tanto na pandemia, quanto fora dela, é preciso avaliar que se existem mulheres com receio da denúncia, existe algum motivo para isso, seja a falta de conhecimento ou acesso a informações das políticas, grupos e delegacias prontas e preparadas para acolhê-la - como a Casa Abrigo Sempre Viva, o Programa Mulher Mais Segura da Guarda Civil Metropolitana, a Patrulha Maria da Penha, o Centro de Referência Cora Coralina, a Sala Lilás. 

Quando situações emblemáticas repercutem nas redes sociais como o caso recente do DJ Ivis, no estado do Ceará, que agrediu a esposa com a criança do colo diversas vezes dentro de casa com funcionários e colegas de trabalho assistindo sem interferir, isso demonstra a sensação de impotência e desimportância que a mulher tem para a sociedade fundada do machismo e patriarcado. Ao mesmo tempo em que se tinha empresas grandes como Deezer e Spotify retirando suas músicas das suas plataformas digitais, também se tinha as redes sociais do agressor dobrando o número de seguidores. O que isso diz para as mulheres que sofrem violência todos os dias?

Essas situações geram ainda mais medo em outras vítimas, afinal, nem todas conseguem a repercussão que as redes sociais podem gerar para o seu caso, e nem podem depender disso. O perfil das mulheres que sofrem violência em Goiânia, por exemplo, são mulheres negras, jovens, periféricas e de baixa escolaridade. Se a esposa agredida (a qual não há necessidade de citar o nome), com todo apoio nacional que obteve, não conseguiu driblar a estrutura sexista que compõe as instituições e a sociedade brasileira, o que as faria acreditar que com elas seria diferente?

O medo que envolve a denúncia vai além da repercussão negativa nas redes sociais, e vem muito antes de se atingir o judiciário. Envolve o medo do julgamento na delegacia, a não compreensão de como funciona um corpo de delito, o espaço ocupado majoritariamente por homens, o desconhecimento das políticas públicas que as acolhem, pois estas políticas chegam em mulheres dos centros acadêmicos, mas não chegam ao público-alvo que habita a periferia.

Enquanto não for mostrado para as vítimas que elas realmente terão suporte, financeiro, emocional, físico, familiar para que possam seguir suas vidas longe de seus agressores, com seus filhos e de forma segura, será difícil quebrar o silêncio. É preciso que não só as vítimas denunciem, mas as pessoas ao redor também façam sua parte, mostrar para elas que elas têm opções. Quebrar o silêncio não envolve só elas, mas envolve todas as colheres na casa de cada um de nós.

Não fique calado, para violência contra mulheres, Ligue 180 - Central de Atendimento à Mulher. Para abusos contra crianças e adolescentes, Disque 100 - Direitos Humanos. Numa situação de perigo imediato, ligue 190 - Polícia Militar.

*Stéphanie Araújo é graduanda em Jornalismo pela Universidade Federal de Goiás. Integrante da equipe de comunicação do Politizar UFG e do desenvolvimento do Advocacy em Combate a Violência Contra a Mulher. Colunista e Redatora do Projeto Conte Sua História que compartilha vivência de pessoas negras. Vencedora do 12° Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão com a reportagem "Crônicas do Contato: quando o distanciamento não é uma opção"

O Jornal UFG não endossa as opiniões dos artigos e colunas, de inteira responsabilidade de seus autores. 

Fonte: Secom-UFG

Categorias: colunistas Fic