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Universidade Federal de Goiás
PORQUE O ESTADO IMPORTA

PORQUE O ESTADO IMPORTA

Em 28/07/21 09:09. Atualizada em 28/07/21 09:37.

O Estado Social e a População em Situação de Rua

 

Diego Pinheiro Alencar*

Jaquelinne Neves de Oliveira*

O ano é 1987 e pessoas já se encontravam em situação de rua na capital do estado de Goiás. Maria Avelina de Carvalho, de maneira muito atenciosa e sensível, narra em sua dissertação de mestrado os dramas vividos pelos “meninos de rua”. Dentre diversas narrativas, facilmente, é possível aferir um elemento muito comum, que trata da desesperança no que tange à mobilidade social de crianças e adolescentes que desenvolvem suas relações cotidianas nas ruas do Centro de Goiânia. Os anseios desses indivíduos não são para o futuro, mas sim para o presente, a exemplo das demandas por subsistência, abdicando, por vezes, da noção de dignidade humana. Ao passar uma noite com as meninas na Avenida Tocantins, “em frente ao Correio”, a autora explicitou diversas sensações, insegurança, desconforto térmico e humilhação. Ao amanhecer, falava que “às seis horas acordei as meninas. As pessoas passavam e nos olhavam ali, aquele amontoado de gente. GENTE? Dormindo sob a chuva e sob o frio. Por nenhum momento me senti gente ali” (CARVALHO, 1987, p. 143).

O fenômeno em questão não foi exclusivo da capital goianiense, tão pouco diz respeito especificamente à década de 1980. Em escala nacional, os dados do Cadastro Único do Governo Federal nos revelam um crescimento de 19,6 vezes entre os anos de 2012 e 2020. O crescimento vertiginoso esconde em si as histórias de indigência, fenômeno tão comum a esse grupo populacional. O Censo Populacional e o Perfil da População em Situação de Rua de Goiânia, demostram que 74% dos indivíduos em situação de rua não dispunham de documentos pessoais (GOIÂNIA, 2019).

Considerando a escala nacional pode-se observar a interiorização do fenômeno. Se em 2012 tinham-se 501 municípios brasileiros com pessoas cadastradas em situação de rua, em 2020 ocorreram registros em 3.138 municípios (MDS, 2020). A expansão quantitativa e territorial ocorre em consonância com a redução do Estado Social Brasileiro. O cenário pandêmico agravou uma situação já delicada, tendo em vista que entre dezembro de 2020 e março de 2021 o crescimento desse grupo populacional foi de 2,15%, o que representa mais de 3.226 famílias brasileiras vivendo nas ruas de diferentes cidades. O período em questão é marcado pela elevação dos indicadores inflacionários, sobretudo de itens básicos da subsistência humana, a exemplo do preço da cesta básica, que apresentou maiores elevações em Florianópolis/SC (R$ 126) e Campo Grande/MS (R$ 118), e a inflação do aluguel, que encerrou o ano com alta de 23,14%.

A ação do Estado Social em relação à população em situação de rua vem apresentando lacunas, sobretudo por uma concepção morosa no que tange a grupos populacionais vulneráveis. Em março de 2020 foi apresentado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 827/2020, que suspendia as ordens de despejo por conta da pandemia. A aprovação do referido projeto no Senado Federal ocorreu no já tardio mês de junho do ano de 2021. Quantas pessoas foram para a rua por conta dessa morosidade? O acesso das famílias em situação aos benefícios sociais também aponta para demandas por políticas sociais focalizadas. Em 2020, 26,19% desses indivíduos não tiveram acesso ao Programa Bolsa Família.

A conclusão do presente texto não poderia negligenciar a fala do prefeito do município de Monte Mor/SP, na qual demonstraria como manter uma cidade limpa mediante a expulsão das pessoas que viviam nas ruas do município. Suas palavras denotam postura totalitarista, ao clamar “pessoas do bem, me ajudem nessa ação”, objetivamente propõe o extermínio, por meio da expulsão de um grupo populacional de determinada espacialidade. Enfim, para além da negligência aos direitos sociais previstos na Constituição Federal de 1988, os brasileiros e brasileiras que vivem em situação de rua ainda enfrentam discursos preconceituosos que desconsideram a integração entre uma política econômica que privilegia ações que corroboram na concentração de renda.

Para mais informações

Plataformas de Dados do Observatório do Estado Social Brasileiro

http://obsestadosocial.com.br/

https://observatorio.spatialize.com.br/#/

Canal Porque o Estado Importa

https://www.youtube.com/channel/UCuZDu3jkiPMfxYTmfzVzKWw

 

*Diego Pinheiro Alencar é doutor em Geografia pela Universidade Federal de Goiás (UFG), professor do Instituto Federal Goiano - Campus Iporá

*Jaquelinne Neves de Oliveira é arquiteta e urbanista, pesquisadora do Observatório do Estado Social Brasileiro e mestranda em Geografia pela Universidade Estadual de Goiás

O Jornal UFG não endossa as opiniões dos artigos e colunas, de inteira responsabilidade de seus autores.

 

Fonte: Secom-UFG

Categorias: colunistas Porque o Estado Importa IESA