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Universidade Federal de Goiás
PORQUE O ESTADO IMPORTA

PORQUE O ESTADO IMPORTA

Em 25/08/21 09:33. Atualizada em 27/08/21 15:39.

Imunizar os bárbaros, derrubar os mitos

Tadeu Alencar Arrais*

A confiança é uma das noções mais caras ao desenvolvimento da ciência. Os ficcionistas, sabendo disso, confiam, em suas narrativas, o futuro da humanidade aos cientistas. Roteiro comum é aquele do planeta ameaçado por alienígenas, pandemias, aranhas gigantes, tsunamis, zumbis. Na última hora o planeta é salvo, invariavelmente, pela ciência.

O fato é que a ciência, e não a magia, tem oferecido soluções para os problemas que afligem a humanidade. As tecnologias de transmissão de dados não devem tributo ao Mestre dos Magos, personagem icônico da Caverna do Dragão. Wolverine, apenas ele, pôde se dar ao luxo de dispensar a penicilina. Segundo o DATA-SUS (2021), 3.45 bilhões doses de vacinas foram aplicadas em brasileiros, nos últimos 27 anos, por profissionais do SUS. Essas vacinas não foram produzidas em caldeirões, por feiticeiros, como a Cuca Maluca. Não fosse ofender Monteiro Lobato, diria que vivemos em um universo paralelo, mas sem os quitutes da Tia Nastácia e a racionalidade do Visconde de Sabugosa.

Mas a confiança na ciência vem sendo, vagarosamente, erodida. Se um tanto de pessoas acredita que a terra é plana e outro tanto desconfia da eficácia das vacinas e esses dois tantos, coincidentemente, romantizam a escravidão e azeitam a ditatura, então temos um problema, digamos, que atinge não apenas a ciência, mas também a democracia.

Não é por acidente que a ciência e a democracia Ocidental compartilhem de origens comuns. Nasceram, desafiando o Olimpo, no Mediterrâneo. Ciência e democracia são parceiras, cúmplices, amantes. Juntas, desafiaram déspotas, reis, papas, profetas, generais, deuses e mitos. Não é por outro motivo que, mesmo na ficção, o bárbaro abomine a ciência tanto quanto teme a democracia. As duas construções humanas são, sobretudo, coletivas, solidárias, libertárias, femininas. Democracia e ciência são, para desespero dos bárbaros, substantivos femininos.

Então, o obscurantismo, agora, institucionalizado, cria uma linguagem para ridicularizar a ciência e criminalizar a democracia. A pseudociência e o antintelectualismo são as ferramentas que movem os bárbaros modernos. O aluvião de bobagens que brota, diariamente, do Planalto, é sinal de alerta.  A vontade de interrogar, própria da ciência, e o desejo de discordar, central na democracia, estão, de diferente modos, ameaçados. Se toda pergunta, como escreveu Carl Sagan no magnífico livro O mundo assombrado pelos demônios, é um grito para compreender o mundo, então o abismo em que estamos perto de cair é preenchido por um grande cale-se!

Mas de que lugar falamos, escrevemos, construímos teorias, narrativas sobre o mundo? Da universidade. Da universidade pública. Lugar excepcional que abriga, ao mesmo tempo, a ciência e a democracia. O Ministro da Educação disse, dias atrás, que “A universidade é para poucos”. Imitando Morgoth, da Terra Média, pretende criar, apenas, Orcs, seres manipuláveis, sem capacidade cognitiva e, sobretudo, violentos. O Ministro da Ciência Tecnologia e Inovação, homem que teve o privilégio, a partir do financiamento público, de participar de uma missão no espaço, convive muito bem com terraplanistas e negacionistas. A frase Houston, temos um problema, nunca foi tão apropriada. A goiabeira da comandante do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, nos círculos do Planalto, goza de mais prestígio que a macieira de Isaac Neyton. A Ministra sonha em abolir a teoria da evolução do currículo escolar e afirmar, sobretudo, que mulher deriva da costela do homem, o que justificaria as distinções e a violência de gênero.

Mas o que incomoda este governo é que a universidade tem o antídoto contra os bárbaros. Aqui, todos os dias, remotamente ou não, somos imunizados. Ampolas preenchidas com experimentos, poesia, equações, literatura, política, mapas, métodos, teorias. Agulhas que distribuem, para o organismo, porções de ciência que dilatam as pupilas e ampliam os horizontes. Isso é perigoso! Ignoramos, aqui, os lemas Guerra é Paz, Liberdade é Escravidão e Ignorância é Força, eternizados por George Orwell, em 1984. O duplo pensamento, aqui, além de permitido, é estimulado.

A universidade pública, porque democrática, oferece uma resposta imunológica eficaz para esses tempos sombrios. Produz corpos emancipados, corajosos, alegres, inteligentes, suados, tolerantes, criativos e, sobretudo, sensíveis às demandas por humanidade.

Encerro com uma interrogação: conseguirá, a universidade, imunizar os bárbaros e derrotar os mitos ou terá que envia-los para a Casa Verde, na simpática Itaguaí, sob os cuidados do Doutor Simão Bacamarte?

Texto construído, originalmente, como discurso de formatura de discentes da UFG, em 24/08/2021

Para mais informações:

Plataformas de Dados do Observatório do Estado Social Brasileiro

http://obsestadosocial.com.br/

https://observatorio.spatialize.com.br/#/

Canal Porque o Estado Importa

https://www.youtube.com/channel/UCuZDu3jkiPMfxYTmfzVzKWw

*Tadeu Alencar Arrais é professor do Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa) da UFG e coordenador do Observatório do Estado Social Brasileiro. E-mail: tadeuarraisufg@gmail.com

 

 

 

Fonte: Secom-UFG

Categorias: colunistas Porque o Estado Importa IESA