Icone Instagram
Icone Linkedin
Icone YouTube
Universidade Federal de Goiás
PORQUE O ESTADO IMPORTA

PORQUE O ESTADO IMPORTA

Em 16/09/21 13:02. Atualizada em 16/09/21 13:39.

Porque os Correios Importam!

Diego Pinheiro Alencar e Marcelo Barbosa Barreto*

A série de comédia “El Chavo del ocho”, criada em 1971 por Roberto Gómez Bolaños, retratava a vida cotidiana de famílias, crianças e trabalhadores mexicanos. Em 1984 se inicia a transmissão do seriado no Brasil. A receptividade foi tão satisfatória que os episódios adquiridos pelo SBT fizeram parte da grade de programação pelos próximos 36 anos. Tal sucesso pode ser interpretado para além das risadas proporcionadas pelas atuações dos atores. O roteiro apresentado correspondia, ou melhor, ainda corresponde a questões sociais enfrentadas pela sociedade brasileira. Elementos como desemprego, déficit habitacional, precarização do trabalho e insegurança alimentar estavam constantemente presentes nos diálogos dos personagens. 

Para além do famoso Chaves, Seu Madruga e companhia, o breve texto traz, de maneira objetiva para a discussão, o que representa a figura de “Jayminho, o carteiro”. Aquele mesmo personagem que ficou conhecido pelo jargão “prefiro evitar a fadiga”. Essa frase, quando encarada de maneira simplista, nos direciona à interpretação do personagem como um sujeito preguiçoso. Por outro lado, uma análise mais sensível observa um idoso, com sobrepeso, carregando uma mala de cartas demasiadamente pesada. O corpo do personagem já apresentava os ônus da profissão, por exemplo, quando, no episódio “Nasce uma bisavó”, simplesmente, ao sentar na escadaria da Vila, o personagem expressa a palavra “ai” por três vezes.

No Brasil, diferentemente do acontece na série, a entrega de correspondências e mercadorias é feita predominantemente pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (Correios). A instituição ganha status de empresa pública em março de 1969 por meio do Decreto-Lei 509. De tal forma, sua relevância, no que tange à integração do território nacional e interações internacionais, é assegurada, pelo Artigo 21 da Constituição Federal de 1988, como competência da União (BRASIL, 1988). 

Atualmente os Correios são uma das instituições brasileiras com maior capilaridade territorial. Dados de 2019 mostram sua presença nos 5.570 municípios brasileiros. Com uma frota de 25 mil veículos próprios, são 1 milhão de Km rodados /dia. Seu efetivo de 105,7 mil trabalhadores próprios – 57 mil carteiros, 12 mil operadores de triagem, 24 mil atendentes e 11 mil trabalhadores da área administrativas estão distribuídos em todo território nacional. Suas unidades de atendimento, com 12.122 agências (6.326 próprias e 5.794 terceirizadas), são uma demonstração de como essa extensa rede alcança as inúmeras localidades do território brasileiro. Somadas às 1.052 unidades de distribuição – Centros de Distribuição Domiciliar, os Correios conseguem ultrapassar aquilo que chamamos de capilaridade, ou seja, atender de forma granular, entregando para a população cartas, encomendas e prestando vários outros serviços. É pelos Correios que os livros do Programa Nacional do Livro Didático – PNLD chegam às escolas públicas de todo país. Da mesma forma, são pelos Correios que as provas do ENEN, ENAD, ENCCEJA são transportadas – levadas e coletadas – em um único dia, em todo Brasil. O mesmo ocorre com as urnas eletrônicas. A agilidade no transporte feita pelos Correios e a agilidade na apuração dos votos pela justiça eleitoral são o sucesso das nossas eleições. Além disso, serviços como emissão de CPF, serviços bancários e certificado digital são fornecidos nas agências dos Correios. A privatização vem desarticular toda essa rede, tornando menos brasileiros aqueles que estão nas periferias do Brasil e das grandes cidades. Privatizar os Correios significa deixar o território menos cívico, pois o cidadão do Amazonas não terá o mesmo tratamento e o mesmo direito que o cidadão de São Paulo, do Rio de Janeiro ou de Brasília. É por isso que os Correios devem continuar sendo um serviço público e de qualidade, para atenderem, indistintamente, seus cidadãos.

Podemos afirmar que a estratégia para a privatização dos Correios ocorre em duas linhas. A primeira, em uma dimensão discursiva, enquanto a segunda, na ação prática. A construção da narrativa neoliberal se apropria em demasia de informações falsas para a apropriação dos Correios pelo capital privado. O discurso que alia ineficiência e ônus é uma das estratégias. Entretanto, essa alucinação neoliberal contrasta diretamente com as informações oficiais, como por exemplo, o Relatório da Administração dos Correios de 2020, em que: “I. Lucro líquido de R$ 1,53 bilhão, configurando-se como o melhor resultado alcançado nos últimos 10 anos, e superávit primário de R$ 378 milhões em 2020, sendo R$ 314 milhões acima da meta de resultado primário aprovado pelo Governo Federal” (CORREIOS, 2020). Em contrapartida ao desempenho superavitário da instituição, ocorre a aprovação do Projeto de Lei 591/2021, que, dentre outras empresas públicas, prevê também a privatização dos Correios. Não por acaso, o Ministro da economia citou o otimismo que estava com o potencial dessa privatização.

A Ação prática de precarização dos Correios é observada, sobretudo, no que diz respeito ao tratamento do capital humano. O último concurso público ocorreu no ano de 2011, fato que fez com que a empresa perdesse 10 mil servidores nos últimos 10 anos. Em contraste à defasagem no quadro de servidores ocorre o crescimento vertiginoso da demanda. No ano de 2020, em meio ao cenário pandêmico, de acordo com relatório desenvolvido pela MASTER-CARD ocorreu crescimento de 75% de compras online (MASTER-CARD, 2020).

A breve exposição defende que para além de uma crise financeira ou de gestão, os Correios, representados por seus servidores, enfrentam um projeto de precarização irrestrita, que reverbera em milhares de “Jayminhos” sobrecarregados. Os sujeitos em questão, são elementares para a manutenção e desenvolvimento de uma empresa pública, fundamental para o desenvolvimento e integração nacional, tal qual para o bem-estar social. 

 

Para mais informações:

Plataformas de Dados do Observatório do Estado Social Brasileiro

http://obsestadosocial.com.br/

https://observatorio.spatialize.com.br/#/

 

Canal Porque o Estado Importa

https://www.youtube.com/channel/UCuZDu3jkiPMfxYTmfzVzKWw

*Diego Pinheiro Alencar é Doutor em Geografia pela Universidade Federal de Goiás; Professor EBTT no Instituto Federal Goiano – Campus Iporá

Marcelo Barbosa Barreto é Mestre em Geografia pela universidade Federal de Goiás; Operador de Triagem e Transbordo dos Correios na Superintendência Estadual dos Correios em Goiás

O Jornal UFG não endossa as opiniões dos artigos e colunas, de inteira responsabilidade de seus autores.

 

Fonte: Secom UFG

Categorias: colunistas Iesa