Casas de Acolhida devem ser lares e não abrigos provisórios
Pesquisa da UFG analisa edifícios de acolhimento institucional para crianças e adolescentes
Kharen Stecca
Pensar soluções que tornem as casas de acolhida para crianças e adolescentes realmente acolhedoras e algo mais parecido com um lar: essa foi a proposta da pesquisa do Programa de Pós-graduação em Projeto e Cidade da Universidade Federal de Goiás realizada pela pesquisadora Marlyene Ferreira. A partir de pesquisas de campo e também entrevistas com crianças e adolescentes acolhidos, o trabalho mostra que essas moradias precisam apresentar menor transitoriedade e maior flexibilidade espacial. Isso significa que essas crianças não devem ser constantemente trocadas de lugar e que o espaço deve permitir que os acolhidos manifestem sua individualidade, de modo que habitem a entidade e criem vínculos por meios das ações que materializam os constituintes do habitar.
Marlyene explica que essas questões se justificam pelo significado de estar acolhido: “Não tem o sentido de somente possuir um teto, um abrigo físico. Especificamente dentro das questões de moradia, acolher significa ter um lar e não somente uma casa. O habitar é o agente transformador da casa em lar, da casca protetora em lugar”. Na pesquisa são descritas e analisadas, os aspectos intrínsecos ao habitar: territorialidade e identidade nos espaços, o cotidiano banal, a domesticidade e a memória como principal condutor de afetividade a um espaço e que o faz tornar lugar. A conclusão da pesquisa a partir dos locais analisados é que, infelizmente, esses aspectos não são concretizados. No entanto, pesquisas como a de Marlyene são importantes no sentido de apontar caminhos possíveis para tornar esses locais mais acolhedores.
Para Marlyene, a transitoriedade dificulta o processo do habitar e impossibilita o pertencimento. “Estamos nos referindo a meninos e meninas que passaram por traumas, em casas que deveriam possuir a significação de lar para eles. As experiências negativas vivenciadas já dificultam o processo de apego ao espaço e às pessoas com quem convivem. Tais memórias somadas à rotina de transitoriedade constante de moradias cria uma barreira de ações, que permitem pertencimento e materialização do habitar. Ademais, essa barreira é reforçada por um espaço arquitetônico inapropriado. No pensamento deles é como se dissessem: “para quê criar vínculos, raízes, a essa casa se a qualquer momento podem me mudar daqui? Se os colegas com quem compartilho o espaço e vivencio experiências mudam-se frequentemente? ”.
Ela afirma que há uma insistência em tratar as entidades de acolhimento apenas como provisórias: “elas devem ser, mas em grande parte dos casos não são. Muitos acolhidos entram ainda na primeira infância e deixam a entidade somente após os dezoito anos, sendo a única casa que ele terá durante toda sua infância e/ou adolescência para transformá-la em um lar”. Portanto as oportunidades do lar se concretizar deve sim ser dada aos acolhidos, até mesmo para os que ficarão de fato por dezoito meses, como determina a Lei nº 13.509, de 2017.
Metodologia - A pesquisa ressalta que hoje não existem documentos que tratem especificamente de aspectos arquitetônicos e sobre pertencimento, para a viabilização da construção do lar em entidades de acolhimento. Por outro lado, ela ressalta que a metodologia utilizada pela pesquisadora com orientação da professora Rosane Costa Badan (FAV/UFG), seria muito útil para uma avaliação pós-ocupação nas entidades de acolhimento brasileiras para crianças e adolescentes. “Com essa avaliação realizada em massa, seria possível obter um parâmetro das entidades brasileiras para a elaboração de leis e orientações exclusivamente arquitetônicas para essas entidades”, afirma. Mesmo assim, ainda é necessário investimento no setor tanto para reformas arquitetônicas, quanto formação das pessoas que trabalham nesses locais.
Por meio da metodologia Fotografia da Memória, foi possível analisar e, por conseguinte, constatar a importância de aspectos como o contato com a natureza para os acolhidos. Contraditoriamente, na entidade estudada, não há espaços verdes dentro das entidades. Pôde-se perceber que os espaços podem ajudar no bem-estar dos acolhidos o que colabora com uma psicologia positiva, entretanto o bem-estar não constrói lar.
Adoção no Brasil - Atualmente, com dados coletados no Relatório de Pretendentes Cadastrados (nacional), gerado pelo Cadastro Nacional de Adoção e extraído para esta entrevista no dia 24 de agosto de 2021, a maioria dos pretendentes desejam adotar crianças de até 3 anos de idade, seguidos de até 5 anos de idade, o que juntos representam 33,29%. Portanto, o processo de acolhimento no Brasil carece de reformas e de conscientização para que os acolhidos sejam encaminhados para a adoção ou voltem para suas famílias em um tempo menor do que ocorre para muitos.
Para acessar a pesquisa completa, clique aqui.
Fonte: Secom UFG
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