PANORAMA
O socorro intervencionista
Jéssica Valerio*
O Haiti foi o primeiro país latino-americano a tornar-se independente (1804), sua história é marcada por golpes e ditaduras, sendo atualmente considerada a nação mais pobre das Américas. O país, que só teve sua independência reconhecida pela França após 20 anos, sofreu retaliações pelas “perdas” causadas. Já no século XX, os Estados Unidos, que era visto como uma das maiores potências imperialistas em desenvolvimento, ficou com a “obrigação” de fazer com que o Haiti reparasse seus “danos” pela decisão de ser livre no século anterior. A partir daí, os EUA iniciou uma série de intervenções no país, que foram perpetradas por vários governos, comprovando de fato que o país “nunca” foi independente, mas sim fonte de exploração pelas principais potências mundiais.
A instabilidade do Haiti ficou mais evidente no dia 07 de julho deste ano, o presidente em exercício até então, Jovenel Moïse, foi encontrado morto em sua residência, que fica na capital do país, Porto Príncipe. No mês de fevereiro, em entrevista para o jornal espanhol El PAÍS, Moïse afirmou que estava em andamento uma tentativa de golpe de Estado por parte de empresários que controlam os recursos do país. Não bastasse a crise econômica e política, o Haiti ainda sofre com catástrofes naturais: no dia 12 de janeiro de 2010, um terremoto de magnitude 7.0 na escala Richter matou 200 mil pessoas, e o mais recente, em agosto deste ano, de magnitude 7.2, juntamente com a passagem do ciclone Grace, levou a vida de 2.100 haitianos.
Conforme a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada em 1948 pela Organização das Nações Unidas, "Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal". É por esse direito básico universal, que milhares de haitianos têm deixado seu país em busca de melhores condições de vida. Os haitianos sofrem as consequências de um país que está em colapso: A crise política, econômica e ambiental culminaram em uma das maiores crises migratórias que temos acompanhado pelo noticiário, só em setembro deste ano, mais de 13 mil haitianos tentavam atravessar a fronteira entre México e Estados Unidos.
O estarrecedor é a forma como o governo americano tem se posicionado diante da situação: Mais de 5 mil haitianos foram detidos por autoridades estadunidenses e 2 mil pessoas foram deportadas para o Haiti, o maior número registrado até então. Os migrantes se concentraram em um acampamento improvisado em condições insalubres, embaixo de uma ponte na cidade de Del Río, no Texas, nas margens do Rio Grande, que faz fronteira com Ciudad Acuña, no México. Neste mesmo local, foi flagrado guardas da fronteira americana montados em cavalos atropelando e usando as rédeas do animal para agredir os imigrantes haitianos, que tentavam fugir dos atos desumanos.
Agora vemos as consequências das intervenções em países que passaram por crise, e hoje vivem uma situação humanitária ainda pior. A ajuda das grandes potências teve um custo em que a população civil está pagando: os recentes acontecimentos no Afeganistão, com a retirada das tropas americanas e a retomada do grupo extremista Taleban; a maior crise humanitária no Haiti, que tem levado a uma crise migratória que colocam pessoas em situações desumanas, expõem a relação de dependência que foi criada com o país norte-americano ao longo dos anos, portanto, é necessário rever essa imagem dos EUA como “salvador”. A Missão Minustah (2004-2017) no Haiti, que apesar de ter sido um pedido do ex-presidente Alexandre Bonifácio, não era aprovada por unanimidade entre o povo haitiano. Além disso, existem relatórios que apontam irregularidades na postura dos militares durante o período em que estavam no país.
É evidente que o grito por socorro ainda é alto demais para se atentar às problemáticas que surgem com as ações intervencionistas,como por exemplo, a questionável postura dos EUA e o caótico estado desses países quando os interventores resolvem bater em retirada. As cenas desumanas no aeroporto de Cabul, no Afeganistão, ou a crise migratória envolvendo os haitianos nas fronteiras estadunidenses, comprovam que não existe um salvador. Os fatos só revelam que por trás desses países que estão disponíveis para ajudar em certas ocasiões, prevalecem os interesses das maiores potências capitalistas do mundo.
*Jéssica Valerio, estudante de jornalismo e estagiária na Cátedra Sérgio Vieira de Melo da Universidade Federal de Goiás
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Fonte: Secom UFG
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