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Universidade Federal de Goiás
Crédito: Candice Balester

Missões Jesuíticas impactaram sexualidades indígenas

Em 13/12/21 19:36. Atualizada em 15/12/21 09:19.

Pesquisa revela o conflito entre compreensões indígenas e jesuíticas sobre corpo e sexualidade nos séculos XVII e XVIII

Ao longo de aproximadamente 150 anos, as populações indígenas presentes nas Missões Jesuíticas Guarani conectaram-se com uma série de valores ocidentais. Entre eles, as noções de sexualidade que entravam em conflito com tradições indígenas. O surgimento do imaginário de países como Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai sobre sexualidade se deve em muito a este período histórico.

 o homem usando arco e a mulher em sobrecarga do c esto, em uma imagem já colonial, que tenta imprimir as noções de gênero do ocidente nos povos indígenas e apagar o que flui entre essas categorias, um claro exemplo da colonização do gênero e da sexualidade
As pinturas de Albert Eckhou, 1643, intituladas "Homem Tupi” e “Mulher Tupi”, respectivamente, mostram o homem usando arco e a mulher em sobrecarga do cesto, em uma imagem já colonial, que tenta imprimir as noções de gênero do ocidente nos povos indígenas e apagar o que flui entre essas categorias, um claro exemplo da colonização do gênero e da sexualidade

 

A pesquisa desenvolvida ao longo de mais de 10 anos pelo  historiador Jean Baptista, docente do Programa de Pós-Graduação em História e de Antropologia Social da Universidade Federal de Goiás, investigou cerca de 300 documentos manuscritos do século XVII e XVIII em busca desta problemática. Tendo pesquisado em três países, concluiu a pesquisa em seu recente pós-doutorado na McGill University, em Montreal, Canadá. 

documento missões
Cópia micro-filmada de exemplar dos Manuscritos da Coleção De Angelis, que pertence à Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, onde se encontra o primeiro registro de punição de jovens "nefandos" em praça pública, em 1661 

 

Segundo o estudo, em documentos históricos há diversos exemplos desse enquadramento. O autor destaca uma abordagem museológica muito comum para generificar dois objetos indígenas: o arco/lança, tomado por masculino, e o cesto, tido por feminino. Tais objetos vinculam-se a relações de trabalho e produção de alimentos a partir de recortes próprios em distintas sociedades indígenas, não raro a separar homens e mulheres em funções produtivas cercadas de tabus. São replicadas as relações e concepções próprias cristã europeias, como se as dimensões de gênero, homem e mulher fossem naturalmente isonômicas ao que o conservador ocidente anseia para si: aos homens, a aventura das matas e geração dos proventos; às mulheres, os cuidados domésticos. Ignora-se, com isso, a circulação de outros termos, relações, corporalidades e concepções não ocidentais entre os povos originários. Percebe-se que a Literatura, Antropologia/Arqueologia, História e Museologia amarraram os povos indígenas em uma “matriz heterossexual” própria da cultura ocidental.

Crédito: Candice Balester
Remanescente arquitetônico da igreja de São Miguel, hoje Patrimônio da Humanidade localizado no Rio Grande do Sul, residência de aproximadamente sete mil indígenas em fins do século XVII (Foto: Candice Balester)

 

Entre suas principais conclusões, destaca-se a identificação de que sujeitos indígenas até então conhecidos como avá-kuña-ecó (“modos de homem e mulher”, em tradução literal), a ocupar papéis específicos nas tradições Guarani, passaram a ser criminalizados e punidos em praça pública. Além disso, foi possível desenhar uma cronologia de como as comunidades indígenas tornaram-se parte de um elaborado e severo sistema de repressão interessado na punição dos homossexuais indígenas. Nos documentos há, por exemplo, anotações de missionários que relatam “alguns dos homens andam como mulheres” neste mesmo território enquanto algumas dessas mulheres valiam-se de arcos e lanças para irem às guerras. Para o autor quando um museu atribui uma sexualidade ocidental a um objeto indígena nada mais está a fazer do que seguindo com o processo de colonização de sexualidades do passado e do presente indígena.

A pesquisa, após ser submetida a avaliadores, revisores e pareceristas às cegas, acaba de ter seus resultados publicados em revistas científicas de alto impacto. Confira nos links os artigos completos:

https://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/7578

https://www.scielo.br/j/ref/a/zkPQKW7SVSHHJgjBZKjYwJJ/?lang=pt

 

Categorias: destaque FCS Humanidades