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Universidade Federal de Goiás
Inova

INOVA

Em 08/04/22 14:26. Atualizada em 08/04/22 14:39.

Como Inovar? Cuidados indispensáveis quando sua propriedade intelectual é uma invenção

Tatiana Ertner*

É inegável a importância de propriedade intelectual como ferramenta para o crescimento tecnológico e econômico, não só do setor industrial, mas também do setor de serviços e, especialmente da educação. Também é inegável seu papel como alavancadora de desenvolvimento, uma vez que ele só é alcançado se uma boa gestão de propriedade intelectual é realizada. Com isso, a propriedade intelectual pode servir como forma de proteção para o que foi criado, de valorização do produto, pode conferir reconhecimento pelo trabalho intelectual que realizado e também credibilidade ao inventor.

Essas possibilidades de atuação são garantidas pelo correto uso que fazemos do sistema de propriedade intelectual, que é peculiar de cada região onde é aplicado. Portanto, é fundamental que conheçamos as diversas formas de proteção e o escopo dessas proteções para que possamos selecionar a proteção adequada para o nosso objetivo.

Para isso, é necessário ter alguns conceitos muito claros, ao avaliar nossa criação.

O primeiro conceito que precisamos compreender é o de INOVAÇÃO. Nem toda criação é uma inovação e isso não quer dizer que não temos um bem a proteger. O que quer dizer, então?

Muitas vezes utilizamos o conceito de inovação como um sinônimo à invenção, o que não é verdade. A invenção é uma solução que se dá a um problema, de uma forma que não havia sido pensada anteriormente. Sua motivação é puramente técnica. De outro lado, a inovação tem por objetivo a exploração comercial de algo que nos parece extraordinário. Sua motivação é econômica.

Logicamente, quando pensamos que inventamos algo, logo nos vem à mente ter lucros financeiros com sua aplicação, mas apenas quando isso é nossa motivação, a invenção se torna uma inovação.

Existem, portanto, tipos distintos de inovação. As inovações que se referem ao foco do trabalho e, nesse caso, a inovação pode ser de produto ou de processo, e as que se referem ao impacto que o produto exerce no mercado. Quanto ao impacto, ela pode ser uma inovação incremental, e aí envolve um produto que seja uma releitura do que já existe, incrementando a solução antiga; substancial, resultado geralmente de uma melhoria contínua; radical, que impacta drasticamente o desempenho de uma solução, ou seu custo e criam novos mercados e a disruptiva, em que uma nova solução substitui a anteriormente existente, criando novos hábitos de mercado e torna obsoleto o que havia antes de nova solução. 

Está claro, portanto, que só há inovação quando nosso olhos estão voltados para o mercado!

Para encontrar a forma correta de proteger a nossa criação, é necessário, então, conhecer o produto e ter em mente o que se pretende com ele. Ele poderá, então, ser uma invenção que pode vir a ser uma inovação.

Quando se considera o produto acadêmico, uma boa parte dele é baseado em invenções. Essas são protegidas por patentes. Esse é o tipo de proteção correto e que deve ser buscado. Mas ainda assim, nos é exigido efetuar uma avaliação consciente da nossa invenção, pois existem dois tipos distintos de patentes, previstos na legislação brasileira (LPI 91279/96) e que têm exigências formais e escopo  de proteção distintos.

As patentes de invenção se referem a algo novo, um produto ou um processo, que resolva o problema de uma maneira inventiva. As patentes de modelo de utilidade se referem a uma nova comcepção de um objeto, que traga um amelhoria funcional e que não seja uma alteração óbvia do que já existia anteriormente. Portanto, não pode se referir a um processo, apenas a produtos palpáveis.

Qual tem mais valor?

A resposta: depende da inovação que representam!

Portanto, o valor de um produto é conferido pela proteção que o cerca e pelo mercado que o demanda! Temos o documento de patente para garantir a maior abrangência de proteção que pode ser conferida para um determinado produto e para servir de alavancador do mercado que precisamos! Por isso é importante entender se temos uma invenção nas mãos ou um modelo de utilidade, porque só assim seremos capazes de redigir um documento de patente forte.

A patente é compreendida como uma patente forte quando ela explica muito bem a nossa criação e a sua inventividade, pois não devem restar dúvidas quanto à sua novidade e inventividade. Para isso, as patentes tem que trazer situação, experimentos e dados de qualidade que mostre como as ideias são concretizadas e como elas resolvem o problema em questão. Elas também precisam trazer as aplicações de forma ampla, para garantir que a patente tenha uma abrangência que impeça o uso da criação por um terceiro, sem a autorização do criador. Imagens podem ser utilizadas como forma de auxiliar a compreensão da criação e, em se tratando de patentes de modelos de utilidade, elas são indispensáveis ao documento.

Esses requisitos básicos são exigências da lei 9279/96 e são regulamentados em diversas instruções normativas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), que necessitam ser consultadas ao início da escrita de uma patente.

E qual o problema de não se atentar para ter uma patente forte ou então não averiguar o tipo correto de patente que gostaria de depositar?

A melhor forma de compreender é exemplificando!

O Brasil tem um grande inventor, Sr. Nélio José Nicolai, sua capacidade criadora é a que deu as ferramentas para que a telefonia celular como a cohecemos hoje pudesse ser criada. Sua invenção? O BINA!

Nélio era eletrotécnico na Telebrás nas décadas de 70 e 80. Com sua capacidade de observação e criação, encontrou a solução para um problema que era tido mundialmente como insolúvel: a identificação de chamadas. Ele desenvolveu seu invento no fim da década de 70 e depositou um pedido de patente em 1980 (número do pedido PI8004209). Enquanto aguardava o deferimento de seu pedido pelo INPI, Nélio buscou desenvolver sua invenção. A Telebrás não se interessou pela invenção por preocupações com possíveis quebras de sigilo. Ele, então, criou uma empresa própria, a SONINTEL, para produzir comercialmente o BINA82. Seu pedido de patente, no entanto, foi indeferido pelo INPI, pois não descrevia de forma suficiente, o invento. Apresentou o que o INPI considera  insuficiência descritiva e é interpretado pelos depositantes de patentes como um quarto requisito de patenteabilidade. Ele depositou um novo pedido, agora descrevendo bem a invenção, atentando-se para as regulamentações e requisitos da invenção e do pedido em si. Esse foi o pedido de patente número PI8106464, que foi concedido em 1988. Mas, em 1986, a SONINTEL recebeu visitantes da Bell Canada, com fim de negociar a tecnologia. Segundo Nélio, ao chegarem no Brasil e se depararem com uma pequena empresa de 3 sócios, decidiram usar a tecnologia sem pagar por ela. E assim, Nélio não teve o reconhecimento pela gradiosidade da invenção que entregou ao mundo, nem pelos impactos que ela ainda teria até hoje. 

Esse é um aspecto de advertência para todos nós. A invenção de Nélio alcançou dimensões que ele não poderia imaginar, mas, como as patentes têm vigência territorial, ou seja, são válidas, exercendo direitos, apenas no país em que foi requisitada, ele não poderia mesmo impedir que empresas estrangeiras desenvolvessem seu sistema em outros países. De verdade, Nélio admitiu não ter depositado pedidos da patente em outros países e baseou suas disputas judiciais em um argumento que não encontra suporte no sistema de proteção à propriedade intelectual, que é a percepção erronêa de que a posse do título registrado no Brasil garante a ele um direito autoral em todo o mundo. Isso não pode ser porque, apesar da autoria não ter forma específica de registro para ser reconhecida, produtos como o BINA são protegidos por patentes e só por meio delas poderia assegurar seu direito exclusivo de exploração, só no Brasil. Ainda, o direito autoral tem dois aspectos, os direitos econômicos e os direitos morais. De fato, a própria patente confere os direitos morais a Nélio, mas os direitos econômicos são objeto de outras disputas. 

Ele produziu outras invenções como o sinal sonoro de ocupado quando alguém está em outra chamada (o salto) ou a identificação de chamadas não atendidas, tendo sido patenteadas.

De fato, não é só sobre valores econômicos que se deve buscar pela correta proteção. Nélio costumava dizer que não é pelo valor devido a ele pelas empresas do mundo, mas pela falta de reconhecimento por todo o seu esforço e pela grande contribuição que deu para a humanidade. Ele estava certo. Mas, a quem podemos considerar errado?

 

*Tatiana Duque Martins Ertner de Almeida é professora do Instituto de Química, presidente da Comitê Interno de Internacionalização do IQ, mantém linhas de pesquisa sobre propriedade intelectual, projetos de extensão de PI no ensino básico e coordena o curso de especialização em Propriedade Industrial da UFG

 

O Jornal UFG não endossa as opiniões dos artigos e colunas, de inteira responsabilidade de seus autores.

Fonte: Secom UFG

Categorias: colunistas IQ