Os aprendizados que a pandemia nos trouxe
Evento da Enfermagem reuniu profissionais que trouxeram relatos emocionantes sobre suas participações no enfrentamento à pandemia
Kharen Stecca
A pandemia não acabou, mas após dois anos tão difíceis é possível dizer que finalmente é possível respirar um pouco mais aliviado. E o que ficou de aprendizado após tantas dificuldades? Esse foi o tema da 83ª Semana Brasileira de Enfermagem, que em Goiânia está sendo realizada na Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás de 11 a 13 de maio. E o tema da primeira palestra foi exatamente sobre isso: “A Enfermagem no contexto da pandemia pela covid19: que lições aprendemos?”.
A abertura teve a presença de diversas autoridades do campo da enfermagem como a presidente da Associação Brasileira de Enfermagem, Marta Valéria Calatayd, representantes do Conselho Regional de Enfermagem, do Sindicato dos Enfermeiros, entre outros. Segunda Marta, a semana ocorre há 83 anos e é celebrada pelo Dia do Enfermeiro e do Técnico de Enfermagem que ocorrem em maio. “Ano passado discutimos o contexto da crise. Mas esse ano podemos finalmente avaliar as lições aprendidas.
E foi com essa intenção que quatro palestrantes contaram um pouco sobre suas vivências durante a pandemia e o que ficou de aprendizado para elas e para as futuras gerações. Cada uma vivenciou papeis importantes nesse processo que fizeram a diferença na vida das pessoas.
Universidade a postos
A primeira palestrante foi a professora Claci Rosso, que era diretora da Faculdade de Enfermagem em 2020 e 2021. Ela fez um balanço das ações da Fen desde o primeiro dia em que foi decretado o lockdown em março de 2020. “A universidade que representa a ciência brasileira se movimentou nesse contexto para tentar ajudar da melhor forma e em tempo real a sociedade. Nós tínhamos duas opções: ou nos fechávamos ou íamos para a linha de frente e nós escolhemos lutar, porque a nossa profissão nos coloca num lugar diferenciado de enfrentamento”, afirmou.
Claci destacou as ações da FEN juntamente com outras unidades da UFG na pandemia como a reorganização do currículo de aulas, o projeto Tenda Triagem Covid-19 que atendeu os servidores da saúde com testagem, a elaboração de EPIs quando havia completa escassez destes no mercado, o projeto de cesta de conhecimentos para fornecer informação aos profissionais de saúde e o atendimento remoto do ambulatório e a sala de vacinas da FEN, que começou vacinando para a Covid.
O medo dos profissionais
Alba Valéria, atualmente é especialista em saúde na Secretaria Municipal de Saúde do município de Goiânia. Na época ela atendia pacientes na unidade de saúde Dom Fernando de Goiânia, . E falou sobre sua trajetória durante a pandemia: “Evidências científicas sobre a Covid não existiam a princípio, elas foram sendo construídas em tempo real e mudando com a prática. Pacientes chegavam com insuficiência respiratória, era preciso acolher sem tocar e ainda acolher a equipe que tinha medo e precisava cuidar. Os testes demoravam a chegar. Durante a vacinação, as diretrizes mudavam à medida que as evidências chegavam”, contou ela. Mas como enfermeira ela acredita que não havia outra opção a não ser lutar e foi isso que fez durante esse tempo.
Alta rápida e com excelência
Murichaine Marques chefiou um hospital de campanha do governo de seu início ao término. Ela lembra o medo dos olhos dos enfermeiros e destacou que o que fez a diferença o tempo todo foi o treinamento contínuo de equipes. “Nós aprendemos no dia a dia a lidar com essa doença”, destacou. Ela explicou que desenvolveram toda uma metodologia para desocupar leitos o mais rapidamente possível, no entanto com todo o cuidado para a desospitalização segura. E os resultados foram impressionantes: 94% de assertividade de alta.
Ela lembrou que a segunda onda assustou os profissionais de enfermagem pois muitas pessoas jovens morreram e isso provocou imenso abalo psicológico nas pessoas. “Neste momento, salas de cirurgia e de observação tudo virou UTI. Estávamos com 98% de ocupação”, contou.
Ela conta diversos pontos que precisaram ser revistos: a saturação de oxigênio de pacientes com covid por exemplo em momentos de falta de oxigênio. Foi preciso recalcular de forma a garantir bem estar ao paciente e o menor gasto possível do insumo. Outro ponto doloroso e necessário foi calcular câmaras frigoríficas, gerenciar a guarda de corpos e ainda promover um reconhecimento por partes de parentes de forma respeitosa e seguindo protocolos. A falta de EPIs também obrigou a um rigoroso gerenciamento dos insumos de forma a garantir que todos estivessem seguros, mesmo na escassez.
Em meio a tantas medidas ainda foi criado um atendimento humanizado para os pacientes para que a equipe pudesse entender a história de cada um e acolhê-los da melhor forma possível. “Foram 47 mil pacientes e 7706 internados e não posso deixar de dizer que tivemos mais de 1900 óbitos durante o atendimento no HCamp que fechou em dezembro de 2021”. E ela terminou com uma frase: “Se a vida não ficar mais fácil, trate de ficar mais forte”.
Gestão de Insumos: um setor importante e pouco falado
Por último May Socorro contou sua rotina como Enfermeira do HC/UFG e da Secretaria Municipal de Saúde. Como ela tinha várias comorbidades, foi colocada no trabalho remoto e ficou responsável pela gestão de insumos nos hospitais. Ela inclusive reforçou aos estudantes: “Esta é uma área pouco pensada pelos estudantes, mas de extrema importância nas unidades de saúde. Olhem para ela com atenção”, afirmou. Ela ressalta que os enfermeiros são uma das poucas áreas que têm noção de administração no curso e isso os diferencia na hora de tomar decisões nas unidades de saúde.
Ela conta que em janeiro já estava preocupada com a pandemia, mas ninguém concordava com ela sobre a necessidade de se preparar. “Todos achavam que não ia chegar no Brasil”, afirmou. Ela conta que na época um pacote de luvas custava R$ 14,50 e chegou a custar na primeira onda R$ 450,00. E que a gestão de insumos teve que ser completamente refeita devido a nova situação da pandemia. “Passei um dia cronometrando o tempo para tirar o macacão especial que protegia profissionais de saúde da covid-19: levava 45 minutos para tirá-lo. O que nos fez optar para que apenas alguns profissionais como os do Samu o utilizassem. No fim escolhemos o capote pela facilidade de desparamentar”, explicou. “Além de testar os produtos que não sabíamos quais seriam melhores, precisávamos decidir e achar no mercado, pois não estavam à disposição", contou. Ela exemplifica com a quantidade de luvas gastas: nos primeiros 10 dias de pandemia foram gastas a mesma quantidade de luvas utilizada em 6 meses. Também relatou sobre a confecção das primeiras máscaras até conseguir suprir uma demanda crescente que a indústria não era capaz de atender. A enfermeira terminou sua fala ressaltando que “as crises são muito ruins, mas nos ensinam muito. Demos um salto na qualidade de assistência, um aprendizado como a muito não se via e também uma grande valorização do profissional enfermeiro e essas são grandes lições”.
Fonte: Secom ufg