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Universidade Federal de Goiás
Rosângela Chaves

"Do próprio seio dos regimes democráticos, pode emergir os perigos que coloquem em risco a democracia"

Em 10/08/22 15:32. Atualizada em 10/08/22 16:17.

Livro O dia de glória chegou debate ideias de Hannah Arendt e Tocqueville

Kharen Stecca

A jornalista e professora Rosângela Chaves lançou recentemente o livro “O dia de glória chegou” - Revolução, opinião e liberdade em Tocqueville e Arendt (Edições 70, 2022; Coleção Anpof), O livro apresenta e debate as principais ideias de sua tese de doutoramento realizada na Universidade Federal de Goiás, explorando as conexões entre os escritos de Hannah Arendt e Alexis de Tocqueville, por meio de uma análise comparativa de seus conceitos de revolução, opinião e liberdade, entre outros. “O que eu ressalto de muito significativo na obra deles para entender a atualidade é de como, do próprio seio dos regimes democráticos, pode emergir os perigos que coloquem em risco a democracia”, explica a autora. 

Embora tenham vivido e produzido conhecimento em tempo diferentes, os dois pensadores creem na preservação da pluralidade do espaço público como ferramenta essencial para a manutenção da democracia. Para entender melhor a proposta do livro, o Jornal UFG realizou uma entrevista com a autora que contou um pouco sobre sua trajetória, a proposta do livro e as ideias desses pensadores.

Você foi a primeira mulher a concluir o curso de doutorado em Filosofia. Por que escolheu essa área de trabalho e como vê essa conquista? Como instigaria outras mulheres a também estudar filosofia?

Rosângela  Chaves - De fato, eu sou a primeira mulher a receber o título de doutora em Filosofia pela UFG. Defendi minha tese em novembro de 2018. O doutorado em Filosofia da UFG foi inaugurado no segundo semestre de 2013 e eu ingressei no programa no primeiro semestre de 2014. Eram ainda poucos alunos e a grande maioria composta por homens. Mas depois entraram muitas colegas. Eu sempre tive muito interesse pela Filosofia – embora minha primeira graduação seja em Jornalismo pela UFG, depois cursei Direito na PUC-GO e Filosofia – Licenciatura pelo Centro Universitário Claretiano, de SP. Quando resolvi fazer um mestrado no começo dos anos 2000, a decisão pela Filosofia se deu quase que naturalmente – ainda mais porque eu estava muito interessada no pensamento da Hannah Arendt, de quem já havia lido vários livros. Para mim, fazer o mestrado e o doutorado foram experiências muito enriquecedoras e que me abriram outras oportunidades de trabalho. Principalmente, com relação ao doutorado, porque tive a oportunidade de contar com financiamento da Capes, como bolsista, e fazer uma temporada de estágio-sanduíche na Universidade de Coimbra, em Portugal. Também passei um mês na França, onde pude realizar pesquisas na Biblioteca Nacional e no Centro de Estudos Sociológicos e Políticos Raymond Aron (Cespra).

Com relação à presença feminina na Filosofia, este cenário tem mudado muito no Brasil, há cada vez mais mulheres pesquisadoras na área, produzindo trabalhos de excelente qualidade. Ao lado disso, há um movimento muito interessante e crescente no sentido de  estudar e divulgar a obra de filósofas, incluindo pensadoras brasileiras e latino-americanas. 

dia de gloria

Por que escolheu estes dois escritores, Hannah Arendt e Alexis de Tocqueville, e estes conceitos?

Rosângela  Chaves - Eu estudo a obra da Hannah Arendt desde o meu mestrado. A minha dissertação também foi publicada em livro, em 2009: “A capacidade de julgar – Um diálogo com Hannah Arendt” (Cânone/Editora da PUC-GO). Quando resolvi fazer o projeto de doutorado, meu objetivo era pesquisar o tema da opinião e da opinião pública na obra da Hannah Arendt. Lembro que fiquei muito instigada quando li um trecho do livro “Sobre a revolução”, de Arendt, quando ela afirma que as massas não têm opinião propriamente, elas são movidas pelo “humor”. Na época, estávamos vendo o movimento das jornadas de 2013 em que as massas de repente tomaram as ruas e eu tentava compreender o que era aquilo. Eu comecei  a ler sobre esse tema também em outros autores, como Tocqueville e Rousseau. Durante essas leituras, fiquei muito impressionada com as afinidades que eu percebia entre Arendt e Tocqueville (é preciso dizer que Arendt foi uma grande leitora de Tocqueville e nutria enorme admiração por seu pensamento). Por exemplo, a forma como Tocqueville aborda o tema da tirania da maioria na sua obra “A democracia na América” e  Arendt a questão da “vontade geral” no seu livro “Sobre a revolução”. Ou seja, o perigo que eles apontam de uma suposta “opinião majoritária” se transformar em uma força opressora na democracia.  À medida que fui avançando na minha pesquisa, pude notar várias confluências entre ambos: a forma como avaliam o legado das Revoluções Americana e Francesa; a compreensão da liberdade como “liberdade política”, no sentido da participação popular; a ênfase nos poderes locais, nas associações, como espaços para a ação coletiva etc. E o que é mais importante – e que eu procuro defender no livro – como ambos defendem uma práxis republicano-democrática, enfatizando a necessidade da recuperação do ideal do espírito público e as potencialidades da ação coletiva.


O que dois pensadores de épocas tão diferentes têm em comum e como seus pensamentos podem nos auxiliar a entender a atualidade?

Rosângela  Chaves - Além dos aspectos que eu assinalei acima, eu diria que o que aproxima esses dois autores é a convicção de que a razão de ser da política é a liberdade e que a preservação da pluralidade inerente ao espaço público é essencial para a preservação da democracia. É importante dizer que ambos os autores são pensadores da ruptura. Tocqueville escreve na primeira metade do século XIX, em uma França ainda assombrada pelos excessos da Revolução Francesa e vivendo um cenário político de muita turbulência. Arendt produz a sua obra tendo em mente a catástrofe decorrente dos regimes totalitários do século XX. Tanto Arendt quanto Tocqueville tinham plena consciência de que as categorias filosóficas da tradição eram insuficientes para dar conta dos desafios que a época de cada um deles lhes apresentava. Tanto que Tocqueville dizia que era necessário o surgimento de uma nova ciência política. Nesse sentido, eles procuraram se voltar para a realidade, para a concretude do real, a fim de  procurar compreender o tempo em que viviam. O que eu ressalto de muito significativo na obra deles para entender a atualidade é de como, do próprio seio dos regimes democráticos, pode emergir os perigos que coloquem em risco a democracia. O individualismo, o conformismo e a uniformização do pensamento das massas modernas, o descompromisso com o público, o enfraquecimento da ação coletiva, todos esses fenômenos tão característicos de nossa época podem levar ao surgimento de formas autoritárias de governo. 

 
Como surgiu a ideia de transformar a tese em livro? A quem estes estudos podem auxiliar?

Rosângela  Chaves - Quando eu fiz a defesa da tese,  em novembro de 2018, ela foi recomendada pela banca para publicação. Eu preferi esperar um pouco para retomar a tese  e lhe dar um formato de livro, achava que era bom ter um certo distanciamento do texto, depois de tanto tempo de trabalho. Quando retomei o texto,  surgiu a oportunidade de enviá-lo para o edital que havia sido aberto pela Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia (Anpof), em parceria com as Edições 70/Almedina, uma da mais prestigiadas editoras de Portugal que passou a atuar no Brasil recentemente. Para minha alegria, ele foi um dos três trabalhos selecionados, entre dezenas de outros, para inaugurar a Coleção Anpof/Edições 70. Acredito que o livro seja voltado não só para estudiosos da filosofia política, mas para um público mais amplo que tenha interesse na teoria política. 


Como se deu a inspiração do título do livro?

Rosângela  Chaves - A primeira parte do título “O dia de glória chegou” é um verso retirado do hino francês “La Marseillese”: “Allons enfants de la Patrie/ Le jour de gloire est arrivé!” (“Vamos, crianças da Pátria/ O dia de glória chegou”). Escolhi este verso porque ele remete à ideia de república e à promessa de liberdade que ela representou na Revolução Francesa. E também está vinculado, além da liberdade, aos outros lemas revolucionários – igualdade, fraternidade e felicidade – que exploro no livro, de acordo com as perspectivas arendtiana e tocquevilliana. 


Como o livro pode ser adquirido?

Rosângela  Chaves - Como as Edições 70/Almedina têm um bom esquema de distribuição nacional, o livro está disponível nas principais redes de livrarias do país e também nas lojas virtuais da internet. Em Goiânia, ele pode ser adquirido na Livraria Leitura do Goiânia Shopping. 

 

Rosângela Chaves

Quem é Rosângela Chaves:

Formada em Jornalismo pela UFG, em Direito pela PUC-GO e em Filosofia pelo Centro Universitário Claretiano (SP), é mestre e doutora em Filosofia pela UFG e professora universitária. Por 26 anos, trabalhou no Grupo Jaime Câmara, onde atuou como repórter e editora de Cultura do Jornal do Tocantins, e depois, no jornal O Popular,  como repórter, subeditora e editora de Informática & Telecomunicações; editora de Opinião e, de 2002 a 2015, editora do caderno Magazine. Também foi articulista do jornal O Popular, de 2011 a 2015.  É autora dos livros A capacidade de julgar – Um diálogo com Hannah Arendt (Cânone/Editora da PUC-GO, 2009) e O dia de glória chegou – Revolução, opinião e liberdade em Tocqueville e Arendt (Edições 70, 2022) e  tem diversos artigos e capítulos publicados em coletâneas e revistas acadêmicas de filosofia e comunicação social. Em 2013, foi condecorada com a Medalha de Honra UFG. Atualmente, leciona no curso de Direito da Faculdade Católica de Anápolis e é editora do site Ermira Cultura (ermiracultura.com.br).

Fonte: Secom UFG

Categorias: Humanidades Fafil