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Universidade Federal de Goiás
Joel Pimentel Ulhôa Capa

Uma homenagem ao tempo de Joel Pimentel Ulhôa

Em 29/09/22 10:21. Atualizada em 30/09/22 12:10.

Ex-reitor, o professor de Filosofia deixa parte de seu legado na UFG

Carolina Melo

Prof Joel Pimentel de Ulhoa

“Tempus fugit: o tempo passa depressa”. E deixa marcas. E na Universidade Federal de Goiás, o exemplo do filósofo e ex-reitor Joel Pimentel de Ulhôa vai continuar ressoando por meio de suas reflexões e ações dedicadas ao ensino universalista, ao pensamento crítico e à formação cidadã. Erudito, humanista por natureza e iluminista por formação, o professor dialógico fez a passagem no dia 12 de setembro, aos 87 anos. Entre legados, fica uma vida dedicada à docência, o seu apoio às iniciativas culturais e democráticas universitárias e às ações e obras de infraestrutura que fortaleceram a UFG. 

Com a carreira acadêmica iniciada na UFG em 1968 como docente de Filosofia, Joel Pimentel Ulhôa acompanhou de perto a política educacional do regime militar (1964-1985) e se tornou uma personalidade central ao longo do processo de redemocratização da Universidade, quando em 1985 foi eleito reitor por consulta popular. Suas características pessoais deram o tom da gestão, com os esforços de valorização da cultura, da internacionalização da universidade e fortalecimento da pesquisa e da autonomia universitária. 

Durante o seu reitorado, criou o Núcleo de Coordenação e Apoio às Iniciativas Culturais (Nucaic), que depois foi integrado à Pró-Reitoria de Extensão e Cultura, e o Núcleo de Estudos e Coordenação de Ações para a Saúde do Adolescente (Necasa), que se tornou uma referência no estado de Goiás e se consolidou no atual Centro de Ensino, Pesquisa e Extensão do Adolescente (Cepea). Conquistou recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para apoiar iniciativas de ensino, pesquisa e extensão, o que contribuiu para a construção da unidade do Câmpus Avançado de Catalão, hoje Universidade Federal de Catalão (UFCAT), e para uma das maiores expansões físicas da UFG em Goiânia. E constituiu a Assessoria de Assuntos Internacionais, hoje Secretaria de Assuntos Internacionais, visando o desenvolvimento e a ampliação da cooperação internacional da Universidade com outros países.

ex-reitor joel pimentel ulhÔa
Ex-reitor Joel Pimentel Ulhôa, primeira presidente da Adufg, Mindé Badauy, e o presidente do DCE, Alan Barbiero durante Assembleia Universitária em 1989

A participação democrática da comunidade acadêmica era uma preocupação de Joel Pimentel Ulhôa. Assim como lembra o professor aposentado da UFG, Itami Campos, quando Joel assumiu a reitoria, ainda era vigente a Reforma Universitária de 1968 que limitava a autonomia de pensamento das unidades acadêmicas. O ex-reitor, então, estimulou e apoiou a ampla mobilização de professores e acadêmicos que decidiu, por meio de assembleias, pelo retorno ao antigo sistema seriado, “mais próximo da realidade brasileira” e que havia sido substituído pelo sistema de créditos durante o governo militar. “Enquanto reitor, ele contribuiu para o processo de redemocratização da universidade, retornando para as unidades acadêmicas a competência pelas escolhas didáticas e bibliográficas”, lembra o professor Itami. 

A aptidão pela gestão administrativa de Joel Ulhôa já dava sinais antes mesmo de se tornar reitor, quando participou do grupo de docentes que criou as bases para a fundação da Associação dos Docentes das Universidades Federais de Goiás (Adufg), em 1978. Naquela ocasião, tornou-se vice-presidente da diretoria provisória da Associação durante 10 meses até a posse da primeira diretoria em 1979. O movimento reuniu professores em defesa da universidade, da democracia, da autonomia de pensamento e pela construção da carreira docente.

Joel Pimentel Ulhôa e família
Joel Pimentel Ulhôa com sua esposa, Alice Ulhôa, e filhos Murilo, Ulisses, Raquel, Vinícius e Valéria

No entanto, Joel Pimentel de Ulhôa era, antes de tudo, um professor, daqueles apaixonados pela sala de aula, pela relação entre o educador e o educando e comprometido com o desenvolvimento do senso crítico de seus alunos. "Intelectual refinado”, como relembra a professora aposentada da UFG, Maria Cristina Teixeira Machado, nunca deixou de ser ele mesmo um estudante. Assim como destaca o professor Itami Campos, quando assumiu a gestão administrativa da Universidade colocou entre suas prioridades o aprimoramento de seus conhecimentos acadêmicos. “Foi quando se tornou reitor da UFG que iniciou o seu pós-doutorado na França”, lembra. “Sou testemunha do quanto meu pai estudava, se dedicava ao seu aprimoramento, lia, conversava com amigos a respeito de Filosofia. E toda essa sua dedicação era repassada, com certeza, aos seus alunos”, afirma o professor da UFG e filho de Joel, Ulisses Ulhôa. Ao longo de sua experiência docente, não descuidou da produção intelectual, sem cair no produtivismo acadêmico. “Publicou livros relevantes, produziu textos em revistas, deu centenas de conferências. Julgar essa produção demanda um tempo”, afirma o amigo e colega de profissão, José Ternes.

Um professor erudito dialógico 

Joel Pimentel Ulhôa
Joel Ulhôa no dia da defesa de doutorado de José Ternes, na USP, conversa com o professor Renato Janine Ribeiro, de camisa branca. Na ocasião, o professor Joel foi convidado para participar da banca por Marilena Chauí. “Pareceu-me extremamente gratificado, quer pelo convite formal de uma grande universidade, quer pelo sentimento, quase filial, de ver um quase discípulo seu cumprindo uma jornada bem-sucedida”, lembra José Ternes

Aos alunos e colegas, fica na memória a generosidade do erudito. Professor pesquisador, professor dialógico, professor humanista são algumas das menções elaboradas por ex-alunos e colegas, quando resgatam o tempo de convívio com o filósofo. “Principalmente, vem-me a imagem do professor pesquisador, que nada junto com seus discípulos. Assimilou muito bem as lições de sua orientadora, Marilena Chauí, que gostava de lembrar Merleau-Ponty, com suas imagens do professor de natação”, afirma José Ternes. “Joel não se colocava nunca como alguém que sabia mais do que os alunos. Professor dialógico, alternava o rigor e o respeito à história da Filosofia e a construção do pensamento filosófico, sobretudo a partir do estruturalismo, com a sociabilidade, o bom humor e a espiritualidade no ambiente da sala de aula”, relembra o ex-aluno e também professor da UFG, Jordão Horta Nunes. “Ele sempre foi conhecido por uma característica que era comum na percepção de todos nós: ele era amável, ele era gentil. O que deveria ser até um lugar comum entre os professores, mas é uma exceção. Especialmente sendo ele muito erudito, de grande conhecimento. E ele jamais usava esses conhecimentos com arrogância. Então, parecia que, ao mesmo tempo em que ele demonstrava conhecimento e erudição, muita simplicidade e humildade no ensinar”, lembra seu ex-aluno, o filósofo Will Goya.

A preocupação com a formação universalista do aluno acompanhou Joel em cada etapa profissional na Universidade Federal de Goiás (UFG). Para ele, o ambiente universitário deveria ser estruturado de forma a proporcionar ao acadêmico a vivência do conhecimento interdisciplinar e humanista. Assim como ele disse durante uma entrevista concedida à UFG e publicada na Revista Afirmativa, em novembro de 2009, o aluno deveria “ter tempo para discutir política, participar de concertos, viver de forma dinâmica a vida universitária, universalizar-se e não apenas fazer um curso, um ‘terceiro grau’ de ensino”. Ao propor a redução das disciplinas de um curso ao seu núcleo epistemológico, o ex-reitor visava garantir tempo ao aluno para complementar sua formação. “Assistir, numa hora vaga, a um filme no cineclube, participar de uma peça teatral, pode ser, eu até diria, tão necessário e marcante para a vida de um universitário e a formação de um profissional, sua capacidade de apreender o mundo, analisá-lo sob diferentes pontos de vista, instrumentalizar mais ricamente a sua imaginação, a sua capacidade criativa, sua liberdade para a invenção. Cheguei a provocar um certo ‘escândalo’ quando defendi que os horários dos cursos deveriam deixar algumas horas livres por semana, reivindicando, para alunos e professores, o que chamei de “bolsões de ociosidade”. [...] É preciso, cada dia mais, que a educação libere, realmente, o potencial de liberdade do aluno, de desejo do estudo não programado por outros, da atitude prazerosa, dionisíaca, diante do privilégio de ser universitário e da responsabilidade social que isso implica”, disse ele ao longo da entrevista.

Joel Pimentel Ulhoa

Exerceu a docência na UFG ao longo de 36 anos, quando se aposentou no final do ano de 2004. Voltou à Universidade para receber o título de professor emérito um ano depois, em 2005. E foi sobre o tempo que Joel direcionou sua reflexão naquela ocasião. Especialmente, sobre o sentido do tempo “em nossas vidas e na vida das instituições”. “Tempus fugit: o tempo passa depressa!’, ele disse. Com o sentimento da fugacidade do tempo, o ex-reitor recorreu ao capítulo 3 de Eclesiastes: “Para tudo há momento, e tempo para cada coisa sob o céu: o tempo de dar à luz e o tempo de morrer”. E concluiu: “o tempo que realmente importa é o tempo da consciência, o tempo da com-vivência, a vida, em suma, como a encaramos e como os amigos, com seus atos de pródiga cordialidade, nos ensinam a encarar e nos estimulam a compartilhar. É esse o tempo, repito, que de fato importa, e não o tempo convencional e frio dos calendários e das cronologias”. E ao longo do tempo de Joel Pimentel Ulhôa, “ele ensinou além do conhecimento, o que não era pouco, a sermos profundamente humanos. Essa formação humanista ele só ensinava com o exemplo”, afirma Wil Goya.

 

Mais informações:

Nota de falecimento

Discurso de professor Joel Pimentel Ulhôa em 2005

Pronunciamento do reitor professor Joel Pimentel Ulhôa por ocasião da transferência do cargo de reitor da UFG (07/01/1986)

Fonte: Secom UFG

Categorias: Memória Institucional